O IMPACTO DAS ENCHENTES EM CIDADES, CAMPOS E NA NATUREZA
Com o aquecimento global, inundações são cada vez mais frequentes e podem devastar cidades e campos. Elas são um fenômeno natural com um lado benéfico, mas cujo efeito destrutivo é potencializado pela ação humana.
As imagens de casas e
plantações alagadas, cada vez mais frequentes, tornam difícil acreditar que
haja algo benéfico em enchentes. De fato, na União Europeia, entre os anos de
1980 e 2022, os maiores prejuízos, entre os eventos climáticos extremos, foram
causados por inundações. Ainda assim, as consequências delas para o meio
ambiente nem sempre são negativas.
Na verdade, muitos
ecossistemas dependem da elevação sazonal das águas para a ocorrência de
processos ecológicos naturais, como a distribuição de nutrientes pelo solo,
explica o diretor do Programa Global para a Água da União Internacional para
Conservação da Natureza, James Dalton.
"Os sistemas fluviais
são úteis para um suprimento constante no fluxo de nutrientes que enriquece os
ecossistemas mais abaixo no sistema fluvial, mas também flui para estuários e
deltas, que são as partes biologicamente mais produtivas do mundo. Precisamos
de enchentes, porque elas liberam sedimentos e nutrientes e também certas
espécies, que são extremamente importantes."
Ao recuar, as águas das
enchentes deixam para trás sedimentos e nutrientes que fornecem um fertilizante
rico e natural, melhorando a qualidade do solo e estimulando o crescimento
vegetal.
O solo fértil é, aliás, um
dos motivos por que muitas cidades surgiram e cresceram ao redor de rios. Além
de fornecer a tão necessária água e de ser um meio de transporte de
mercadorias, os rios, quando transbordam, também fornecem nutrientes que
enriquecem o solo para a agricultura.
ENCHENTES
Foto - Enchente em Encantado, no Rio Grande do Sul, em novembro de 2023. Planícies aluviais são locais potencialmente perigosos para a construção de casas
As enchentes também são úteis
para reabastecer os reservatórios de água subterrânea. Embora o processo ocorra
naturalmente em algumas regiões, na Califórnia, por exemplo, os órgãos
reguladores estão planejando desviar o excesso de águas das enchentes para
ajudar a reabastecer os reservatórios subterrâneos naturais e assim armazenar
água para os períodos de seca.
ENCHENTES DESTRUTIVAS
Mas, para além da ordem
natural das coisas, num mundo onde as temperaturas globais continuam subindo,
causando padrões pluviais mais intensos e chuvas muitas vezes imprevisíveis em
algumas regiões do mundo, os impactos não são tão benéficos.
"Estamos vendo as
enchentes se tornarem mais destrutivas, durarem mais e terem um impacto mais
rápido devido às mudanças nas chuvas", explica Dalton. "E isso está
tendo um impacto sobre a biodiversidade."
Um dos impactos mais óbvios
das enchentes sobre a vida selvagem é que algumas espécies não conseguem fugir
da elevação das águas com a rapidez necessária. Em 2012, por exemplo, centenas
de animais, incluindo rinocerontes-indianos, uma espécie ameaçada de extinção,
morreram quando o Parque Nacional de Kaziranga, na Índia, foi atingido por
graves inundações.
E mesmo quando os animais
conseguem escapar, as enchentes podem destruir seus habitats e locais de
reprodução. As plantas também podem ser afetadas pelas águas das enchentes
quando estas contêm pesticidas agrícolas, produtos químicos industriais ou
esgoto. Se os animais comem plantas contaminadas, ingerem toxinas e impurezas
que também entrarão na cadeia alimentar.
QUANDO A ENCHENTE CAUSA
EROSÃO
E nem sempre as enchentes são
benéficas para o solo. Correntezas fortes costumam deixar um rastro de
destruição, podendo levar consigo uma camada de 5 a 10 centímetros de espessura
de terra rica em nutrientes.
"Numa inundação, o solo
pode simplesmente ser levado embora, e nada sobra, a camada mais preciosa se
foi. Ele não pode ser reconstituído por humanos e é a base da produção de
alimentos", diz o consultor de agricultura sustentável Michael Berger, do
WWF da Alemanha.
A erosão do solo também
destrói habitats e paisagens. Na condição de habitat mais rico em espécies do
mundo, o solo é essencial para preservar a biodiversidade. De acordo com um
relatório publicado pela Fundação Heinrich Böll, ligada ao Partido Verde da
Alemanha, a terra saudável pode armazenar mais dióxido de carbono do que as
florestas.
Além disso, a erosão do solo
também impede que a terra absorva água quando há grandes inundações, agravando
o problema. "Precisamos de solos saudáveis para nos adaptarmos à crise
climática. Eles podem armazenar até 3.750 toneladas de água por hectare e
liberá-la novamente conforme necessário", explica a diretora da Fundação
Heinrich Böll, Imme Scholz.
LIMITAR OS IMPACTOS
Mas há como limitar os impactos
das inundações, que costumam ser piores do que deveriam devido à presença de
construções no caminho das torrentes ou nas planícies de inundação.
A falta de moradias a preços
acessíveis em cidades de todo o mundo resulta em cada vez mais construções,
autorizadas ou não, em planícies aluviais. Ou seja: residências estão sendo
erguidas em locais potencialmente perigosos.
"Reconstituir como os
rios funcionam, retornar à forma como deveriam estar serpenteando e se
conectando, direcioná-los às suas planícies aluviais, ligar as águas
subterrâneas às águas superficiais: tudo isso é importante porque essa é a rede
que permite o fluxo de água", observa Dalton.
A diversificação da
agricultura, deixando de lado os métodos industriais para passar a usar práticas
como a agrofloresta, que integra árvores à agricultura, também pode minimizar
os impactos das enchentes. "Isso pode diminuir a velocidade da água quando
houver uma inundação. E quanto mais lenta for a água, menor será a
erosão", explica Berger.
"Nós, como seres humanos
diante das mudanças climáticas, com todos os seus eventos de inundação ou seca,
deveríamos definitivamente optar por soluções baseadas na natureza em vez de
aplicar concreto por toda parte e acreditar que podemos resolver tudo com nossa
tecnologia", adverte o consultor da WWF. Fonte: Deutsche Welle - 09/01/2024