Cesp: Investigação de um grande incêndio deixa muitas lições
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS EDIFÍCIOS ATINGIDOS
Os dois edifícios envolvidos no incêndio, denominados Sede I
e Sede II faziam parte de um condomínio com acessos pela rua Augusta, rua Luiz
Coelho e avenida Paulista. Considerando o andar térreo como sendo aquele ao
nível da avenida Paulista, o condomínio possuía três subsolos (dois dos quais
eram utilizados como garagem) e duas sobrelojas que ocupavam toda a área do
terreno. Acima desse bloco, localizavam-se os edifícios Sede I e Sede II que
possuíam, respectivamente, 19 e 21 pavimentos, com aproximadamente 80 m e 87 m de
altura total (em relação à avenida Paulista), e área bruta dos pavimentos-tipo
de 358 m2 e 708 m2.
Os edifícios possuíam estrutura de concreto armado,
constituída por pórticos múltiplos e lajes nervuradas. Os pavimentos tinham
plantas livres, subdivididas por divisórias baixas compostas, principalmente,
por chapas duras de madeira. O forro do edifício Sede I era composto, em todos
os pavimentos, por placas de fibras celulósicas aglomeradas, enquanto que, no
edifício Sede 11, os forros eram todos compostos por placas de gesso. Em ambos
os casos, acima do forro, estavam presentes as fôrmas de madeira das lajes
nervuradas (que não haviam sido retiradas). A maior parte dos revestimentos dos
pisos era constituída por carpete colado sobre tacos de madeira.
As fachadas dos dois edifícios eram predominantemente
compostas por caixilhos de alumínio envidraçados. No edifício Sede I, os
caixilhos estavam posicionados além dos limites das lajes e apresentavam, na
parte inferior de cada pavimento, chapas de aço em substituição aos vidros. No
edifício Sede 11, os caixilhos se localizavam
entre as vigas externas das lajes nervuradas, sendo totalmente envidraçados.
SISTEMA DE INCÊNDIO
Os dois edifícios possuíam um sistema de detecção automática
de incêndio, composto basicamente por detectores do tipo térmico, conectados a
uma única estação central de controle, localizada no pavimento térreo em uma
sala próxima dos elevadores de acesso ao edifício Sede I.
Em todos os pavimentos, existiam acionadores manuais de
alarme, ligados à mesma central. O sistema de detecção incorporava, ainda, outros
tipos de detectores (de fumaça e termovelocimétricos) instalados em setores
especiais do condomínio, como por exemplo, sala de computadores, central
telefônica e auditório, Em atendimento às regulamentações vigentes, os dois
edifícios eram dotados de hidrantes e extintores (de água e gás carbônico) em
todos os pavimentos.
Para a fuga dos ocupantes em caso de Incêndio, o edifício
Sede I possuía duas escadas comuns (uma das quais atingia somente até o 8 °
andar) e o edifício Sede II possuía uma única escada, pretensamente
enclausurada. Os dois edifícios eram interligados por seis passarelas elevadas,
localizadas no 4º, 7º, 10º , 13°, 16º e 19º andares,
INÍCIO DO INCÊNDIO
O incêndio teve início no 5º andar do edifício Sede I, a
partir da ocorrência de problemas elétricos em um reator de lâmpada
fluorescente, que ocasionou a ignição do forro combustível sob o qual estava
instalado (diretamente em contato), O incêndio desenvolveu-se rapidamente a
partir daí, devido a: ignição das formas de madeira sob a laje, acima do forro,
e desprendimento de porções ignizadas do forro sobre os materiais combustíveis
contidos no escritório, ignizando‑os.
Os fatores intervenientes no processo de início do incêndio
no edifício Sede I dizem respeito a: características frente ao fogo do forro
combustível; risco apresentado pelo reator de tornar-se uma fonte de ignição; e
proximidade entre o forro combustível e o reator.
Verificou-se em laboratório que o forro apresentava
susceptibilidade de, ignizado, sustentar a combustão, além de ter capacidade
considerável de propagar superficialmente as chamas, Verificou-se também que o
envelhecimento do reator está efetivamente associado à elevação de temperatura
de sua carcaça e que temperaturas relativamente altas podem ser atingidas até a
ocorrência de falhas,
Na situação do edifício Sede I, a elevação da temperatura da
carcaça do reator poderia, sem dúvida, ocasionar a elevação localizada da
temperatura do forro. Dessa forma, a emissão de faíscas, por parte do reator ou
dos fios instalados na luminária, seria capaz de provocar a ignição do forro,
Esses eventos de fato ocorreram,
A manutenção preventiva de reatores, além de ser um
procedimento de difícil concepção, não seria uma medida suficientemente
efetiva, uma vez que até mesmo os reatores novos podem, eventualmente,
apresentar falhas (decorrentes, por exemplo, de defeitos de fabricação) capazes
de originar um incêndio, Uma solução mais adequada envolve a utilização de
reatores capazes de desarmarem-se quando atingem temperaturas excessivas e o
afastamento seguro entre reatores e forros combustíveis,
DETECÇÃO DE COMBATE INICIAL
Os detectores existentes nos pavimentos de ambos os
edifícios eram do tipo térmico, com temperatura de acionamento fixa de 58°C.
Tais detectores estavam instalados junto ao forro e distribuídos de maneira
razoavelmente homogênea em cada pavimento; no 5° andar do edifício Sede I,
existia um total de 20 detectores.
Sabe-se que os sistemas
de detecção automática de incêndio não possuem isoladamente nenhum valor
efetivo, do ponto de vista de prevenir ou controlar o desenvolvimento do
incêndio. Devem, portanto, estar associados a outras medidas que visem garantir
o combate rápido e eficaz do incêndio (descoberto no estágio inicial devido à
atuação dos detectores) e que impeçam a sua propagação,
A rapidez com que o detector atua, enviando sinais para uma
central de controle, é influenciada por fatores intrínsecos e extrínsecos ao
sistema de detecção utilizado, Quando o detector utilizado é do tipo térmico, os
fatores intrínsecos dizem respeito, principalmente, à temperatura de
acionamento dos detectores, à posição dos detectores no ambiente (área de
supervisão de cada detector). Com relação a isso, pode-se dizer que o sistema
existente nos dois edifícios atendia aos critérios estipulados em recomendações
internacionalmente aceitas, existindo inclusive, no edifício Sede I, um número
de detectores superior ao recomendado para a situação.
Com relação aos fatores extrínsecos ao sistema de detecção,
capazes de ocasionar retarde de sua ativação, pode-se dizer, especificamente
para o caso do edifício Sede I, que existiam condições propícias para isto
suceder. A seguir está apresentada uma situação hipotética em que fatores
extrínsecos podem ter ocasionado retarde. Para esta situação ser considerada,
tomaram-se por base fatos relatados no laudo do Instituto de Criminalística e
no relatório do Corpo de Bombeiros. Adicionalmente, teve-se em conta que o
local de origem do incêndio não se situava nas imediações de nenhum detector.
Primeiramente, considerando-se que o incêndio teve início no
forro, pode-se imaginar que quando este sofreu ignição, já se encontrava
parcialmente destruído em função do processo
de pirólise sofrido durante seu aquecimento (decorrente do
aquecimento do reator). Além disso, pode-se supor que a propagação das chamas
na superfície do forro não se deu imediatamente a partir daí e que,
anteriormente,teria ocorrido a ignição da madeira localizada no espaço
imediatamente acima na laje nervurada (a maneira de instalação do forro não
permitia a intercomunicação desses espaços).
Ocorrendo tais fatos, o calor gerado neste espaço poderia
não se transferir imediatamente para o ambiente a ponto de estabelecer uma
situação capaz de sensibilizar os detectores existentes nas proximidades,
caracterizando dessa forma o retarde. O foco do incêndio estaria nesta situação
potencializando-se de forma a, em função das características do material
constituinte do forro, propiciar uma propagação rápida das chamas em uma área
externa, o que com certeza propiciará a atuação dos detectores (já sem chances
de efetuar-se um combate com extintores portáteis).
Antes desse fato ocorrer, a fumaça já teria se acumulado
junto à superfície inferior do forro, donde se poderia concluir que os
detectores de fumaça seriam mais apropriados que os térmicos, pois seriam
sensibilizados rapidamente e dificilmente propiciariam retarde.
Evidencia-se desta forma a necessidade de adequar-se o
sistema de detecção às características do local que objetiva proteger, de forma
a garantir efetivamente o rápido alerta do incêndio, pois, em caso contrário,
não estará realmente cumprindo sua função.
Pior que isto, estará contribuindo para o estabelecimento de
uma falsa idéia de segurança contra incêndio, o que representa um perigo
adicional. Não é somente o tipo de detector apropriado que soluciona tal
questão, mas a apropriação do sistema como um todo, onde se considera desde a
localização e tipo dos detectores até a concepção da estação central de controle
no que se relaciona às funções que deve cumprir.
O incêndio no edifício Sede I foi descoberto por ocupantes,
antes que atingisse condições suficientes para a sensibilização do sistema de
detecção. Apesar disso, o alarme manual não foi acionado. Deve-se considerar,
entretanto, que uma série de situações não relativas à detecção do incêndio
propriamente dita podem comprometer os benefícios alcançados pela descoberta do
incêndio em estágio incipiente (quer esta seja através do sistema de detecção
automática ou não).
Podem-se prever aqui as seguintes situações críticas:
■ que o incêndio se desenvolva tão rapidamente que não possa
ser combatido em um estágio incipiente;
■ que o desenvolvimento do incêndio acarrete a formação de
vários focos de incêndio;
■ que as providências adotadas para extinguir o foco de
incêndio não sejam suficientemente
rápidas;
■ que o incêndio se desenvolva em local de difícil combate:
■ que os meios disponíveis para combate não sejam adequados;
■ que o acesso ao local do incêndio fique rapidamente
comprometido devido à presença de fumaça ou chamas.
Se cada um dos eventos mencionados tem capacidade de
comprometer as ações de combate desenvolvidas a partir da detecção, a
conjugação de dois ou mais destes eventos é potencialmente capaz de restringir
até mesmo a adoção de qualquer atitude, no sentido de estabelecer o primeiro
estágio de intervenção (desenvolvido pelo próprio usuário). Tal fato ocorreu no
incêndio do edifício Sede I, agravado sobremaneira pela confluência de quase
todas as situações mencionadas. O início do incêndio no próprio forro
combustível, associado à ignição das fôrmas de madeira da laje (imediatamente
acima), seguidos da rápida propagação das chamas na superfície do forro e da
queda de porções do forro em chamas sobre os materiais combustíveis contidos no
escritório, representa a um só tempo o rápido desenvolvimento do incêndio e a
formação simultânea de focos subsidiários de incêndio; ambos capazes de
inviabilizar integralmente o uso de extintores portáteis.
Os meios de combate existentes no edifício Sede I eram
compostos por extintores portáteis e hidrantes. O início do incêndio localizado
sobre o forro e a laje, envolvendo também grande porção de madeira não
deformada, pode, sem qualquer dúvida, ser considerado, pela sua posição, como
de difícil combate, partindo-se da premissa de que serão utilizados para isso
os extintores portáteis. Primeiramente, seria necessário posicionar-se sob o
foco do incêndio; em segundo lugar, a quantidade limitada de agente extintor
expelido e sua retenção sobre a região onde a combustão se processava, diminui
sensivelmente (senão anula) a eficiência do combate.
A utilização de hidrantes nesta situação poderia ser
eficiente desde que fosse feita com rapidez por uma equipe treinada, associada
à existência de condições adequadas de segurança no local. Condição esta que
não se cumpriu, pois além do hidrante estar posicionado nas proximidades do
foco, as condições ambientais não favoreciam o seu manuseio.
Sabe-se que o início do incêndio no edifício Sede I esteve
associado ao desenvolvimento de grande quantidade de fumaça, a ponto de
dificultar a localização precisa do foco, ameaçar a sobrevivência humana e
dificultar a fuga do local. Quando a primeira tentativa de combate
foi efetuada, a fumaça já circulava entre os andares,
atingindo inclusive o andar abaixo (4º
andar). Nessas circunstâncias, as ações de combate ao princípio de
incêndio tornam-se difíceis e assumem baixa probabilidade de êxito, além de
introduzirem riscos para a vida dos que a executam. De fato, esta tentativa não
obteve sucesso e teve que ser rapidamente descartada.
É importante considerar que os extintores portáteis têm a
vantagem de serem facilmente utilizáveis, podendo ser colocados em ação com
grande rapidez; mas, como dispõem de quantidade limitada de agente extintor,
destinam‑se ao combate de princípios de incêndio. Os hidrantes, que
apresentavam a vantagem de dispor de agente extintor em grande quantidade, são
de difícil manuseio, requerendo mais de uma pessoa para seu acionamento,
pessoal treinado e um tempo maior em relação aos extintores para dar início ao
combate. Portanto, são mais apropriados para o combate a incêndios em estágios
avançados.
Deve-se destacar a existência de um outro equipamento de
combate manual, denominado mangotinho, que se caracteriza pelo manuseio
simplificado e pela disposição de grande quantidade de agente extintor. Este
equipamento se coloca como um meio de combate intermediário entre os extintores
portáteis e os hidrantes, contando, para o caso de princípio de incêndio, com
as vantagens associadas de ambos e eliminando as desvantagens dos mesmos.
Frente à necessidade de combater com rapidez o início de
incêndio em edifícios altos de escritório, o mangotinho se apresenta como um
dispositivo importante no sentido de garantir uma ação mais eficaz. Deveria,
portanto, ter seu emprego assegurado nos edifícios dessa categoria.
EVOLUÇÃO DO INCÊNDIO NO PAVIMENTO DE ORIGEM
A propagação das chamas na superfície inferior do forro, a
formação de focos de incêndio subsidiários (decorrentes\ da queda de materiais
ignizados do forro) e a queima das fôrmas da laje foram capazes de criar uma
situação que gerou a inflamação em cadeia dos materiais combustíveis nas
proximidades do local de origem do incêndio.
Ao mesmo tempo que os vidros das janelas se quebraram
(possibilitando a ocorrência da inflamação generalizada), as divisórias de
vidro, que integravam os vãos das duas escadas que serviam o andar, também se
quebraram. Com isso, o fogo dominou mais esses dois ambientes, que também
continham grande quantidade de materiais combustíveis, representados pelo forro
e pelas fôrmas da laje nervurada.
As características frente ao fogo dos materiais
constituintes do teto têm um papel de fundamental importância para a evolução
do incêndio, uma vez que a transferência de calor, a partir do foco de
incêndio, é muito mais intensa no teto, já que os gases quentes se acumulam
ali. Caso os materiais que compõem o teto tenham a capacidade de ignizar-se
facilmente, de sustentar a combustão, de propagar rapidamente as chamas em sua
superfície, de desprender porções ignizadas e de desenvolver grande quantidade
de calor durante a combustão, com toda certeza, a situação torna-se crítica e
muito rapidamente será alcançada a inflamação generalizada dos materiais
combustíveis contidos no recinto.
O forro combustível do edifício Sede I, associado às fôrmas
de madeira mantidas sob a laje, apresentou todos os eventos indesejáveis
exemplificados, adicionalmente ao fato de se constituir no local em que o
incêndio teve início. Disso decorreu a evolução rápida do incêndio, onde os
materiais combustíveis contidos no 5° andar se inflamaram e queimaram com
rapidez. Fica claro, portanto, que quando o comportamento do teto possibilita a
ocorrência de qualquer um dos eventos mencionados, ele irá influenciar
preponderantemente na evolução do incêndio. Portanto, os seus materiais
constituintes devem ser objeto de especial atenção e o ideal, para o caso de
edifícios altos de escritório, é a utilização de materiais incombustíveis.
PROPAGAÇÃO DO FOGO ENTRE PAVIMENTOS
O incêndio se propagou entre pavimentos no edifício Sede I
com grande facilidade através de dois caminhos: pelo interior do edifício,
através das escadas; e pelo exterior do edifício, através das janelas com
caixilhos de alumínio e parapeitos de aço. Os seguintes fatores contribuíram
para isto:
■ severidade do incêndio no pavimento de origem;
■ alta velocidade de vento por ocasião do incêndio;
■ ausência de abas verticais e/ou horizontais resistentes ao
fogo entre as janelas de pavimentos consecutivos;
■ existência de forros combustíveis junto às janelas;
■ existência das fôrmas de madeira da laje;
■ existência de escadas comuns (não enclausuradas);
■ existência de forros combustíveis nos halls das escadas.
A propagação do incêndio no interior do edifício se deu de
maneira intensa, a partir do momento em que o fogo atingiu, no andar de origem,
os halls de acesso às escadas. A severidade do fogo, associada à existência de
grande quantidade de material combustível nestes halls (forro e fôrmas da
laje), facilitou a convecção de calor através das escadas abertas, que produziu
a ignição dos forros (e, posteriormente, das fôrmas das lajes) em vários
andares superiores a um só tempo.
Os halls dos andares superiores aqueceram-se rapidamente
pelo calor gerado na queima de seus próprios forros e, também, em função do
calor convectivo intenso do 5º andar. Tal processo ocasionou a quebra dos
vidros, quebra das portas e divisórias de vidro, que conformavam esses halls, e
o fogo atingiu os demais pavimentos. Até o 8° andar, a propagação ocorreu ainda
mais rapidamente devido a uma das escadas que aí termina.
A severidade do incêndio, a pequena altura dos andares, a
existência de materiais combustíveis junto ao topo das janelas e a presença de
fortes ventos propiciaram a ocorrência de grandes labaredas no exterior do
edifício, durante toda a fase de inflamação generalizada. Uma vez que não
existiam barreiras (abas verticais e/ou horizontais) capazes de afastar tais
chamas da fachada, esta foi intensamente atingida, ocasionando a quebra dos
vidros, a fusão dos caixilhos de alumínio e o desprendimento dos parapeitos de
aço. Desta forma, o forro adjacente à fachada nos pavimentos superiores sofreu
ignição, ao mesmo tempo, que os gases penetravam intensamente nestes andares.
Através da ocorrência concomitante dos dois fenômenos
descritos, o incêndio propagou-se verticalmente, de tal forma, que todos os
pavimentos do edifício (acima do 5° andar com sua inclusão) tiveram
coincidência da fase de inflamação generalizada, ou seja, queimaram
intensamente ao mesmo tempo.
Um dos requisitos mais importantes relativos à segurança
contra incêndio de edifícios de múltiplos pavimentos (destacadamente os de
escritório) é o de não ocorrer a propagação do incêndio entre pavimentos, ou
seja, o incêndio não deve propagar-se além do andar de origem.
As escadas não enclausuradas, além de permitirem a livre
circulação de fumaça em todo o edifício, mesmo no estágio inicial do incêndio
(dificultando ou impedindo a fuga dos ocupantes), podem se transformar em
importante meio para a propagação do incêndio entre pavimentos. Fica
evidenciado, portanto, que tais situações devem ser evitadas, sendo necessária
para isso a utilização de escadas de segurança. Adicionalmente, deve-se evitar
a utilização de materiais combustíveis nos halls de acesso às escadas.
Tendo em conta a necessidade de evitar a propagação do
incêndio através da fachada do edifício, duas medidas são absolutamente
fundamentais. Uma é a provisão de separação entre janelas de pavimentos
consecutivos, através de abas verticais ou horizontais dotadas de resistência
ao fogo de pelo menos duas horas. A outra é a não utilização de materiais combustíveis
nos revestimentos das fachadas ou no interior do edifício nas proximidades das
janelas, tais como, mobiliários, cortinas, forros etc.
Deve-se destacar que a adoção de apenas uma destas duas medidas, isoladamente,
não tem a capacidade de restringir a propagação do incêndio pelo exterior do
edifício.
EVACUAÇÃO DO EDIFÍCIO
SEDE I
No momento em que o incêndio se iniciou (aproximadamente às
19h35), estava presente
no edifício um número reduzido de funcionários, que
conseguiu abandoná-lo rapidamente através das passarelas elevadas.
A fuga dos ocupantes do edifício podia se dar através de
duas escadas não enclausuradas com 1,10 m de largura (uma das quais servia
somente até o 8° andar) e seis passarelas elevadas com 0,90m de largura e 9,5m
de extensão, conectadas ao edifício Sede II e intercaladas a cada três
pavimentos.
Conforme já foi mencionado, o incêndio propagou-se
verticalmente com grande rapidez, valendo-se também das caixas das escadas, que
se transformaram em canais condutores, no sentido ascendente, de grande
quantidade de fumaça e gases quentes.
Sabe-se que o edifício contava, em horário comercial, com
uma população fixa de 580 funcionários, que deveriam obrigatoriamente circular
através das escadas para alcançar as passarelas. Percebe-se, assim, a magnitude
do risco a que estas pessoas estariam submetidas, caso o incêndio tivesse
ocorrido no período de expediente de trabalho. O grande número de pessoas que
se utilizaria das escadas poderia ocasionar um trânsito lento e muitos poderiam
se defrontar com a atmosfera altamente nociva que ali se formou.
Percebe-se, dessa forma, o perigo introduzido pelas escadas
não enclausuradas nos edifícios altos de escritório, que podem propiciar, desde
o estágio inicial do incêndio, a livre circulação da fumaça em todo o edifício,
comprometendo totalmente a fuga dos ocupantes. A circulação de gases quentes
através da escada é duplamente grave, pois, além de impedir a permanência
humana em seu interior, ainda possibilita a propagação vertical do incêndio.
Conclui-se, portanto, que nos edifícios altos de escritório
todas as escadas devem ser de segurança, devendo para isso atenderem às
seguintes disposições:
■ serem construídas integralmente com materiais
incombustíveis;
■ serem enclausuradas com paredes e portas contra-fogo;
■ serem dotadas de antecâmaras de acesso em todos os
pavimentos, que devem ser enclausuradas da mesma maneira que a escada; e
■ o conjunto composto pela escada e antecâmara de acesso
deve ser dotado de dispositivo visando remover ou dispersar a fumaça que
penetre nas antecâmaras ou impedir sua entrada nesses recintos (evitando desta
forma a entrada da fumaça na escada).
Além das escadas de segurança, todo o caminho a ser
percorrido pelos ocupantes, para atingir o exterior do edifício, deve atender a
um conjunto de diretrizes para ser considerado seguro, tais como: número
adequado de rotas de fuga, distâncias máximas a percorrer para alcançar a
escada, largura adequada dos corredores e das escadas etc.
PROPAGAÇÃO DO INCÊNDIO ENTRE EDIFÍCIOS
Apesar da distância entre as fachadas dos edifícios Sede I e
Sede II ser de 9,5m, ocorreu a propagação do incêndio entre ambos. Deve-se
notar que os fortes ventos predominantes por ocasião do incêndio (antes do
edifício Sede II ter sido atingido) não favoreciam a emissão de chamas pela
fachada (do edifício Sede I) imediatamente frontal ao edifício Sede II. Apesar
disso, pode-se notar, vez por outra, a emissão de grandes labaredas que se
aproximavam perigosamente do edifício Sede II. Entretanto, pode-se afirmar que,
fundamentalmente, a propagação do incêndio entre os edifícios se deu por
radiação térmica.
Para isso, colaboraram decisivamente os seguintes fatores:
■ severidade do incêndio do edifício Sede I, onde altas
temperaturas foram atingidas e, portanto, a intensidade de radiação térmica
emitida atingiu valores elevados;
■ grande área de superfície radiante, pois toda a fachada
(do 5º andar para cima) do edifício Sede I, adjacente ao edifício SedeII, foi
capaz de emitir a um só tempo alta intensidade de radiação térmica; isso
aconteceu primeiramente, devido à coincidência da fase crítica do incêndio em
um grande número de pavimentos e, ainda, porque a fachada do edifício Sede I,
constituída integralmente por caixilhos de alumínio, foi rapidamente destruída
(incluindo o parapeito de aço), não oferecendo, portanto, nenhum obstáculo à
emissão da radiação térmica;
■ pequena distância entre fachadas, frente à intensidade da
radiação térmica emitida e a grande área da superfície radiante; o edifício
Sede II foi atingido por níveis de radiação que possibilitaram a ignição
espontânea de materiais existentes em seu interior:
■ grande área de janelas na fachada exposta, que permitiu a
ignição de materiais combustíveis no interior do edifício Sede II, concomitantemente
em vários pavimentos.
A partir do edifício Sede I, o incêndio também se propagou
para os andares localizados junto à fachada do outro edifício adjacente (em
fase final de construção), através de convecção e radiação térmica, ocasionando
grandes danos ao revestimento.
A separação entre edifícios deve ser dimensionada, tendo-se
em conta a necessidade de evitar a ocorrência da propagação de incêndio por
radiação térmica.
Nos edifícios altos de escritório, as seguintes condições
básicas devem ser atendidas:
■ a não utilização de materiais combustíveis no revestimento
das fachadas e
■ a resistência ao fogo das fachadas (excluindo as janelas)
não inferior a 2 horas;
Isso significa que a superfície radiante no edifício
incendiado será composta unicamente pela área das janelas, e que a ignição dos
materiais combustíveis no edifício adjacente só poderá ocorrer em seu interior.
A partir disso, a distância de separação entre os edifícios será vinculada à
severidade do incêndio e à área das janelas.
A menos que a compartimentação vertical do edifício seja
garantida, isto é, que o incêndio não se propague além do pavimento de origem,
muito difícilmente se viabilizariam implantações de edifícios altos de
escritório nos lotes urbanos convencionais de São Paulo, tendo-se em conta a
necessidade de evitar a propagação do incêndio entre edifícios.
No caso do Edifício Sede I, por exemplo, considerando-se que
foi emitida, através das fachadas, a radiação térmica de 4 cal/cm2/s ,
concomitantemente por todos os pavimentos acima do 5º andar, a distância mínima
para evitar a propagação do incêndio para o edifício Sede II deveria ser de,
aproximadamente, 62cm para o caso de ignição-piloto e 35 m para o caso de
ignição espontânea. Tais distâncias diminuiriam para, respectivamente, 13,5 m e
7 m, caso o incêndio se mantivesse apenas no 5º andar.
EVOLUÇÃO E PROPAGAÇÃO NO EDIFÍCIO II
O incêndio no edifício Sede II pode ser considerado como
atípico, pelas seguintes razões:
■ teve início em vários andares ao mesmo tempo, transferido
do edifício Sede I por radiação térmica;
■ o início do fogo em cada andar deu-se a partir de grandes
áreas afetadas, ou seja, ao longo de grande parte da fachada exposta; e
■ a combustão dos materiais no início do incêndio foi
afetada pela radiação térmica incidente.
O incêndio, iniciado em distintos andares, não encontrou
obstáculos para atingir toda a área dos mesmos, visto que os andares só
apresentavam subdivisões do lado oposto ao edifício Sede I, onde se localizavam
a escada, os elevadores, as copas e os banheiros.
A grande quantidade de materiais combustíveis existente no
edifício Sede II, composta basicamente por mesas, cadeiras, poltronas,
estantes, papéis e as fôrmas de madeira das lajes, associada à grande área de
ventilação (devido à quebra dos vidros das janelas) propiciou a evolução de um
incêndio bastante severo e a presença constante de grandes labaredas no
exterior, junto às fachadas.
Através das fachadas e da escada, cujas portas estavam
abertas, o incêndio propagou-se verticalmente, atingindo vários pavimentos que
ainda não haviam sido afetados pela radiação térmica emitida pelo edifício Sede
I (a ponto de dar início ao fogo).
No incêndio do edifício Sede II, as lições que se tiram com
relação à propagação do fogo entre andares são semelhantes às do edifício Sede
I. Apesar de o edifício possuir forro incombustível (de gesso), este era
bastante susceptível à ação do fogo, desprendendo-se facilmente do teto e
expondo as fôrmas de madeira da laje.
Com relação à escada do edifício Sede II, dois aspectos
devem ser destacados. Primeiro, suas portas permaneceram abertas, pois
dependiam de fechamento manual, o que demonstra a necessidade de tais portas
serem dotadas de fechamento automático, de forma que estejam garantidamente
fechadas no momento do incêndio. Segundo, no enclausuramento da escada, uma das
paredes não atingia a superfície inferior da laje, alcançando somente o forro
de gesso não resistente ao fogo; durante o incêndio, o forro foi destruído,
propiciando a comunicação direta da escada com o ambiente incendiado, o que não
pode ser admitido.
COMBATE AO INCÊNDIO
O combate ao incêndio no edifício Sede I foi iniciado
tardiamente, uma vez que o Corpo de Bombeiros foi chamado às 19h54, quando já
se passavam, aproximadamente, 19 minutos da descoberta do incêndio. Quando os
bombeiros iniciaram o combate no edifício Sede I, o incêndio já dominava
integralmente o 5° andar e já havia se propagado para alguns andares
superiores. Apesar disso, foi feita a tentativa de iniciar-se o combate ao fogo
através de duas frentes: pelo interior do edifício, a partir de andares
imediatamente acima dos já atingidos, e pelo exterior do edifício.
O combate ao fogo pelo interior do edifício teve que ser
abandonado rapidamente em razão, principalmente, da vertiginosa progressão
vertical do incêndio e da inexistência de um local seguro no interior do
edifício a partir do qual o incêndio pudesse ser combatido.
O combate ao incêndio pelo exterior do edifício mostrou-se
também totalmente ineficiente, em razão dos seguintes fatores:
■ rápida progressão vertical do incêndio, a ponto de vários
andares do edifício queimarem intensamente ao mesmo tempo;
■ existência de vários andares afetados pelo fogo,
localizados em níveis fora do alcance dos equipamentos disponíveis para o
combate (plataformas aéreas e escadas mecânicas);
■ impossibilidade de aproximação adequada dos equipamentos
de combate a qualquer das fachadas do edifício; a fachada frontal, junto à qual
se tentou efetuar o combate, estava recuada aproximadamente, 25m em relação à
fachada das sobrelojas, o que restringiu em muito a aplicação de jatos d'água.
Com relação ao combate ao incêndio do edifício Sede II,
pode-se dizer que as várias frentes de fogo que tiveram início concomitantemente
e a inexistência de um local seguro no interior do edifício, inviabilizaram
qualquer tentativa de combate que pudesse ser efetuada internamente.
O combate ao incêndio pelo exterior do edifício Sede II mostrou-se da mesma maneira que no edifício
Sede I, totalmente ineficiente.
As razões encontradas para isto são as seguintes:
■ o incêndio se desenvolveu simultaneamente em várias
regiões do edifício;
■ existência de vários andares afetados pelo fogo,
localizados em níveis fora do alcance dos equipamentos disponíveis para o
combate; e
■ a única fachada que permitia a aproximação dos
equipamentos de combate (fachada da Av. Paulista) era muito estreita em relação
ao comprimento do edifício, não sendo possível atingir o fogo com os jatos
d'água na metade posterior do edifício.
Tendo em conta que os edifícios altos de escritório devem
possibilitar o combate externo e interno, os problemas observados durante o
incêndio permitem concluir que duas disposições são fundamentais para que haja
chances de sucesso das operações de combate.
■ A primeira diz respeito à aproximação dos equipamentos de
cornbate às fachadas do edifício;
■ A segunda se refere ao adentramento dos bombeiros no
edifício incendiado e à disposição de meios apropriados de combate.
Os equipamentos de combate devem se aproximar ao máximo das
fachadas do edifício afetado pelo incêndio. Para isso ser possível, o edifício
deve estar localizado ao longo de vias públicas ou privadas que possibilitem a
livre circulação e o posicionamento adequado dos veículos de combate em relação
às fachadas (tais vias devem ser preparadas para suportar os esforços
provenientes da circulação, estacionamento e manobras desses veículos).
Para que os bombeiros adentrem nos edifícios altos de
escritório, estes devem dispor de meios rápidos e seguros para se alcançar o
local incendiado, representados pelas escadas de segurança e pelos elevadores
de emergência. Isso, evidentemente, não existia em nenhum dos dois edifícios e
foi fator decisivo para o fracasso das operações de combate ao incêndio.
RUÍNAS DO EDIFÍCIO SEDE II
Aproximadamente 2 horas após o início do incêndio no
edifício Sede II, ocorreu o desabamento da parte central da edificação.
A estrutura do edifício Sede II era composta por uma série
de pórticos múltiplos de concreto armado, cujos elementos horizontais
consistiam de vigas T, dotadas de grande rigidez. O travamento entre os
pórticos era promovido por lajes nervuradas dos pisos.
O incêndio, anteriormente à ruína, desenvolvia‑se mais
intensamente nos andares superiores e à meia altura do edifício. Nessas
regiões, os elementos verticais dos pórticos estavam sujeitos a esforços
decorrentes da dilatação térmica das vigas T, e os seus materiais constituintes
estavam perdendo gradativamente a resistência mecânica por atingirem
temperaturas elevadas.
A ruína de parte do edifício se deveu ao incêndio que se
desenvolvia à sua meia altura, tendo sido decorrente dos esforços de dilatação
introduzidos por duas vigas T consecutivas, em pavimentos consecutivos, nos elementos
verticais dos seus respectivos pórticos. Tais esforços ocasionaram cisalhamento
dos elementos verticais, que se romperam, permitindo a ruína da parte central
do edifício (dois pórticos múltiplos foram destruídos). Apesar de ter ocorrido
a ruína de somente uma parte da estrutura de um dos edifícios, o incêndio
danificou seriamente toda a estrutura dos dois edifícios.
O efeito global das mudanças promovidas pelas altas
temperaturas sobre a estrutura de um edifício é a diminuição progressiva sua
capacidade portante e a introdução de novos esforços nos elementos estruturais.
Durante esse processo, pode ser alcançada, em determinado elemento estrutural,
uma situação em que o limite último de tensão se iguala à tensão aplicada,
possibilitando então a sua falência.
Para as estruturas de concreto armado, são aspectos
fundamentais na garantia de seus elementos constituintes (determinada
principalmente pela seção da peça, recobrimento da armadura e a diferença, em
uso normal, entre a tensão aplicada e o limite último de tensão) a
homogeneidade da distribuição de cargas na estrutura e o sistema estrutural
adotado. Todos esses aspectos devem ser devidamente considerados na fase de
projeto da estrutura da edificação.
Verificou-se nos edifícios Sede I e Sede II que os elementos
estruturais horizontais (vigas e lajes) apresentavam dois problemas capazes de
comprometer seriamente a estabilidade das estruturas. Um deles se relaciona ao
recobrimento das armaduras, de maneira geral muito reduzido, sendo que as armaduras
encontravam-se aparentes em algumas regiões. O outro se relacionava às seções
transversais reduzidas das vigas das lajes nervuradas, que eram insuficientes
para assegurar resistência ao fogo superior a uma hora. Com isso, grande parte
dos elementos estruturais horizontais atingiu o colapso.
Apesar disso, a ruína parcial do edifício Sede II se deveu,
principalmente, ao sistema estrutural adotado. Os pórticos múltiplos eram
dotados de elementos horizontais de grande comprimento (aproximadamente 12 m) e
de seção transversal avantajada, cuja dilatação térmica provocou esforços que
foram transferidos aos elementos verticais. Esses, por sua vez, não estavam
dimensionados para suportá-los e o sistema estrutural não possibilitava a sua
distribuição.
REINÍCIO DO INCÊNDIO NO EDIFÍCIO SEDE I
Após a decorrência de um período considerável da extinção do
incêndio no edifício Sede I (que se desenvolveu do 5° andar para cima), ocorreu
o reinício do incêndio nos pavimentos inferiores (1 ° ao 4°). Isso se deveu,
novamente, à transferência do fogo entre edifícios (agora no sentido
contrário).
O mecanismo que levou à ocorrência desse evento foi idêntico
ao anterior (quando o incêndio propagou-se do edifício Sede I para o edifício
Sede II), ou seja, o fogo foi transmitido por radiação térmica intensa emitida
pelo edifício Sede II (que nesta ocasião já havia sofrido a ruína parcial) que
queimava intensamente nos andares inferiores.
O reinício do incêndio no edifício Sede I foi a última etapa
da catástrofe ocorrida, cuja duração total foi de aproximadamente sete horas.
Ainda que esta fase do incêndio tenha sido desenvolvida nos andares inferiores
do edifício, o que teoricamente permitiria a execução do combate pelo exterior,
isto não foi possível, pois as sobrelojas avançadas, novamente, constituíram-se
em um obstáculo para a aproximação dos equipamentos dos bombeiros. Mais uma vez
evidenciou-se no edifício Sede I o efeito nocivo da inexistência de pelo menos
uma fachada de aproximação.
INFLUÊNCIA DO PROCESSO DE ADAPTAÇÃO DOS EDIFÍCIOS
Os dois edifícios haviam recebido da administração
municipal, alguns meses antes do incêndio, o Auto de Verificação de Segurança
(que se constitui no documento comprobatório do atendimento das regulamentações
compulsórias de segurança contra incêndio), após passarem pelo processo de
adaptação regulamentar. Por isso, pode causar estranheza que edifícios
adaptados para atenderem aos requisitos de segurança ao fogo regulamentares e,
portanto, considerados seguros tenham sido envolvidos em um incêndio de tão
grandes proporções. Tal fato, entretanto, é perfeitamente explicável, já que,
na verdade, o processo de adaptação dos edifícios (que culminou com a emissão
do Auto de Verificação de Segurança) foi afetado fundamentalmente pelas
próprias falhas da regulamentação que visou atender, agravado ainda pela
adaptação incorreta dos dois edifícios à referida regulamentação.
Quanto à adaptação incorreta, pode-se dizer que medidas
importantes de proteção contra incêndio (explicitamente recomendadas na regulamentação)
não foram atendidas. Essas medidas atuariam no sentido de dificultar a
propagação do incêndio entre pavimentos e melhorar as condições de fuga dos
ocupantes do edifício.
Com relação à propagação do incêndio entre pavimentos, duas
falhas devem ser destacadas:
■ os hall dos elevadores do edifício Sede I, que se
constituíam em áreas de circulação do edifício, e davam acesso às escadas,
servindo inclusive como patamares de mudança de direção, mantinham-se com
forros cuja superfície acabada apresentava rapidez de expansão de fogo classe
C, enquanto que a regulamentação permitia somente material classe A.
■ não existia nos dois edifícios a separação regulamentar de
1,20m de altura (perfeitamente solidarizada às lajes e possuindo resistência ao
fogo mínimo de 4 horas) entre janelas de pavimentos consecutivos, de modo a
dificultar a propagação do incêndio através da fachada.
Com relação à melhoria das condições de fuga dos ocupantes,
pode-se dizer que a adaptação dos edifícios não inclui a disposição de duas
caixas de escada para cada edifício, das quais pelo menos uma deveria ser de
segurança.
REGULAMENTAÇÃO COMPULSÓRIA .
Para enfrentamento do problema da segurança contra incêndio,
o poder público (atribuído da obrigação de salvaguardar a vida humana e de, na
medida do possível, evitar a ocorrência de catástrofe) se baseia
fundamentalmente no estabelecimento de regulamentações. Ocorre que os incêndios
possuem caráter acidental, por isso, os gastos envolvidos na prevenção e
proteção contra incêndios, via de regra, não resultam de imediato em benefícios
palpáveis, o que influencia preponderantemente na discriminação da questão da
segurança contra incêndio.
Por essa razão, as regulamentações devem ser dotadas de
caráter compulsório e a aplicação direta de seus requisitos deve resultar em
níveis adequados de segurança contra incêndio para as distintas situações
abrangidas. A regulamentação compulsória aplicada no município de São Paulo não
possui essa característica essencial, de tal forma que a sua aplicação direta
não resulta em níveis adequados de segurança contra incêndio para os edifícios
altos de escritório.
Pode-se citar como exemplo para isto os seguintes aspectos
falhos da regulamentação:
■ com relação à compartimentação vertical no interior do
edifício, admite-se a utilização de escadas de segurança conjuntamente com
escadas comuns (não enclausuradas), não se atentando para o risco que estas
estabelecem de favorecer a rápida propagação do incêndio entre pavimentos;
■ ainda com relação às escadas não enclausuradas, admite-se
que elas sejam incluídas nas rotas de fuga, sem qualquer proteção especial, sem
atentar-se para o grande risco de se tornarem canais condutores de fumaça,
introduzindo um perigo inaceitável para os ocupantes do edifício;
■ com relação às rotas de fuga, as falhas que merecem
destaque (além da aceitação de escadas não enclausuradas) são; o não estabelecimento de rotas de fuga
distinta (pelo menos duas) nos pavimentos; a aceitação de uma única escada de
segurança; a admissão de elevadores comuns nas rotas de fuga;
■ as condições para garantir o distanciamento entre
edifícios não se relacionam com o risco de propagação do incêndio através da
fachada, mas unicamente com as questões de iluminação e ventilação; levando
para grande parte dos edifícios (aqueles dotados de grandes áreas de janelas) a
distâncias extremamente perigosas;
■ a questão da aproximação dos equipamentos de combate e
acesso dos bombeiros ao interior do edifício não é abordada, permitindo que os
edifícios altos de escritório assumam características tais que um incêndio, que
porventura se desenvolva, seja impossível de ser combatido com eficiência.
Diante do exposto, é possível perceber com clareza a
importância das deficiências apresentadas pela regulamentação de segurança
contra incêndio aplicada no município de São Paulo. Nos edifícios altos de
escritório, onde o incêndio implica grandes riscos à vida humana e à
propriedade (inclusive aos edifícios vizinhos), tais deficiências tornam‑se
críticas, pois conduzem a um sistema de segurança contra incêndio bastante
precário.
Não se pode deixar de considerar como grave o fato da regulamentação compulsória,
aplicada pelo poder público, não garantir um nível adequado de segurança contra
incêndio, principalmente porque, em decorrência disso, os ocupantes dos
edifícios acabam, muitas vezes, sendo expostos a situações anormais de risco,
das quais raramente se dão conta.
CONCLUSÃO
A segurança contra incêndio de um edifício é alcançada
através de um conjunto de medidas de prevenção e de proteção contra incêndio,
adotadas na sua fase de projeto ou de adaptação. Todas essas medidas se inter‑relacionam,
conformando um sistema global de segurança, frente ao qual ficam extremamente
reduzidas as possibilidades de ocorrência de um incêndio de grandes proporções.
A magnitude alcançada pelo incêndio dos edifícios Sede I e
Sede II indica que o sistema de segurança, adotado quando da adaptação do
edifício às regulamentações vigentes, era incompleto e insuficiente. Pode-se
imaginar que grande parte das medidas que configurariam um sistema de segurança
mais completo, e que não foram incorporadas no processo de adaptação (algumas
das quais se destacam por estarem indicadas na regulamentação) tenha sido
considerada como de menor importância. Os eventos envolvidos no incêndio,
entretanto, trataram de provar o contrário.
Pode-se levantar também a hipótese de que se considerou,
quando da adaptação dos edifícios, que a existência de um sistema de detecção
automática de incêndio ou de passarelas entre edifícios, ou ambas, fosse capaz
de suprir as deficiências ocasionadas pela ausência de medidas de proteção
contra incêndio. Deve-se destacar, entretanto, que o sistema de detecção
automática não tem o sentido de substituir qualquer outra medida de proteção
contra incêndio. Visa, unicamente, reforçar as medidas adotadas no sentido de
garantir a agilização da evacuação do edifício e das ações de combate. As
passarelas, por sua vez, além de não substituírem nenhuma outra medida de
proteção contra incêndio, não podem dispensar a utilização de escadas de
segurança através das quais são alcançadas.
O incêndio ocorrido nos dois edifícios evidencia a
necessidade de medidas corretivas urgentes no sentido de alterar o quadro
atual. Deve-se pensar em rever o processo de concessão do Auto de Verificação
de Segurança, de forma que as vistorias e os projetos de adaptação elaborados
pelos peritos sejam abrangentes e criteriosos, e que estejam subordinados a
equipes de fiscalização especializadas. Adicionalmente, as adaptações devem ser
baseadas em uma regulamentação completa e coerente, cuja aplicação direta
permita a conformação de um sistema global de segurança que resulte em um nível
aceitável de segurança contra incêndio, para qualquer tipo de edificação.
Dessa forma, torna-se premente a concentração de esforços no
sentido de introduzir no município de São Paulo (e em todos os outros
municípios brasileiros) uma nova regulamentação que possa eliminar as inúmeras
falhas existentes na atual. Paralelamente a isso, devem ser destacadas pela
administração pública equipes competentes de fiscalização que, através de
mecanismos bem estruturados, sejam capazes de garantir a aplicação dessa
regulamentação.
Em complementação a essas atividades deveria também ser introduzida
uma regulamentação compulsória aplicável à fase de uso dos edifícios, já que na
hipótese de não existir a preocupação com a segurança contra incêndio durante o
uso do edifício, tudo aquilo que foi provido em sua construção pode ser
amplamente comprometido. Fonte: Gerência de Riscos – 1989 – Itsemap do Brasil - Antonio
Fernando Berta e José Carlos Tomina- engenheiros civis e pesquisadores do IPT
na área de segurança contra incêndio.
Vídeo: Implosão parcial do prédio Sede II
Observação:
Desde a ocorrência do incêndio em 1987, as duas torres do
prédio da antiga sede da CESP (Companhia Energética de São Paulo), estavam
desocupadas e foram adquiridas em dia 5 de maio de 2010, pela WTorre por R$ 91,5 milhões. As torres passaram por reforma no valor estimado de R$ 58
milhões .
Comentário: Situação das torres quanto a prevenção de incêndio em 1987 e valores atualizados
Área do terreno: 990 m2
Área ocupada: 990 m2
Área construída: 22.278,56 m2
Sistema de prevenção e combate a incêndio: 49 hidrantes internos instalados nos edifícios Sede I e Sede II
Abastecimento:
Edifício Sede I – reserva
de incêndio: 60 m3
Edifício Sede II – reserva de incêndio: 50 m3
Extintores:
Edifício Sede I – 91 extintores distribuídos nos andares
Edifício Sede II – 149 extintores distribuídos nos andares
Extintores de reservas: 50, diversos tipos e capacidade
Equipamentos auxiliares: proporcionadores de espuma, máscaras
autônomas, esguichos reguláveis e jatos sólidos, cordas, capacetes, luvas e
lances de mangueiras
Brigada de incêndio: 01 bombeiro profissional e 130
brigadistas
Central de alarme com detectores tipo térmico, acionadores
manuais de alarme, detectores de fumaça
e termovelocimétricos.
Laudo policial
O incêndio, segundo o laudo pericial do Instituto de
Criminalística, foi causado por superaquecimento das luminárias do 5° andar do
edifício Sede Um. O relatório cita que "a propagação do fogo e os danos
decorrentes" ocorreram devido às falhas do sistema de alarme por terem os
responsáveis pelo setor, desligado o
interruptor de acionamento da campainha, sobre a porta da sala do Centro de
Detecção, Alarme e Megafonia,
Um mês antes do incêndio de 21 de maio, houve um principio
de fogo, durante a madrugada, na luminária do 13º andar do Sede I, em circunstâncias idênticas
ao do 5º andar. O relatório indica que o
problema teria ocorrido no reator, pois um deles estava superaquecido, "mas
limitou-se a determinar o reparo da área afetada e nada mais". O relatório criticou também a falta de
integrantes da Brigada de Incêndio no dia do incêndio, já que as pessoas que estavam no local não
sabiam "operar os equipamentos". O relatório aponta: os funcionários
da manutenção e operação do centro de.Detecção trabalhavam somente das 8 às
17h30.
Obs: Eram trocados de 10 a 12 reatores mensalmente nos dois
edifícios, que possuíam aproximadamente 7 mil reatores.
Danos materiais
O fogo destruiu dezenas de projetos que consumiram muito
tempo para serem feitos, milhares de documentos, parte das fitas de computador, sem contar
móveis e outros objetos. Aos prejuízos físicos, deve-se acrescentar os decorrentes das horas e de serviço dos funcionários que trabalhavam
nos prédios.
Entulho
A implosão parcial do edifício Sede II ( 7 de junho de 1987)resultou
8.400 toneladas de entulho. Prazo de retirada 40 dias.
Reabertura do shopping
O shopping Center 3 abriu parcialmente em 02 de junho de
1987.
Vítima
Após 48 dias do incêndio foi encontrado o corpo do vigia
(única vítima fatal) soterrado nos
escombros no 3º subsolo.
Valores atualizados pelo IGP-DI - até set/2014
Seguro dos edifícios:
|
R$ 112.075.000,00
|
Prejuízos da Cesp:
|
R$ 373.482.000,00
|
Recuperação da estrutura do edifício Sede II:
|
R$ 36.886.000,00
|
Custo da implosão:
|
R$ 2.342.000,00
|
Danos contra terceiros: Indenização:
|
R$ 8.000.000,00
|
Marcadores: incêndio
