Zona de Risco

Acidentes, Desastres, Riscos, Ciência e Tecnologia

quinta-feira, abril 11, 2019

Lembrança:Em 1966, enxurrada matou 200 pessoas no Rio de Janeiro

Rio entrou em colapso com mais de mil desabamentos: bombeiros e hospitais não conseguiram dar conta da demanda. Na Praça da Bandeira, carros flutuaram nas águas

A enxurrada de 10 de janeiro de 1966, foi "o maior temporal de todos os tempos", matou cerca de 200 pessoas, provocou mais de mil desabamentos em vários bairros e deixou mais de 30 mil desalojados. A cidade ficou em estado de calamidade pública. As chuvas torrenciais pararam o Rio e levaram ao colapso os sistemas de atendimento à população. Sem poder dar conta de todos os chamados, o Corpo de Bombeiros pedia que as pessoas ligassem para a corporação apenas nos casos mais graves. Com ambulâncias danificadas pela chuva, muitos hospitais não conseguiam socorrer os feridos, que chegavam em caminhões ou no colo das pessoas.

Canais como o do Mangue e rios transbordaram, alagando ruas e avenidas. Em alguns lugares, a água chegou a um metro de altura. A Praça da Bandeira ficou completamente inundada e o Túnel Santa Bárbara, intransitável. O sistema de transporte também entrou em colapso. Trens e ônibus pararam de circular. Os táxis sumiram das ruas. Houve alagamentos em várias partes da cidade. Devido à queda de barreiras, as principais rodovias de acesso ao Rio foram interditadas, deixando a cidade praticamente isolada.

A cidade ainda não havia se recuperado do trauma de janeiro de 1966 quando, em 18 de fevereiro de 1967, sofreu um outro temporal arrasador. As chuvas causaram a morte de 116 pessoas. O caso mais grave aconteceu em Laranjeiras. Uma pedra rolou da encosta e provocou o desabamento de três prédios na Rua General Glicério.

Nas últimas décadas, outros dois temporais traumatizaram os cariocas: o de 1988 e o 1996. Em 19 de fevereiro de 1988, uma chuva torrencial parou a cidade e provocou 273 mortes no estado, sendo 78 no município do Rio. O caso mais grave aconteceu em Santa Teresa, onde toneladas de pedra e terra rolaram sobre a Clínica Santa Genoveva, soterrando cerca de 40 pessoas, entre pacientes e funcionários. As principais vias da cidade ficaram alagadas e os engarrafamentos se estenderam madrugada a dentro. Na Avenida Radial Oeste, no Maracanã, a força das águas arrastou dezenas de carros. Houve desabamentos no Rio e na Região Serrana.
Outro violento temporal atingiu a cidade em 13 de fevereiro de 1996, matando 53 pessoas e deixando cerca de 2.000 desabrigadas. As regiões mais atingidas foram Jacarepaguá e Barra da Tijuca. Fonte: O Globo - Publicado: 09/07/13 

Comentário:
Os temporais acompanham o cotidiano carioca desde que a cidade nasceu.
Até o século XIX, o Rio de Janeiro teve um crescimento demográfico lento. Era uma cidade pequena, em comparação com a enorme malha urbana que vemos hoje. Na verdade, na metade do século passado a cidade começava na Praça XV e acabava na Praça da República. E essa era, portanto, a área afetada pelos temporais.

A posição estratégica do Rio de Janeiro, na entrada da Baía de Guanabara foi fundamental na decisão portuguesa de fundar a cidade e de aqui manter o seu posto avançado de controle colonial. Mas o sítio sempre foi problemático, pela quebra abrupta de gradiente entre a encosta e a baixada situada ao nível do mar, e pela grande quantidade de brejos, pântanos e lagoas.

Por isso, a conquista propriamente dita foi um processo longo e penoso. O espaço da cidade do Rio de Janeiro teve que ser conquistado pelo homem através de dessecamentos e aterros, durante mais de 300 anos, até o século XIX.

Para termos uma noção mais precisa do que era esta terra primitiva, devemos lembrar que a cidade originalmente estendia-se entre o morro de São Bento, o antigo morro do Castelo – onde está hoje a esplanada do Castelo –, o morro de Santo Antonio e o morro da Conceição.

Em volta, quase que só havia água. Para dar um exemplo, basta lembrar que toda a área da Lapa, onde está hoje o Hospital da Cruz Vermelha, era um grande pântano –o Pantanal de Pedro Dias. Havia também diversas lagoas no que é hoje a área central.

Com que foram feitos os aterros? Com entulho e lixo, os grandes formadores do solo carioca. Foram os dejetos da própria cidade os viabilizadores de sua expansão sobre o brejo, sobre as lagoas e sobre o mar.

Além, é claro, da construção de inúmeras valas, que contribuíram para o enxugamento do solo e que, até o final do século XIX, seriam praticamente a única rede de drenagem urbana do Rio de Janeiro.

A cidade vai ocupar então áreas mal aterradas e mal niveladas, e não é de surpreender que, depois, sejam justamente essas as áreas mais afetadas pelas inundações.

O mais antigo registro histórico sobre grandes inundações no Rio de Janeiro é de setembro de 1711. Um registro de abril de 1756 indica que choveu durante três dias ininterruptos. O temor e o susto se apoderaram de tal modo do ânimo dos habitantes, que já na primeira noite muita gente abandonou as casas e se refugiou nas igrejas. As águas cresceram de tal maneira que inundaram a Rua dos Ourives, atual rua Miguel Couto, e entraram pelas casas adentro, por não
caberem pelas valas. Todo o campo parecia um lagamar.

“AS ÁGUAS DO MONTE”
Mas a grande inundação no passado do Rio de Janeiro foi a que ficou conhecida como “as águas do monte”, acontecida quando o príncipe regente já estava na cidade, em fevereiro de 1811. Foram sete dias ininterruptos de chuva, que causaram grandes prejuízos materiais e de vidas humanas. O príncipe regente ordenou então a elaboração de um relatório. Seria o primeiro
de uma longa série que, no futuro, se seguiria a cada grande temporal. Datado de 4 de julho de 1811, o trabalho assinado pelo tenente-general e engenheiro dos reais exércitos João Manoel da Silva explicava a D. João VI as causas das “águas do monte” (infelizmente, o original desse relatório se perdeu, mas ele foi publicado em 1894 no Jornal do Commercio). As conclusões do tenente-general não são diferentes das de hoje.

A topografia da cidade, dizia ele em seu relatório, apresenta mudanças abruptas de gradiente – de encostas íngremes para terrenos planos ao nível do mar, o que contribui para o escorrimento
rápido das águas pelas vertentes e para o seu represamento igualmente rápido na baixada. A vala mestra do sistema de drenagem (que ficava no eixo da atual rua Uruguaiana, então chamada Rua da Vala) está praticamente ao nível do mar e não dá vazão às águas que para aí se dirigem; além do mais – prosseguia o relatório – está sempre coberta de imundícies, porque a população
joga tudo nas valas.

Apesar das recomendações contidas no relatório de 1811, nada foi feito durante os 40 anos seguintes.  Os problemas políticos e econômicos da Regência e do Primeiro Reinado avolumaram-se e deixaram em segundo plano as enchentes na cidade. Quem faz pesquisa histórica nos arquivos encontra com freqüência abaixo-assinados e petições de moradores reclamando soluções para o problema das inundações nesta ou naquela área.

A segunda metade do século XIX torna-se-ia um período fundamental na história da relação do sítio urbano com os temporais, porque de um lado temos a grande expansão da malha urbana – através da introdução dos sistemas de transporte coletivo por carros ou por trens – e, de outro, uma enorme migração para a cidade, que vai levar ao crescimento acelerado da população urbana.

Mas, no século XX, a situação vai se agravar bastante, devido à enorme expansão da malha urbana em direção à periferia. No início do século, o crescimento demográfico acelerado não foi acompanhado pela desconcentração do emprego. Isso significava um alto custo de moradia para as populações pobres, que se amontoavam em cortiços instalados no centro da cidade. Com o combate aos cortiços no final do século XIX, mais a remodelação da cidade comandada pelo prefeito Pereira Passos na virada do século, começou então o processo de favelização da cidade.

É importante notar que até o século XIX, a encosta não era valorizada; nela quase não havia construções, porque a encosta oferece problemas de engenharia civil muito importantes e porque havia outras áreas para ocupar. É só no final do século XIX, com a crescente ocupação de Santa Teresa e, principalmente no século XX, que as encostas vão passar a ser importantes áreas de concentração populacional.

AGRAVAMENTO SUBSTANCIAL DAS INUNDAÇÕES URBANAS.
■Altas densidades demográficas em certos bairros;
■Verticalização; aumento considerável da pavimentação, que impermeabiliza o solo;
■Crescimento descontrolado das favelas, levando a uma nova fase de destruição da cobertura vegetal dos morros;
■Retificação e canalização ineficiente de rios urbanos, o que aumenta a rapidez do fluxo das águas;
■E pouco ou nenhum investimento na melhoria da drenagem urbana levaram, então, ao agravamento substancial das inundações urbanas.

Como vimos, o problema das inundações no Rio de Janeiro é antigo. E, pelo visto, as soluções também. A vontade política é o que parece ser, na realidade, a grande chave. Quando ela existiu, como aconteceu no passado para o combate às epidemias, os resultados vieram.

Estamos novamente num momento como esse. A relação entre o sítio  e os temporais na cidade parece bem clara. A engenharia oferece os recursos técnicos. De um lado, está o problema, com suas causas naturais e sociais; de outro, as soluções – que podem ser encontradas e aplicadas. Basta que exista vontade política.

Fonte: A Cidade e os Temporais: uma relação antiga, Maurício de Almeida Abreu Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.  Tormentas Cariocas, Seminário Prevenção e Controle dos Efeitos dos Temporais no Rio de Janeiro, 1997

Marcadores: , , ,

posted by ACCA@4:19 PM