LEMBRANÇA: 170 ANOS DE PROJETOS CONTRA ENCHENTES EM SP
Enchentes provocadas pelo Tietê, em 1962 |
Em 1963, a Câmara Municipal
montou uma CPI para apontar as falhas das obras contra as inundações, que
remontam a 1841. A leitura do trabalho joga luz em um problema histórico - as
causas das cheias, os danos e as promessas são sempre os mesmos
Com seus óculos de aros bem
grossos e feições um tanto rechonchudas, Francisco Prestes Maia foi interrogado
às 10 horas do dia 19 de fevereiro de 1963 para explicar o inexplicável. Por
que, depois de tantas promessas, projetos e obras, São Paulo continuava
alagando pelas margens do Rio Tietê? A resposta do prefeito faz parte de um
relatório de 145 páginas da CPI das Enchentes da Câmara Municipal, que mesmo
com seus papéis amarelados ainda hoje pode ser considerado um dos mais extensos
trabalhos para entender a ineficácia de muitas políticas públicas frente às
inundações paulistanas.
AS ENCHENTES SÃO HISTÓRICAS
"As enchentes são
históricas, verificadas desde os primeiros tempos de colônia. Anualmente, o
espetáculo se repetia em toda a extensão da grande várzea; deixando em seu
leito normal, o rio ocupava a planície ribeirinha, transformando essa porção da
cidade em vasta e malcheirosa lagoa." A frase, que poderia muito bem ter
sido publicada nas páginas deste jornal nas últimas semanas, foi escrita no
relatório de 1963 pelo então presidente da Comissão Especial da Câmara, o
vereador Figueiredo Ferraz.
O trabalho de Ferraz e de
outros seis vereadores no relatório de 1963 foi tentar descobrir os motivos de
as obras de retificação dos Rios Tamanduateí e Tietê não surtirem os efeitos
esperados. Não há respostas satisfatórias, diga-se. Mas a leitura hoje da
reuniões da comissão serve para jogar luz em um problema secular, como pode ser
visto abaixo - seja na década de 60 ou em 2011, as causas são as mesmas, os
danos iguais e as soluções ironicamente idênticas.
Outros relatos também
denunciaram, década após década, a precariedade dos rios e governos. E assim
como relatos, também outros problemas foram se empilhando e aumentando os efeitos
das inundações, transformando as "águas mansas" que encantaram os
fundadores de São Paulo em um dos maiores flagelos dos paulistanos.
OCUPAÇÃO.
Enchentes provocadas pelo Tietê,
em 1965
|
A retificação do Tietê
encolheu o rio - de 46 quilômetros de extensão entre Osasco, na Grande SP, e a Penha,
ele passou a ter 26 km. Assim, uma área de 33 milhões de metros quadrados que
eram inundáveis puderam ser urbanizadas. "É uma grande área a ser
aproveitada", diziam os vereadores, queriam incentivar a ocupação das
margens do Tietê. "Não é questão apenas de hidráulica e de valorização das
terras, deve ser motivo, também, para o aformoseamento da cidade." A
história, no entanto, mostrou que a várzea tem a função de transbordamento; a
ocupação dela resulta numa piora nas inundações. Se os vereadores da Câmara de
1963 pudessem ver a São Paulo de hoje, talvez não tivessem a mesma opinião - a
saúde do rio foi deixada de lado e a
retificação causou problemas de degradação urbana e ambiental cujas soluções
são cada vez mais difíceis.
PROBLEMA RECORRENTE.
Desde 1841, ou há 170 anos, o
governo municipal investe em obras para tentar remediar as inundações da região
central - o primeiro planejamento de canalização do Tamanduateí deve-se ao
engenheiro Carlos Abraão Bresser. Em 1921, foi a vez do prefeito Firminiano
Pinto defender a necessidade da canalização do Tietê, desde Guarulhos até a
Lapa.
AS INUNDAÇÕES CONTINUAM A
CASTIGAR A CIDADE
"Com 85% das obras
concluídas, as inundações continuam a castigar a cidade e sua população,
acarretando prejuízos imensuráveis", escreveu o vereador Figueire do
Ferraz em seu relatório. "E parece que as inundações aumentam de ano a
ano, motivando um justo e revoltado clamor popular."
Autoridade metropolitana. Já
em 1963, discutia-se a importância de uma "organização supermunicipal"
para lidar com os problemas crescentes da região metropolitana.
"Consideraremos melhor a conjugação de esforços, reunidos em uma
organização", afirmou Prestes Maia. "Seria uma organização para
operar livremente nos municípios e, de maneira imparcial, determinar as obras
necessárias.". Até hoje a discussão continua, sem que a autoridade
metropolitana tenha sido criada na Grande São Paulo.
ASSOREAMENTO.
Atualmente, os 70 grandes
rios, córregos e galerias que deságuam no Rio Tietê contêm, juntos, pelo menos
364,7 mil toneladas de areia e lixo acumulados nos leitos . Com as últimas
chuvas, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) definiu como medida urgente a
retirada desses 4,2 milhões de metros cúbicos em detritos do Tietê neste ano.
Segundo o governo, no ano
passado foram retirados apenas 1 milhão de metros cúbicos. Em 1963, de acordo
com dados da CPI das Enchentes, o assoreamento era calculado em 120 mil metros
cúbicos por ano. "Chegamos à situação de precisar manter uma drenagem
permanente de 1,5 milhão de metros cúbicos por ano, tanto quanto é feito pelo
Porto de Santos", disse o prefeito Prestes Maia. "Vamos manter cinco
dragas e seis escavadeiras para o trabalho. Além dos problemas dos rios, há o
dos córregos, bueiros e galerias pluviais, a limpeza foi desleixada durante
várias administrações."
PROBLEMA SEM FIM.
Durante o seu depoimento na
CPI das Enchentes, o prefeito Francisco Prestes Maia já chamava a atenção para
a urbanização desenfreada da Grande São
Paulo. "Há um fator de
inundações quase irremediável, a urbanização crescente do alto Tietê e do
ABC", disse. "São feitos arruamentos, terraplenagens, cortes de
matas, aterro das várzeas e, por consequência, desaparecem aqueles bolsões que
retinham as águas. Isso cria situações trágicas para a capital", afirmou o
prefeito.
O próprio Prestes Maia define perfeitamente a relação
dos paulistanos com os rios da cidade. "É o próprio homem que provoca e
que age contra o rio, é o homem que lhe faz violência, que lhe estreita o leito
e retira os reservatórios que ele naturalmente fizera", disse ele aos
vereadores da CPI. "Estamos a dançar o minueto: dois passos para frente e
dois passos para trás", disse Prestes Maia. Fonte: Estadão
- 07 de fevereiro de 2011
Marcadores: alagamento, enchente, inundação
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