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domingo, maio 01, 2016

Chernobyl, trinta anos depois da tragédia

Ucrânia, Bielorrússia e Rússia lembram separadamente o 30º aniversário da tragédia de Chernobyl, a maior de toda a história da exploração civil de energia nuclear. Os três países eslavos envolvidos recordam o acidente de 26 de abril de 1986 cada um a seu modo, conforme suas diferentes referências políticas e econômicas.

CHERNOBYL ESTÁ EM PROCESSO DE ENCERRAMENTO DESDE 2000
Chernobyl está em processo de encerramento de atividades e fechamento desde 2000. Em novembro será instalado o chamado arco, uma construção única em seu gênero, que deverá proteger o sarcófago construído sobre o quarto reator (o que sofreu o acidente) contra qualquer possível vazamento radioativo, segundo afirmou ao semanário Zérkalo Nedelii o diretor da central, Igor Gramotkin. O projeto do arco, destacou ele, custa 2,5 bilhões de euros (cerca de 10 bilhões de reais) e dele participam 28 países, além do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, que é o administrador do fundo de Chernobyl. Gramotkin explicou que o terceiro reator já pode ser considerado uma instalação não nuclear; o segundo e o primeiro blocos também passarão a essa categoria neste ano, quando se concluirá a eliminação de todo o combustível radioativo ainda existente dentro deles.

“Quando a decisão de fechar Chernobyl foi tomada, a Ucrânia não estava preparada para isso, seja do ponto de vista organizacional, seja técnico ou financeiro”, comentou o funcionário.
A região de Chernobyl, segundo explicou, pode ser utilizada para duas diferentes atividades: o tratamento de materiais radioativos ou a construção de instalações para produção de energia alternativa, em especial energia solar. A ideia de se construir uma área verde no local da central é vista como inadequada devido ao alto teor de contaminação existente em torno dela, em um perímetro de dez quilômetros, afirmou.

RÚSSIA E BIELORRÚSSIA
Na Rússia, quinze regiões foram afetadas pela nuvem radioativa de Chernobyl. A radiação continua muito elevada em alguns pontos que o Governo russo excluiu das zonas mais atingidas, segundo afirmou Alla Yaroshinskaya, autora de várias obras sobre Chernobyl. Segundo ela, 554 localidades foram retiradas em 2015 da relação de territórios atingidos, o que significa a perda dos subsídios recebidos por seus habitantes.

A Bielorrússia foi, proporcionalmente, o país mais atingido pelo acidente (23% da área do país, especialmente as regiões de Gómel e Magiliov, onde viviam 2 milhões de pessoas). Cerca de 1,4 milhão de pessoas (12% do total da população) viviam na zona contaminada (dado de 1 de janeiro), segundo a agência russa de notícias Tass.

Apesar disso, a Bielorrússia parece ser o país mais disposto a enterrar o acidente: ela constrói, atualmente, a sua primeira central nuclear com tecnologia russa e planeja reinstituir a produção agrícola em uma região atingida pela tragédia, segundo afirmou em Minsk o ministro das Relações Exteriores, Vladimir Makei. Na sua avaliação, “podemos chorar, sofrer e lamentar, mas é preciso tentar mudar a situação” e escolher entre organizar a ajuda humanitária entre os atingidos e “tentar recuperar esta terra para viver e cultivar produtos aptos para o consumo”.

CHERNOBYL: VIDA NA ZONA INTERDITADA
Após catástrofe de 1986, 115 mil moradores em torno da usina foram evacuados. Apesar de proibições e dificuldades, algumas pessoas voltaram a viver na área atingida. Entre pomar, pesca e religião, não lamentam a decisão.

No centro de Chernobyl está localizada a administração de toda a zona interditada. A cidade, que contava milhares de habitantes até o desastre de 1986, está hoje abandonada. Devido à contaminação radioativa, foram removidos mais de 115 mil moradores, num raio de 30 quilômetros em torno da usina nuclear.
Casas baixas de tijolos com os telhados tombados e janelas quebradas rangendo ao vento lembram cenas de filme de terror. Embora os seres humanos a tenham abandonado 30 anos atrás, a vida continua na localidade: a vegetação cobre as ruas, e os cães vira-latas que vagam parecem quase lobos.

UM POVOADO, 16 MORADORES
Ao todo, 180 pessoas moram atualmente na zona interditada: 80 em Chernobyl e os restantes em quatro aldeias vizinhas. Kupovate, a 47 quilômetros da antiga usina, tem 16 habitantes. No pátio de uma casa torta de madeira, à entrada do povoado, o casal Viktor Tchausov e Maria Sapura amontoa lenha. Antes da catástrofe, ela trabalhava como ordenhadora, ele como operário de construções, tendo participado da construção da cidade de Pripyat, destinada aos funcionários da usina nuclear.
Também Maria e Viktor retornaram secretamente ao local após a evacuação. Ninguém mais vive na rua deles. Quase sempre tem eletricidade, mas água é preciso ir buscar no poço. Uma vez por mês, um carteiro traz o dinheiro da aposentadoria; duas ou três vezes vem o carro do quitandeiro, e eles compram pão e cevada perolada. "Não temos filhos, por isso ninguém nos visita. Vamos sobrevivendo como dá", conta Maria.

Viktor vai fazer 80 anos em breve. Acendendo um cigarro, ele relembra a evacuação. "Nós fomos todos reunidos como gado. Primeiro nos colocaram por três meses nos abrigos, depois em casas." "Mas nós só ganhamos um quarto, com cortinas em vez de portas" prossegue Maria. "Só tinha um sofá. E várias famílias ficavam alojadas em uma casa, as pessoas tinham que dormir no chão. Agora a estamos velhos e temos que trabalhar duro. Mas nós temos pepinos, tomates e batatas."
Os 30 anos passaram depressa, ela se acostumou a tudo e diz não estar mal. "Não dou conta de comer tudo o que eu tenho", brinca, apontando para um armário repleto de conservas de tomate, pepino, maçã, batata e cebola. "É claro que eu escutei que era proibido cultivar qualquer coisa depois do acidente nuclear. Mas fizeram as medições da radioatividade, e me disseram que estava tudo dentro dos limites permitidos."

MORTES, DOENÇAS E HERÓIS
Na época do acidente, mais de meio milhão de civis e militares foram convocados em toda a ex‑União Soviética para limpar e conter a disseminação de material radioativo. Eles eram chamados de "liquidadores" – muitos deles sofreram diversos efeitos causados pela radioatividade, milhares morreram, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Trinta e um trabalhadores da usina e bombeiros morreram em imediata consequência do acidente, principalmente devido a síndrome aguda da radiação.
Ao longo das últimas três décadas, milhares de pessoas têm sucumbido a doenças relacionadas à radiação, como o câncer, embora o número total de mortes e os efeitos de longa data sobre a saúde continuam a ser um assunto de intenso debate.
Um controverso relatório da ONU, publicado em 2005, estimou que "até 4 mil pessoas" poderiam eventualmente morrer em consequência do veneno invisível na Ucrânia e nos países vizinhos Rússia e Belarus.

UNIÃO SOVIÉTICA ACUSOU OCIDENTE DE PROPAGANDA
O desastre e a reação do então governo destacaram as falhas do sistema soviético com seus burocratas irresponsáveis e a enraizada cultura de segredos e sigilo. Cerca de 48 mil habitantes de Prypyat, por exemplo, foram orientados a deixar a cidade somente 36 horas depois do desastre.
O acidente em Chernobyl foi noticiado pela primeira vez na Alemanha, dois dias após a tragédia. A televisão soviética tentou convencer a população local de que tudo estava em ordem em Chernobyl e que as informações do exterior não passavam de propaganda estrangeira.
"Como você pode ver, a enorme destruição sobre a qual os meios de comunicação ocidentais continuam a falar sem parar, não estão lá", dizia um clipe em preto e branco que mostrava áreas da planta nuclear logo após o colapso. "Um elemento essencial das operações em Chernobyl é a absoluta segurança de todos que trabalham lá."
Fonte: @ZR, Deutsche Welle – 26/04/2016, El País – 26/04/2016

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posted by ACCA@4:47 PM