Sinistros de Grandes Proporções em Armazéns de Produtos Químicos
A rapidez do desenvolvimento da tecnologia e da economia
traduz-se em enormes quantidades de matérias primas, de produtos semi-acabados
e acabados e também em combustíveis líquidos e gasosos que são necessários a
sua armazenagem e manipulação.
Enquanto a população mundial duplicou desde 1950, atingindo
hoje 5 bilhões de habitantes, a produção ( a armazenagem e a distribuição) de
bens foi multiplicada de seis para oito. É por esta razão que a capacidade de
produção das fábricas de amoníaco na Alemanha passou de 50 t por dia em 1950
para 1.500 t em 1970; e a capacidade das instalações de produção de etileno,
foi multiplicada por quarenta durante o mesmo período, atingindo 600.000 t por
ano.
Paralelamente o potencial de riscos cresceu devido às
grandes densidades de energia, às elevadas concentrações de substâncias, mas
também devido às mudanças no ambiente. Não se trata apenas aqui do risco de
acidentes.
Na verdade, é preciso, hoje em dia, ter em consideração, no
âmbito do "processo de fabricação ou de exploração", as repercussões
de fabricação dos produtos, dos resíduos, das emissões de poluentes e de
ruídos, etc., no ar, na água, no solo e nos organismos, incluindo o do homem,
que neles se encontram.
O
controle de riscos concentrou-se durante muito tempo sobre os processos
dinâmicos da produção, pois é neste domínio que é preciso controlar as mais
fortes densidades de energia e as principais energias de ativação. A
armazenagem, a distribuição e o transporte, bem como os pontos de ligação entre
estes setores, eram relegados para segundo plano.
Se
bem que os fatores dinâmicos de produção sejam praticamente inexistentes, que a
composição dos produtos seja geralmente conhecida e o grau de automatização
elevado, os riscos de armazenagem não podem ser subestimados por mais tempo.
Os
exemplos de sinistros de grandes proporções nos armazéns de depósito de
produtos químicos que apresentaremos demonstram claramente.
NANTES
- FRANÇA
No
dia 29 de outubro de 1987, às 9h 36min os bombeiros de Nantes receberam uma
chamada de alarme. Sete minutos depois as primeiras equipes de intervenção
chegaram ao local do incêndio. Devido a um curto-circuito, os adubos
depositados num dos oito compartimentos do armazém construído em 1973 (100 m de
comprimento por 35 m de largura e 9 m de altura), construção metálica e
cobertura em fibrocimento e betão (placa betuminosa) pegaram fogo.
As
primeiras tentativas de extinção com o auxílio de extintores portáteis foram
infrutíferas, devido ao tipo de combustão (reação endotérmica da substância).
As
emanações de fumo aumentaram de tal maneira que, passados apenas alguns
minutos, os bombeiros só puderam
aproximar-se do foco de incêndio com máscaras de oxigênio. Chegaram
reforços em menos de uma hora e a defesa civil (meio ambiente, polícia) começou
a trabalhar.
A
natureza e quantidade das substâncias armazenadas obrigaram os responsáveis
pela intervenção a limitar-se, numa primeira fase, a circunscrever o incêndio e
a proteger os outros compartimentos. Os especialistas alertaram contra a nuvem
de fumo tóxico, enquanto testemunhas presentes relataram que os pássaros caíam
por terra ao tentarem atravessar a nuvem de gás formada pelo fumo.
A
composição dos gases do fumo não estava claramente determinada; não foi
possível proceder à coleta de amostras ou a medições por não se dispor de
equipamentos adequados.
Além
disso, não podendo afastar-se a hipótese de um risco de explosão, foi
solicitado à população, num raio de 1 km, através de alto-falante e pelo rádio,
que permanecesse em casa com as portas e janelas fechadas.
Cerca
de duas horas depois do incêndio a nuvem de gás do fumo estendia-se numa área
de 10 km de comprimento e 3 km de largura. A nuvem de gás permaneceu reduzida
dado que as turbulências térmicas causadas pelo fogo e pelo vento não eram
muito fortes.
O fumo
cor de laranja era mais espesso em volta do armazém, a tal ponto que a
visibilidade no solo ficou reduzida a zero e as equipes de intervenção
(bombeiros e defesa civil) tiveram se retirar. A intensa coloração da nuvem foi
atribuída a vapores de nitrato de potássio (óxidos nítricos).
Ao
procederem-se a medições no decurso do dia registraram-se valores de 3 ppm de
cloro e 50 ppm de ácido nítrico (valores máximos de concentração de NOX
tolerados num local de trabalho é de 5 ppm).
Num
raio de 10 km os habitantes queixavam-se de mau cheiro, ardência nos olhos e
dores de garganta. Como se imaginava que era impossível extinguir o incêndio em
tempo razoável foi decidido proceder à evacuação da população.
Foram
colocados à disposição veículos públicos e particulares como meio de transporte
e até às 18h foram evacuadas 35.000 pessoas. Foi impossível determinar o número
de pessoas que fugiram do local pelos próprios meios. A evacuação durou cerca
de quatro horas, incluindo às duas horas de preparativos. A população pode
regressar a casa a partir das 22h .
Os
gases de fumo tóxico devido à combustão incompleta, bem como a evacuação da
população são os aspectos mais importantes desta ocorrência. Quando da
combustão de matérias orgânicas, como a madeira, a lã ou os produtos químicos,
formam-se gases de combustão, que atuam essencialmente como tóxicos nas vias
respiratórias.
A
combustão é tanto mais completa, isto é, menos emissões de gases tóxicos,
quanto mais elevada é a temperatura de reação, maior o excesso de oxigênio e
mais longo o tempo de reação. Os principais componentes dos gases de combustão
são sempre o dióxido de carbono (CO2) e o vapor de água (H2O).
Se os
gases de combustão contêm monóxido de carbono (CO) e hidrocarbonetos (HXCX)
é sinal de que a combustão não foi completa, como é o caso, por exemplo, quando
um incêndio é extinto com água.
Quando,
substâncias contendo enxofre, cloro ou nitrato ardem, forma-se independemente
dos parâmetros acima citados, dióxido sulfúrico (SO2), gases clorídricos (HCL),
óxidos nítricos (NOx) e embora os gases de combustão se elevem e se espalhem em
geral rapidamente por cima do foco de incêndio, devido à elevação térmica,
poderá vir a ser necessário evacuar a população se as condições são
desfavoráveis, como é o caso, se as condições atmosféricas são estáveis e o
fogo se mantém oculto durante muito tempo ou quando não se procedeu a análise
física de emissões de gases.
Por
razões logísticas estas medidas devem ser tomadas muito cedo nas regiões com
grande densidade populacional. Em casos extremos podem levantar-se problemas
pelo fato da permanência em locais fechados, representar eventualmente um risco
menor do que uma evacuação.
SCHWEIZERHALLE
- SUIÇA
No
dia 1 de novembro de 1986, pouco depois da meia noite, um empregado notou que
saía chamas do telhado de um armazém, fato que foi detectado quase ao mesmo por
uma viatura policial.
Alguns
minutos mais tarde as brigadas de incêndio das empresas Sandoz e Ciba Geigy,
bem como os bombeiros de Muttenz estavam no local. No combate ao fogo acabaram
por atuar 160 bombeiros. Todos os meios, até um barco-bomba foram postos ao
serviço para extinguir o incêndio e proteger os edifícios vizinhos.
Pouco
depois das 5 h da madrugada, o fogo estava extinto, os bombeiros deixaram o local
de incêndio, já que agora era apenas o rescaldo. Segundo a perícia policial, a
causa mais provável foi à utilização de equipamento de soldagem para reparar
uma chapa de um container, que estava carregado de azul da Prússia
(hexacianoferrato).
Quando
procediam ao reparo, a chama do maçarico incendiou o azul da Prússia. Esta
substância consome-se durante horas sem produzir chama, sem emitir fumo ou
cheiro de queimado, de tal modo que o fogo latente passa despercebido. Os
prejuízos materiais foram enormes. Pelo contrário, os danos corporais foram
reduzidos.
Durante
a última fase das operações de extinção formaram-se compostos de enxofre devido
à combustão incompleta, o que alarmou a população pelo mau cheiro que emanava à
grande distância, embora as concentrações fossem já muito fracas e, portanto
não constituía perigo a saúde.
Análises
de sangue efetuadas em mais de 400 pessoas deram, felizmente resultados
negativos, quanto a uma contaminação de éster fosfórico, mercúrio ou outros
agentes tóxicos. Depois deste incêndio, dois aspectos constituíram o alvo das discussões;
primeiro, a contaminação da água de extinção e sua infiltração no solo, o
escoamento da água de extinção contaminada na rede pública (galeria de água
pluvial e na rede de esgoto); segundo o problema de saber se deveria deixar
arder ou pelo contrário extinguir o incêndio.
Foram
utilizados 1.500 m3 de água no combate contra o incêndio, foram despejadas
grandes quantidades de inseticida no rio Reno pela rede de canais que atingiram
o rio numa distância superior a 250 km. O sinal mais evidente desta catástrofe
ecológica foi a água ter adquirida uma coloração vermelha e os peixes terem
morridos.
Parte
da água utilizada para a extinção continha várias toneladas de inseticidas e
cerca de 100 kg de mercúrio infiltraram-se no solo e contaminaram mais de
25.000 m3 de terra, atingindo até 15 m de profundidade como demonstraram as sondagens efetuadas numa área de 10.000
m2.
O
local do incêndio foi coberto por asfalto para evitar que a água da chuva se
infiltrasse na terra contaminada e assim atingisse o lençol freático, levando
os produtos tóxicos mais longe ainda. A operação de descontaminação do solo foi
realizada e que resultou numa despesa superior a 23 milhões de dólares.
SAINT-BAISLE
- LE GRAND - CANADÁ
No
dia 23 de agosto de 1988, data do sinistro, provocado por fogo intencional,
85.000 litros de PCB (policloreto de bifenila) encontravam se em barris de 170
l, armazenados na empresa SORTEC. A formação de dioxinas extremamente tóxicas
que é uma característica da combustão de PCB levou os responsáveis pela evacuação imediata
de 3.800 habitantes num raio de 14 km2.
O
incêndio estava extinto três horas
depois. Devido aos esforços para controlar o incêndio, menos de 10% dos
barris explodiram e o seu conteúdo ardeu em chamas. De acordo com as análises
realizadas, em pessoas, no ar, no solo e na água subterrânea durante e depois
do acidente, concluiu-se que as amostras de ar recolhidas durante o incêndio, e
as amostras de água à superfície tirada posteriormente, continham PCB e
vestígios de dioxina.
A
água subterrânea, protegida por camada de argila não acusava qualquer
concentração perigosa, salvo na proximidade do local de incêndio. Três semanas
após o acidente, depois de proceder à limpeza de mais de 2.500 edifícios, os
habitantes voltaram a instalar-se em suas casas. Os trabalhos de remoção de
escombros e de recuperação efetuados com precauções foram muito árduos.
Os
resíduos tóxicos (1.500 t) introduzidos em barris foram transportados por barco
para Inglaterra onde os estivadores se recusaram a descarregá-los. O governo
canadense procura desde então outro local de armazenamento provisório.
Foi
no final do século passado que o PBC foi sintetizado pela primeira vez. A
estabilidade química, a resistência ao fogo, uma grande capacidade térmica e um
considerável isolamento elétrico fizeram com que os PCB's tivessem grande
sucesso no mercado entre 1929 a 1977.
As
primeiras informações provenientes dos Estados Unidos e do Canadá, segundo as
quais os PCB's eram nocivos ao homem e ao ambiente estiveram na origem de uma
campanha levada a cabo contra os PCB's. Foram criados depósitos de armazenagem,
embora não se conheça ainda qualquer método de evacuação. É assim que em 1979,
a SORTEC inc em Saint-Bsile-le-Grand, foi autorizada a armazenar, numa primeira
fase, 1000 galões, ou seja, cerca de 3.785 litros.
Esta
capacidade revelou-se rapidamente insuficiente e os poderes públicos
autorizaram, pela última vez em 1981, a SORTEC a armazenar 20.000 galões
(75.700 litros).
HISTÓRICO
DO PCB
O
único caso grave constatado pelos efeitos tóxicos do PCB's sobre o homem ficou
conhecido como efeito "Yusho". A contaminação ocorreu no Japão, em
1968, quando 1.000 pessoas ingeriram óleo de arroz contaminado pelo PCB's.
Os
principais problemas constatados foram;
1.Lesões
cutâneas numerosas (pigmentação marrom das unhas, lesões foliculares, aumento
da sudorese das mãos, placas vermelhas nos membros, prurido, pigmentação da
pele, etc.
2.Icterícia,
fraqueza, espasmos musculares nos membros, vômitos e diarréias.
3.Alguns
pacientes os sintomas persistiram por vários anos (três anos)
4.Crianças
nascidas de mães intoxicadas apresentavam insuficiência de peso e coloração
marrom da pele, evidenciando intoxicação transplacentária.
Efeitos
verificados em intoxicações crônicas de animais de experimentação ou não;
1.Interferência
no processo reprodutivo (ratos, galinhas, etc.).
2.Aparecimento
de tumores malignos no fígado de ratos
3.Aumento
de atividades biológicas de certas enzimas no fígado de ratos
4.Interferência
no sistema imunológico de coelhos
5.Distúrbios
neurológicos em ratos
6.Acumulação
em tecidos gordurosos, soro e leite.
7.Efeitos
teratogênicos (aberrações genéticas) em embriões de galinhas
SINISTROS:
LOCAL:
SAVANNAH - ESTADOS UNIDOS
Data : 10.04.95
Autoridades
norte-americanas determinaram a retirada de mais de dois mil moradores da
cidade de Savannah, afetada por emissões tóxicas provocadas por um incêndio num
armazém de produtos químicos. O fogo começou, quando explodiu um tanque com
1.600.000 l de aguarrás. Emissões de anidridos sulfúricos se estenderam pela
cidade e os bombeiros foram forçados a retirar os moradores.
LOCAL:
SANTOS - PORTO
Data:
16.04.95
Os
portuários de Santos levaram um susto ao detectar o vazamento de um produto
altamente tóxico, que escapou do container no armazém 43, da Cia Docas do
Estado de São Paulo. O produto é o peroxidicarbonato diciclohexilo, que veio do
porto de Hamburgo, na Alemanha, importado por uma indústria de tintas. A
substância vazou devido à temperatura elevada. A pressão foi tão grande que o
cofre (onde estava armazenado o produto) inchou. O pessoal da Guarda Portuária
chamou o Corpo de Bombeiros e os técnicos da Cetesb, que tomaram as
providências pata controlar o vazamento. O produto químico pode provocar
cegueira, irritação na pele e nas vias respiratórias.
OS
PRINCIPAIS PERIGOS
Sabemos
que o risco de deflagração destes incêndios não pode ser completamente
afastado, tanto mais que são com freqüência provocados intencionalmente. Há
erros, no entanto, que se cometem quando do combate ao incêndio; improvisações
devidas à falta de tempo, diligências inadequadas, informações deficientes.
Mas
os sinistros também estimulam a que se proceda a melhoramentos, o que pode
tornar então possível um controle global dos riscos.
Os
exemplos citados permitem determinar os principais perigos e o gerenciamento do
problema e bem como assim defini-los com a ajuda de algumas palavras chaves;
■ grave e considerável
ameaça para as pessoas, o que requer eventualmente uma evacuação permanente ou
provisória;
gerenciamento
problemático - palavras chaves;
Informação
das autoridades, do público, organização da evacuação, reclamações referentes à responsabilidade civil e custos.
■ atentados contra o
ambiente (contaminação, incêndio, envenenamento, etc) por exemplo;
abastecimento de água, criação de gado, vegetação;
Gerenciamento
problemático - palavras chaves;
Análises
físico-químicas dispendiosas, situação jurídica, indenização, condições de
seguro.
■ contaminação solo
(depósito de resíduos industriais nocivos, água de extinção, etc)
Gerenciamento
problemático - palavras chaves;
Processos
de saneamento em fase de experimentação ou de difícil aplicação, eliminação de
resíduos, da água utilizada para a extinção e da terra contaminada, pouca
instalação de recuperação e de eliminação, custos elevados ( 435 dólares a
4.350 dólares por tonelada).
■ controle de catástrofes
Gerenciamento
problemático - palavras chaves;
Inúmeras
incertezas para a empresa, para as autoridades, apreciação do risco, cenários
de sinistro, plano de catástrofe, exercícios de intervenção.
■ atentado contra a
imagem da empresa (poluição, envenenamento, extorsão, etc)
Gerenciamento
problemático - palavras chaves;
Informação
da mídia, vandalismo, indenização, extorsão
■ falta de regulamentação
ou inadequada, dificuldade de execução pelas autoridades
Gerenciamento
problemático - palavras chaves;
Adequação
das medidas, fatores custo/rendimento, cenário de catástrofes, serviços
públicos sobrecarregados
■ erro humano ou vandalismo
Gerenciamento
problemático - palavras chaves;
Medidas
de prevenção e/ou de combate, informação adequada
Os
principais perigos apontados relacionam-se com acidentes súbitos que ameaçam o
homem e o ambiente através de substâncias tóxicas.
É necessário,
no futuro, dar mais atenção à prevenção das catástrofes, pois os efeitos a
longo prazo, inerentes aos riscos químicos, provocados pelos incêndios, não são
invencíveis. A segurança não é conceito imutável, devendo ser entendido como
uma missão em permanente evolução.
Para
além da proteção contra os acidentes, engloba ainda melhor gestão dos riscos no
que diz respeito à ameaça latente que representam os fluxos contínuos de
poluentes, quanto ao tipo de processo de fabricação. Fonte: "Sinistros de
Grandes Proporções em Armazéns de Produtos Químicos", da revista
"Segurança",Portugal.
Marcadores: incêndio, Meio Ambiente, produtos quimicos, vazamento
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