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terça-feira, agosto 22, 2017

Sinistros de Grandes Proporções em Armazéns de Produtos Químicos

A rapidez do desenvolvimento da tecnologia e da economia traduz-se em enormes quantidades de matérias primas, de produtos semi-acabados e acabados e também em combustíveis líquidos e gasosos que são necessários a sua armazenagem e manipulação.
Enquanto a população mundial duplicou desde 1950, atingindo hoje 5 bilhões de habitantes, a produção ( a armazenagem e a distribuição) de bens foi multiplicada de seis para oito. É por esta razão que a capacidade de produção das fábricas de amoníaco na Alemanha passou de 50 t por dia em 1950 para 1.500 t em 1970; e a capacidade das instalações de produção de etileno, foi multiplicada por quarenta durante o mesmo período, atingindo 600.000 t por ano.

Paralelamente o potencial de riscos cresceu devido às grandes densidades de energia, às elevadas concentrações de substâncias, mas também devido às mudanças no ambiente. Não se trata apenas aqui do risco de acidentes.
Na verdade, é preciso, hoje em dia, ter em consideração, no âmbito do "processo de fabricação ou de exploração", as repercussões de fabricação dos produtos, dos resíduos, das emissões de poluentes e de ruídos, etc., no ar, na água, no solo e nos organismos, incluindo o do homem, que neles se encontram.

O controle de riscos concentrou-se durante muito tempo sobre os processos dinâmicos da produção, pois é neste domínio que é preciso controlar as mais fortes densidades de energia e as principais energias de ativação. A armazenagem, a distribuição e o transporte, bem como os pontos de ligação entre estes setores, eram relegados para segundo plano.
Se bem que os fatores dinâmicos de produção sejam praticamente inexistentes, que a composição dos produtos seja geralmente conhecida e o grau de automatização elevado, os riscos de armazenagem não podem ser subestimados por mais tempo.
Os exemplos de sinistros de grandes proporções nos armazéns de depósito de produtos químicos que apresentaremos demonstram claramente.

NANTES - FRANÇA
No dia 29 de outubro de 1987, às 9h 36min os bombeiros de Nantes receberam uma chamada de alarme. Sete minutos depois as primeiras equipes de intervenção chegaram ao local do incêndio. Devido a um curto-circuito, os adubos depositados num dos oito compartimentos do armazém construído em 1973 (100 m de comprimento por 35 m de largura e 9 m de altura), construção metálica e cobertura em fibrocimento e betão (placa betuminosa) pegaram fogo.

As primeiras tentativas de extinção com o auxílio de extintores portáteis foram infrutíferas, devido ao tipo de combustão (reação endotérmica da substância).
As emanações de fumo aumentaram de tal maneira que, passados apenas alguns minutos, os bombeiros só puderam  aproximar-se do foco de incêndio com máscaras de oxigênio. Chegaram reforços em menos de uma hora e a defesa civil (meio ambiente, polícia) começou a trabalhar.

A natureza e quantidade das substâncias armazenadas obrigaram os responsáveis pela intervenção a limitar-se, numa primeira fase, a circunscrever o incêndio e a proteger os outros compartimentos. Os especialistas alertaram contra a nuvem de fumo tóxico, enquanto testemunhas presentes relataram que os pássaros caíam por terra ao tentarem atravessar a nuvem de gás formada pelo fumo.
A composição dos gases do fumo não estava claramente determinada; não foi possível proceder à coleta de amostras ou a medições por não se dispor de equipamentos adequados.

Além disso, não podendo afastar-se a hipótese de um risco de explosão, foi solicitado à população, num raio de 1 km, através de alto-falante e pelo rádio, que permanecesse em casa com as portas e janelas fechadas.

Cerca de duas horas depois do incêndio a nuvem de gás do fumo estendia-se numa área de 10 km de comprimento e 3 km de largura. A nuvem de gás permaneceu reduzida dado que as turbulências térmicas causadas pelo fogo e pelo vento não eram muito fortes.
O fumo cor de laranja era mais espesso em volta do armazém, a tal ponto que a visibilidade no solo ficou reduzida a zero e as equipes de intervenção (bombeiros e defesa civil) tiveram se retirar. A intensa coloração da nuvem foi atribuída a vapores de nitrato de potássio (óxidos nítricos).

Ao procederem-se a medições no decurso do dia registraram-se valores de 3 ppm de cloro e 50 ppm de ácido nítrico (valores máximos de concentração de NOX tolerados num local de trabalho é de 5 ppm).

Num raio de 10 km os habitantes queixavam-se de mau cheiro, ardência nos olhos e dores de garganta. Como se imaginava que era impossível extinguir o incêndio em tempo razoável foi decidido proceder à evacuação da população.
Foram colocados à disposição veículos públicos e particulares como meio de transporte e até às 18h foram evacuadas 35.000 pessoas. Foi impossível determinar o número de pessoas que fugiram do local pelos próprios meios. A evacuação durou cerca de quatro horas, incluindo às duas horas de preparativos. A população pode regressar a casa a partir das 22h .

Os gases de fumo tóxico devido à combustão incompleta, bem como a evacuação da população são os aspectos mais importantes desta ocorrência. Quando da combustão de matérias orgânicas, como a madeira, a lã ou os produtos químicos, formam-se gases de combustão, que atuam essencialmente como tóxicos nas vias respiratórias.
A combustão é tanto mais completa, isto é, menos emissões de gases tóxicos, quanto mais elevada é a temperatura de reação, maior o excesso de oxigênio e mais longo o tempo de reação. Os principais componentes dos gases de combustão são sempre o dióxido de carbono (CO2) e o vapor de água (H2O).

Se os gases de combustão contêm monóxido de carbono (CO) e hidrocarbonetos (HXCX) é sinal de que a combustão não foi completa, como é o caso, por exemplo, quando um incêndio é extinto com água.
Quando, substâncias contendo enxofre, cloro ou nitrato ardem, forma-se independemente dos parâmetros acima citados, dióxido sulfúrico (SO2), gases clorídricos (HCL), óxidos nítricos (NOx) e embora os gases de combustão se elevem e se espalhem em geral rapidamente por cima do foco de incêndio, devido à elevação térmica, poderá vir a ser necessário evacuar a população se as condições são desfavoráveis, como é o caso, se as condições atmosféricas são estáveis e o fogo se mantém oculto durante muito tempo ou quando não se procedeu a análise física de emissões de gases.

Por razões logísticas estas medidas devem ser tomadas muito cedo nas regiões com grande densidade populacional. Em casos extremos podem levantar-se problemas pelo fato da permanência em locais fechados, representar eventualmente um risco menor do que uma evacuação.

SCHWEIZERHALLE - SUIÇA
No dia 1 de novembro de 1986, pouco depois da meia noite, um empregado notou que saía chamas do telhado de um armazém, fato que foi detectado quase ao mesmo por uma viatura policial.

Alguns minutos mais tarde as brigadas de incêndio das empresas Sandoz e Ciba Geigy, bem como os bombeiros de Muttenz estavam no local. No combate ao fogo acabaram por atuar 160 bombeiros. Todos os meios, até um barco-bomba foram postos ao serviço para extinguir o incêndio e proteger os edifícios vizinhos.

Pouco depois das 5 h da madrugada, o fogo estava extinto, os bombeiros deixaram o local de incêndio, já que agora era apenas o rescaldo. Segundo a perícia policial, a causa mais provável foi à utilização de equipamento de soldagem para reparar uma chapa de um container, que estava carregado de azul da Prússia (hexacianoferrato).
Quando procediam ao reparo, a chama do maçarico incendiou o azul da Prússia. Esta substância consome-se durante horas sem produzir chama, sem emitir fumo ou cheiro de queimado, de tal modo que o fogo latente passa despercebido. Os prejuízos materiais foram enormes. Pelo contrário, os danos corporais foram reduzidos.

Durante a última fase das operações de extinção formaram-se compostos de enxofre devido à combustão incompleta, o que alarmou a população pelo mau cheiro que emanava à grande distância, embora as concentrações fossem já muito fracas e, portanto não constituía perigo a saúde.
Análises de sangue efetuadas em mais de 400 pessoas deram, felizmente resultados negativos, quanto a uma contaminação de éster fosfórico, mercúrio ou outros agentes tóxicos. Depois deste incêndio, dois aspectos constituíram o alvo das discussões; primeiro, a contaminação da água de extinção e sua infiltração no solo, o escoamento da água de extinção contaminada na rede pública (galeria de água pluvial e na rede de esgoto); segundo o problema de saber se deveria deixar arder ou pelo contrário extinguir o incêndio.

Foram utilizados 1.500 m3 de água no combate contra o incêndio, foram despejadas grandes quantidades de inseticida no rio Reno pela rede de canais que atingiram o rio numa distância superior a 250 km. O sinal mais evidente desta catástrofe ecológica foi a água ter adquirida uma coloração vermelha e os peixes terem morridos.
Parte da água utilizada para a extinção continha várias toneladas de inseticidas e cerca de 100 kg de mercúrio infiltraram-se no solo e contaminaram mais de 25.000 m3 de terra, atingindo até 15 m de profundidade como demonstraram  as sondagens efetuadas numa área de 10.000 m2.

O local do incêndio foi coberto por asfalto para evitar que a água da chuva se infiltrasse na terra contaminada e assim atingisse o lençol freático, levando os produtos tóxicos mais longe ainda. A operação de descontaminação do solo foi realizada e que resultou numa despesa superior a 23 milhões de dólares.

SAINT-BAISLE - LE GRAND - CANADÁ
No dia 23 de agosto de 1988, data do sinistro, provocado por fogo intencional, 85.000 litros de PCB (policloreto de bifenila) encontravam se em barris de 170 l, armazenados na empresa SORTEC. A formação de dioxinas extremamente tóxicas que é uma característica da combustão de PCB  levou os responsáveis pela evacuação imediata de 3.800 habitantes num raio de 14 km2.

O incêndio estava extinto três horas  depois. Devido aos esforços para controlar o incêndio, menos de 10% dos barris explodiram e o seu conteúdo ardeu em chamas. De acordo com as análises realizadas, em pessoas, no ar, no solo e na água subterrânea durante e depois do acidente, concluiu-se que as amostras de ar recolhidas durante o incêndio, e as amostras de água à superfície tirada posteriormente, continham PCB e vestígios de dioxina.
A água subterrânea, protegida por camada de argila não acusava qualquer concentração perigosa, salvo na proximidade do local de incêndio. Três semanas após o acidente, depois de proceder à limpeza de mais de 2.500 edifícios, os habitantes voltaram a instalar-se em suas casas. Os trabalhos de remoção de escombros e de recuperação efetuados com precauções foram muito árduos.

Os resíduos tóxicos (1.500 t) introduzidos em barris foram transportados por barco para Inglaterra onde os estivadores se recusaram a descarregá-los. O governo canadense procura desde então outro local de armazenamento provisório.
Foi no final do século passado que o PBC foi sintetizado pela primeira vez. A estabilidade química, a resistência ao fogo, uma grande capacidade térmica e um considerável isolamento elétrico fizeram com que os PCB's tivessem grande sucesso no mercado entre 1929 a 1977.

As primeiras informações provenientes dos Estados Unidos e do Canadá, segundo as quais os PCB's eram nocivos ao homem e ao ambiente estiveram na origem de uma campanha levada a cabo contra os PCB's. Foram criados depósitos de armazenagem, embora não se conheça ainda qualquer método de evacuação. É assim que em 1979, a SORTEC inc em Saint-Bsile-le-Grand, foi autorizada a armazenar, numa primeira fase, 1000 galões, ou seja, cerca de 3.785 litros.
Esta capacidade revelou-se rapidamente insuficiente e os poderes públicos autorizaram, pela última vez em 1981, a SORTEC a armazenar 20.000 galões (75.700 litros).

HISTÓRICO DO PCB
O único caso grave constatado pelos efeitos tóxicos do PCB's sobre o homem ficou conhecido como efeito "Yusho". A contaminação ocorreu no Japão, em 1968, quando 1.000 pessoas ingeriram óleo de arroz contaminado pelo PCB's.
Os principais problemas constatados foram;

1.Lesões cutâneas numerosas (pigmentação marrom das unhas, lesões foliculares, aumento da sudorese das mãos, placas vermelhas nos membros, prurido, pigmentação da pele, etc.
2.Icterícia, fraqueza, espasmos musculares nos membros, vômitos e diarréias.
3.Alguns pacientes os sintomas persistiram por vários anos (três anos)
4.Crianças nascidas de mães intoxicadas apresentavam insuficiência de peso e coloração marrom da pele, evidenciando intoxicação transplacentária.

Efeitos verificados em intoxicações crônicas de animais de experimentação ou não;

1.Interferência no processo reprodutivo (ratos, galinhas, etc.).
2.Aparecimento de tumores malignos no fígado de ratos
3.Aumento de atividades biológicas de certas enzimas no fígado de ratos
4.Interferência no sistema imunológico de coelhos
5.Distúrbios neurológicos em ratos
6.Acumulação em tecidos gordurosos, soro e leite.
7.Efeitos teratogênicos (aberrações genéticas) em embriões de galinhas

SINISTROS:

LOCAL: SAVANNAH - ESTADOS UNIDOS
Data  : 10.04.95
Autoridades norte-americanas determinaram a retirada de mais de dois mil moradores da cidade de Savannah, afetada por emissões tóxicas provocadas por um incêndio num armazém de produtos químicos. O fogo começou, quando explodiu um tanque com 1.600.000 l de aguarrás. Emissões de anidridos sulfúricos se estenderam pela cidade e os bombeiros foram forçados a retirar os moradores.

LOCAL: SANTOS - PORTO
Data: 16.04.95
Os portuários de Santos levaram um susto ao detectar o vazamento de um produto altamente tóxico, que escapou do container no armazém 43, da Cia Docas do Estado de São Paulo. O produto é o peroxidicarbonato diciclohexilo, que veio do porto de Hamburgo, na Alemanha, importado por uma indústria de tintas. A substância vazou devido à temperatura elevada. A pressão foi tão grande que o cofre (onde estava armazenado o produto) inchou. O pessoal da Guarda Portuária chamou o Corpo de Bombeiros e os técnicos da Cetesb, que tomaram as providências pata controlar o vazamento. O produto químico pode provocar cegueira, irritação na pele e nas vias respiratórias.

OS PRINCIPAIS PERIGOS
Sabemos que o risco de deflagração destes incêndios não pode ser completamente afastado, tanto mais que são com freqüência provocados intencionalmente. Há erros, no entanto, que se cometem quando do combate ao incêndio; improvisações devidas à falta de tempo, diligências inadequadas, informações deficientes.
Mas os sinistros também estimulam a que se proceda a melhoramentos, o que pode tornar então possível um controle global dos riscos.

Os exemplos citados permitem determinar os principais perigos e o gerenciamento do problema e bem como assim defini-los com a ajuda de algumas palavras chaves;

grave e considerável ameaça para as pessoas, o que requer eventualmente uma evacuação permanente ou provisória;
gerenciamento problemático - palavras chaves;
Informação das autoridades, do público, organização da evacuação, reclamações  referentes à responsabilidade civil e custos.

atentados contra o ambiente (contaminação, incêndio, envenenamento, etc) por exemplo; abastecimento de água, criação de gado, vegetação;
Gerenciamento problemático - palavras chaves;
Análises físico-químicas dispendiosas, situação jurídica, indenização, condições de seguro.

contaminação solo (depósito de resíduos industriais nocivos, água de extinção, etc)
Gerenciamento problemático - palavras chaves;
Processos de saneamento em fase de experimentação ou de difícil aplicação, eliminação de resíduos, da água utilizada para a extinção e da terra contaminada, pouca instalação de recuperação e de eliminação, custos elevados ( 435 dólares a 4.350 dólares por tonelada).

controle de catástrofes
Gerenciamento problemático - palavras chaves;
Inúmeras incertezas para a empresa, para as autoridades, apreciação do risco, cenários de sinistro, plano de catástrofe, exercícios de intervenção.

atentado contra a imagem da empresa (poluição, envenenamento, extorsão, etc)
Gerenciamento problemático - palavras chaves;
Informação da mídia, vandalismo, indenização, extorsão

falta de regulamentação ou inadequada, dificuldade de execução pelas autoridades
Gerenciamento problemático - palavras chaves;
Adequação das medidas, fatores custo/rendimento, cenário de catástrofes, serviços públicos sobrecarregados

erro humano ou vandalismo
Gerenciamento problemático - palavras chaves;
Medidas de prevenção e/ou de combate, informação adequada

Os principais perigos apontados relacionam-se com acidentes súbitos que ameaçam o homem e o ambiente através de substâncias tóxicas.

É necessário, no futuro, dar mais atenção à prevenção das catástrofes, pois os efeitos a longo prazo, inerentes aos riscos químicos, provocados pelos incêndios, não são invencíveis. A segurança não é conceito imutável, devendo ser entendido como uma missão em permanente evolução.
Para além da proteção contra os acidentes, engloba ainda melhor gestão dos riscos no que diz respeito à ameaça latente que representam os fluxos contínuos de poluentes, quanto ao tipo de processo de fabricação. Fonte: "Sinistros de Grandes Proporções em Armazéns de Produtos Químicos", da revista "Segurança",Portugal.

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posted by ACCA@7:53 PM