Fator Humano: Emergência
O alarme se ativa, mas ninguém faz nada: por que até os
melhores sistemas de proteção da vida precisam ser parte de um plano de
resposta que leve em conta o comportamento humano.
Faz alguns anos estava num aeroporto importante dos Estados
Unidos quando um alarme de incêndio se ativou. Eu tinha passado pela segurança
e avançava num conector (área de espera) entre terminais quando o alarme tocou
– uma série de bips, seguidos de uma mensagem de voz gravada que anunciava, “HÁ
UMA EMERGÊNCIA DE INCÊNDIO NO EDIFÍCIO POR FAVOR, DIRIJAM-SE A SAÍDA MAIS
PRÓXIMA.” Minha primeira reação foi parar, escutar o aviso gravado e procurar
uma saída, embora admita ter buscado uma saída que não implicasse passar de
novo pela segurança, no caso de ser um falso alarme. Não vi uma saída
imediatamente, então avancei até o terminal mais próximo e comecei a procurar
uma porta de saída.
Como era de esperar, aparentemente eu era o único fazendo
isso. Encontrei uma porta de saída de emergência, mas antes de me dirigir para
lá (tentando decidir se queria arriscar algumas interações interessantes com a
segurança do aeroporto se eu passasse por ela), notei que no terminal os strobos
(lâmpada que fica piscando bastante rápida ) e os alto-falantes não estavam
ativados. Meu treinamento como profissional da segurança começou a surtir
efeito e algumas coisas ficaram logo óbvias. O terminal não estava separado do conector
(área de espera)por uma barreira contra incêndio. O terminal pertencia a uma
zona diferente do sistema de notificação. Não havia mensagens de alerta nas
zonas adjacentes. E as pessoas que trabalhavam na área, incluindo os empregados
das linhas aéreas, os contratados e a segurança, não pareciam responder ao
alarme.
AUSÊNCIA DE PREOCUPAÇÃO
Nesse momento a curiosidade ganhou. Esperei no terminal (com
uma saída na porta de embarque atrás de mim), perto do conector (área de
espera) onde podia ver e ouvir o alarme, e fiquei observando. Algumas pessoas
olharam para os strobos, mas, além disso, ninguém parecia ter um comportamento
fora do normal. Isso ocorria tanto com o público como com os empregados do
aeroporto. Muitas pessoas ainda passavam pela área do conector (área de espera)onde
os alarmes estavam ativados, parando apenas para consultar os painéis de vôos.
Mesmo os carregadores que levavam os passageiros em cadeiras de rodas
continuavam a circular. Isso continuou por 10 ou 15 minutos, até que os alarmes
pararam sem nenhum aviso.
Essa reação, ou sua ausência, era preocupante, não tanto em
relação ao público, cuja falta de reação era de esperar, mas pela forma como
evidenciava o comportamento do pessoal do aeroporto. Sempre otimista, pensei
que o os empregados do aeroporto tinham esse comportamento porque tinham
informação sobre a causa de ativação do alarme que o público não tinha. Ficava
ainda um pouco de tempo antes de meu vôo – uma demora de uma hora que poderia
chegar até duas horas – então decidi fazer algumas perguntas.
A primeira parada foi no balcão de informação situado no
meio do conector (área de espera)onde os alarmes se tinham ativado. O
encarregado desconsiderou logo o evento como sendo um falso alarme. Quando
perguntei como sabia que era falso, ele já tinha a resposta. “Isso acontece às
vezes, e ninguém faz nada,” ele me disse. Perguntei como poderia saber se havia
um incêndio real e ele respondeu, “suponho que receberia uma chamada...”
FALSOS ALARMES
A próxima parada foi na minha porta de embarque. Decidi
verificar com a encarregada da porta se ela tinha ouvido algo sobre a origem do
alarme. Ela disse que não, mas mencionou que eles tinham falsos alarmes varias
vezes por semana, incluindo uma aproximadamente às seis da manhã no mesmo dia.
Perguntei especificamente acerca dos carregadores, para ver se tinham recebido
alguma informação sobre a natureza do alarme antes de empurrar pessoas com
mobilidade reduzida através da área do “incêndio”. Ela me disse que os alarmes
eram tão freqüentes que os carregadores os ignoravam a não ser que recebessem
uma chamada de radio para dizer que era uma emergência real.
Eu pensei logo em duas perguntas mais:
■ se os empregados não respondem a um alarme sem uma
notificação manual por outros meios, qual é o propósito do sistema de notificação?
■ E quem ligaria pelo telefone ou pelo radio para todos os
empregados? Eu não fiz as perguntas.
NÃO É UMA OCORRÊNCIA ISOLADA
Imagino que a maioria dos leitores teve pelo menos uma
experiência similar com um alarme de incêndio num local público. Durante os
anos que seguiram esse evento, passei pela mesma situação em dois aeroportos
importantes dos Estados Unidos. Em ambos os casos, as respostas do público e
dos empregados foram idênticas e os comentários do pessoal do aeroporto foram
similares. Em outra ocasião, estava num restaurante com membros de um comitê
técnico da NFPA quando um alarme se ativou. Fomos os únicos a abandonar a mesa
e enquanto esperávamos fora víamos as pessoas que continuavam a entrar no
edifício quando os veículos dos bombeiros estavam chegando.
DEFICIÊNCIA DOS PLANOS DE RESPOSTA DE EMERGÊNCIA
Felizmente, todas essas experiências foram relativamente
benignas. A preocupação é que elas demonstram uma fraqueza dos planos de
resposta de emergência, problemas que poderiam ter efeitos devastadores. Os
empregados têm tarefas de manutenção, mas se eles não respondem a uma
emergência ou respondem de forma inadequada, o plano de resposta fracassa.
Um exemplo trágico desse tipo de situação foi o incêndio
ocorrido no supermercado YcuaBolanos no Paraguay em 2004. esse incidente, um
incêndio iniciado acima da praça de alimentação do supermercado se propagou
rapidamente por todas as instalações. As deficiências das características
construtivas do supermercado e da capacidade das saídas limitaram a
possibilidade de saída dos clientes, deixando aproximadamente 400 mortos e 360
feridos. Além de haver vários aspetos nas instalações que não estavam em
conformidade com os códigos, as ações do pessoal de segurança que tinha fechado
as portas para prevenir os furtos aumentaram provavelmente o número de mortes
dificultando ainda mais a saída.
ALARMES DE INCÊNDIO E OS SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO DE
EMERGÊNCIA COMO SISTEMAS ESSENCIAIS PARA A SEGURANÇA HUMANA
Contamos com os alarmes de incêndio e os sistemas de
comunicação de emergência como sistemas essenciais para a segurança humana em locais
de reunião de público, mas quão efetivos são? Sem um plano de resposta bem
executado que leve em conta o comportamento humano, até a melhor solução
tecnológica vai falhar.
O que você faria se ouvisse um alarme de incêndio? A
resposta depende do lugar onde se encontre? Muitos lugares de trabalho
organizam exercícios regulares para garantir que os empregados saibam como
responder a um alarme de incêndio. Em casa, você deveria ter um plano de escape
preparado e estar pronto para responder quando o alarme de fumaça se ativa.
Mas o que acontece num espaço público? Sua resposta será
diferente? Deveria ser diferente? A necessidade de validação é um rasgo de
comportamento reconhecido. A maioria das pessoas, quando se depara com um
indicador de situação anormal como um sinal de alarme, busca uma confirmação
para validar a percepção inicial antes de agir. Num aeroporto ou numa loja
varejista, as pessoas procurariam provavelmente uma validação por parte de um
empregado ou de um agente da segurança, assumindo que eles têm informação
adicional disponível. A inibição social diminui a probabilidade que uma pessoa
responda à indicação inicial; numa multidão, poucos querem tomar a iniciativa.
Para orientações sobre como levar em conta esses fatores no
planejamento de emergência, os gerentes das instalações e os profissionais da
segurança podem consultar a Seção 4.8 do NFPA 101®, Código de Proteção da Vida,
que descreve os elementos de um plano de ação de emergência, incluindo os
procedimentos para notificações de emergência e resposta dos ocupantes e do
pessoal às emergências. Os efeitos sociais e de comportamento subjacentes são
descritos em detalhe no Manual de Engenharia de Proteção contra Incêndios,
publicado pela Sociedade de Engenheiros de Proteção Contra Incêndios.
A resposta do público a esses incidentes era esperar,
considerando que os empregados não ofereceram nenhuma validação. Infelizmente,
a resposta dos empregados era também compreensível dada a freqüência dos falsos
alarmes e a necessidade de evitar os transtornos nas operações dos aeroportos.
Quando as pessoas estão expostas a falsos alarmes freqüentes, elas se acostumam
a ignorá-los.
A lição subjacente aqui para os projetistas de sistemas de
proteção da vida e gerentes das instalações é reconhecer as respostas inscritas
no comportamento normal e tentar acomodá-las no projeto dos sistemas de
segurança.
Os elementos essenciais a considerar incluem:
■ Os falsos alarmes fortalecem os comportamentos errados. A
maioria das pessoas tem mais experiência com os falsos alarmes que com as
verdadeiras emergências, então a hipótese é que cada alarme é falso a não ser
que se prove o contrário. Isso promove a inação contra a ação, a não ser que
haja outro sistema de gerenciamento que promova a ação.
■ Sempre que possível, os testes e a manutenção dos alarmes
de incêndio em instalações públicas deveriam ser planejados para evitar a
geração de alarmes para o público. Quando for necessário ativar os alarmes em
situações que não são de emergência, a ativação deveria ser acompanhada de uma
notificação clara antes do alarme e de um “all clear” depois.
■ A tecnologia mais moderna e melhor não é suficiente por si
só. As soluções de detecção aplicadas de forma adequada podem ser usadas para
reduzir a freqüência dos falsos alarmes e as abordagens especializadas de
notificação incluindo seqüências de alarmes positivos podem reduzir ainda mais
as notificações acidentais ao público. Contudo, esses sistemas somente serão
efetivos se forem executados no âmbito de um plano de resposta de emergência
que leve em conta o comportamento humano.
■ Os empregados são essenciais para influenciar o
comportamento do público.
O público tem tendência a procurar a validação de sinais
ambíguos e até não tão ambíguos. Se os empregados não responderem de forma
adequada, o público provavelmente fará o mesmo. Os empregados, incluindo
contratados e inquilinos, devem ter papeis definidos claramente e o gerente das
instalações deve responsabilizá-los no desempenho de seus papeis.
OS INCÊNDIOS NÃO SÃO AS ÚNICAS EMERGÊNCIAS.
As áreas de reunião de público devem considerar uma
variedade de ameaças, incluindo atiradores ativos, ameaças de bomba e condições
climáticas extremas, entre outras. A resposta desejada, tanto dos empregados
como do público, pode ser diferente para cada emergência. Uma maior consciência
em relação aos tiroteios em massa obrigou a evacuar vários terminais no
Aeroporto Internacional de Los Angeles em agosto 2016 e a estação de New York
Penn em abril 2017 devido aos fortes estrondos que foram percebidos como disparos.
Algumas instalações, incluindo os aeroportos, têm preocupações de segurança e
operacionais – incluindo a busca de armas, o controle da admissão, a prevenção
dos furtos nas lojas e outros – isso pode criar importantes desafios logísticos
durante uma evacuação. Os empregados e socorristas deveriam ser treinados para
responder de forma adequada em cada situação.
Até o melhor sistema de segurança vai fracassar se as
pessoas tiverem sido condicionadas para responder de forma inadequada ou para
não responder. Considerando o comportamento humano no projeto dos sistemas de
segurança, podemos ajudar a garantir que os sistemas de alarme de incêndio e de
comunicações de emergência não sejam meras caixas na parede que não oferecem
nada senão um falso sentimento de segurança. Fonte: Journal Latinoamericano – Janeiro
30, 2018 - Thomas Scherpa é consultor de segurança contra incêndio na DuPont em
Sullivan, New Hampsihire.
Marcadores: gerenciamento de riscos, incêndio, segurança
