Risco ambiental da aplicação de retardantes de chama
INTRODUÇÃO
A ampla utilização de materiais poliméricos inflamáveis
resultou num significativo aumento na demanda de retardantes de chama (FRs, do
inglês flame retardants) como principal medida de segurança na prevenção de
incêndios, particularmente nas indústrias de eletroeletrônicos, têxtil,
automobilística e construção civil.
Estes produtos são empregados em materiais como madeira,
plásticos, papéis e utensílios de cozinha etc.
Em computadores são comumente usados em circuitos impressos,
conectores, capas plásticas e cabos, além de serem usados como coberturas de
televisão.
Esses bens de consumo se queimam com muita facilidade, e uma
vez iniciada a ignição, a combustão completa é rápida, reduzindo as chances de
fuga e aumentando o risco de danos causados por queimaduras.
RESISTENTES AO FOGO OU A ALTAS TEMPERATURAS
Os FRs são adicionados durante ou após o processo de
fabricação a fim de tornar os materiais resistentes ao fogo ou a altas
temperaturas, inibindo ou prevenindo o processo de combustão, reduzindo o risco
de lesões em casos de incêndio .
Existem hoje mais de 175 substâncias químicas classificadas
como retardantes de chama, sendo o grupo dos halogenados (bromados e clorados) e
dos não halogenados (derivados de
fósforo e de nitrogênio e melaminas) exemplos de compostos
amplamente utilizados.
Os compostos halogenados clorados ou bromados, podem ser
enriquecidos com trióxido de antimônio e, possuem fórmulas adaptáveis à quase
todos os polímeros, além de possuírem baixo custo e excelente desempenho contra
a propagação de chamas. Por outro lado, devido a sua alta toxicidade, podem
desencadear vários efeitos tóxicos, além de produzirem grande quantidade de
fumaça e gases tóxicos - tais como dioximas e furanos – durante incêndios.
OS RETARDANTES MAIS USADOS
Os retardantes de chama bromados mais usados e seus
principais subprodutos são:
■bifenilas polibromadas (PBBs, do inglês polybrominated
biphenyl),
■ éteres de difenilas polibromadas (PBDEs, do inglês
polybrominated diphenyl ether), ■tetrabromobisfenol A (TBBPA, do inglês, tetrabromobisphenol
A),
■hexabromociclododecanos (HBCDs, do inglês
hexabromocyclododecane),
■dibenzo-p-dioxinas polibromadas (PBDDs, do inglês
polybrominated dibenzopdioxins)
■e dibenzofuranos polibromados (PBDFs, do inglês
polybrominates dibenzofurans).
Dentre os bromados, os mais empregados são os PBDEs. Os oito
produtores mundiais de PBDEs estão localizados na Holanda, França,
Grã-Bretanha, Israel, Japão e Estados Unidos .
RESISTÊNCIA À CHAMA
A resistência à chama está intimamente ligada ao processo de
combustão, composto por pré‑aquecimento, pirólise ou decomposição /
volatilização, ignição ou combustão e extinção. Os mecanismos de ação dos
retardantes de chama se baseiam em princípios físicos (resfriamento ou
diluição) ou químicos (formação de radicais, remoção por decomposição do
polímero ou proteção devido à carbonização).
ÉTERES DE DIFENILAS POLIBROMADAS- PBDES
Esta classe de compostos químicos é formada por dois anéis
benzênicos ligados por um átomo de oxigênio. A estes anéis podem estar ligados
de 1 a 10 átomos de bromo. Sua fórmula molecular, C12 H(10-n) O(n) sendo 1 ≤ n
≥ 10. Cada congênere de PBDE varia pelo número de átomos de bromo e pela disposição
destes átomos, sendo possível, em teoria, a existência de 209 congêneres.
Existem três produtos comercializados:
■pentabromodifenil éter (pentaBDE, do inglês
pentabromodiphenyl ether),
■octabromodifenil éter (octaBDE, do inglês octabromodiphenyl
ether) e
■decabromodifenil éter (decaBDE, do inglês decacromodiphenyl
ether).
A grande maioria dos PBDEs apresenta baixa pressão de vapor,
alta estabilidade e lipossolubilidade, responsáveis pela elevada volatilidade e
alto potencial de bioacumulação.
FONTES DE EXPOSIÇÃO AOS ÉTERES DE DIFENILAS POLIBROMADAS
Os PBDEs podem ser lançados no ambiente de diversas maneiras;
pelas indústrias durante a manufatura destes compostos ou pela produção de
materiais que possuem PBDEs em sua constituição, ou ainda pela disposição
inadequada de bens de consumo que os contenham. Outras fontes de exposição
estão relacionadas à utilização e reciclagem de produtos contendo os PBDEs como
computadores, televisores, estofados etc. A absorção dos PBDEs se dá
principalmente por inalação, na maioria partículas emitidas na fase gasosa.
Foram constatados;
■ Jovens de 13 anos de idade, expostos aos PBDEs presentes
em televisores em ambientes fechados desenvolveram erupções cutâneas provocadas
pelos PBDEs.
■ trabalhadores suecos que atuavam desmontando manualmente equipamentos
eletrônicos em jornada de trabalho de 8 horas/ dia apresentaram concentrações
70 vezes maiores de determinados congêneres do PBDE (BDE-183) quando comparados
ao grupo controle.
■ Estudo realizado entre 2002 e 2003 com 157 mulheres
australianas que investigou a presença de PBDEs no leite materno. Em todas as
amostras estudadas foram encontrados diferentes congêneres, principalmente
BDEs–47, –99, –100, –153, –154 e –183 .
■ Estudo similar, realizado com 47 mulheres, verificou
também, níveis elevados de todos os congêneres estudados.
Recentes estudos demonstraram que certos PBDEs se convertem
em outros congêneres. Quando exposto à
luz solar, o decaBDE sofre conversão em outros congêneres de menor peso
molecular que são bioacumulativos. Além disso, podem se converter em formas hidroxiladas
que originalmente não são incluídas nas misturas comerciais.
TOXICIDADE ÉTERES DE DIFENILAS POLIBROMADAS
Vários estudos têm demonstrado o potencial tóxico dos PBDEs,
sendo hepatotoxicidade, alterações imunológicas, neurotoxicidade, ações
endócrinas e desenvolvimento de câncer seus principais efeitos.
Estudo em roedores com administração diária de 5 – 10 mg/Kg
de misturas de PBDEs evidenciou alterações hepáticas, degeneração
histopatológica, hepatomegalia e indução de enzimas microssomais.
Estudos em macacos que receberam PBDEs foram constatados;
■ O comportamento de macacos que receberam PBDEs logo após o
nascimento, observaram déficits motores, de aprendizado e memória, que se
agravaram com a idade. Os autores sugerem que estas alterações foram provocadas
devido à ação dos PBDEs no sistema colinérgico.
■A diminuição dos níveis séricos de tiroxina (hormônio T4), hiperplasia
de células foliculares.
Os efeitos dos PBDEs sobre os hormônios tireoidianos têm
sido atribuído a alterações no transporte, indução de enzimas responsáveis pela
metabolização e também pela ação direta nos receptores destas substâncias.
O decaBDE é classificado pela Environmental Protection
Agency (EPA) como possível carcinógeno humano. Em ratos com administração de
1120 mg/Kg/dia desta substância, a incidência de nódulos hepáticos neoplásicos
é aumentada significantemente. O aumento da ocorrência de adenomas
hepatocelulares ou carcinomas também foi verificado em macacos.
IMPACTO AMBIENTAL - POLUENTES ORGÂNICOS PERSISTENTES (POPs)
Similarmente a outros poluentes orgânicos persistentes (POPs),
os PBDEs são recalcitrantes no meio ambiente devido a sua alta lipofilicidade e
estabilidade química, podendo ser encontrados em diversos compartimentos
ambientais e em fluidos biológicos humanos, tais como tecido adiposo, leite materno
e sangue humano; além de peixes, pássaros, animais marinhos, sedimentos,
alimentos, poeira doméstica e no ar presente dentro e fora de domicílios.
FORAM ENCONTRADOS NA REGIÃO ÁRTICA
A detecção de substâncias, como Penta–, Octa– e DecaBDE,
além de PBBs e HBCD, tem sido feita mesmo em locais remotos, como camadas
polares, onde o lançamento não é esperado, demonstrando grande potencial de
transporte. A região Ártica é importante indicadora da persistência e
bioacumulação de substâncias químicas e os PBDEs já foram identificados em
diversas matrizes presentes nesta região. Portanto, os PBDEs apresentam
características que os qualificam como POPs de acordo com a Convenção de
Estocolmo em 2004 .
Os PBDEs foram identificados pela primeira vez no ar em
1979. Em 1980 estes compostos foram encontrados na biota, a partir de então
vários trabalhos têm demonstrado sua grande capacidade de disseminação nos mais
variados ambientes. Durante os anos 90, a concentração dos PBDEs na biota
dobrou, sendo equivalente a aumento anual de 15%.
REGIÕES ÁRTICAS
Pesquisadores constataram que persistindo a taxa de bioacumulação
de PBDEs em animais das regiões árticas, em 2050 os níveis dos retardantes de
chama já serão maiores que os de bifenilas policloradas (PCBs) . De acordo com
este estudo, os níveis de PBDEs
aumentaram exponencialmente entre 1981 a 2000 na região ártica do Canadá.
MEIO AMBIENTE
Os PBDEs podem atingir o meio ambiente através da disposição
inadequada de bens de consumo, principalmente em depósitos de lixos. O chorume
liberado por estes depósitos pode atingir lençóis freáticos dependendo do tipo
de solo da região, principalmente quando
se trata de aterros sanitários antigos. Além disso, os PBDEs podem ser lançados
juntamente com efluentes industriais, uma vez que estes compostos não são
legislados no Brasil, portanto não há controle de emissão.
O destino de todo material contendo PBDEs é primordial para
avaliação da contaminação ambiental. Estes materiais podem ser descartados
diretamente no ambiente ou sofrerem algum processo de reciclagem. Dados
estatísticos demonstram que cerca de 60% de toda produção de materiais que
apresentam substâncias comprovadamente tóxicas, dentre elas os PBDEs, é
descartada em detrimento às suas potenciais aplicações, como fonte
termodinâmica ou reutilização na produção por reciclagem.
Os processos de reciclagem não são estimulados pela ausência
de normatização e pela baixa sustentabilidade dessas técnicas pela tecnologia existente
ser ainda onerosa. Como conseqüência, destino desses materiais acaba por ser o
meio ambiente. Além disso, a exposição dos trabalhadores a esses compostos em
unidades de reciclagem constitui importante fonte de exposição.
NÍVEIS AMBIENTAIS ELEVADOS DE DIVERSOS COMPOSTOS TÓXICOS
O uso de retardantes de chama bromados elevou os níveis
ambientais de diversos compostos tóxicos como polibrominato dibenzo dioxinas
(PBDDs) e polibrominato dibenzo furanos (PBDFs) que estão presentes em baixas concentrações
(contaminantes) em algumas misturas
comerciais, além de serem gerados no processo de combustão, principalmente
dos PBDEs.
Surpreendentemente, a mistura de substituintes derivados de
cloro e bromo torna possível à formação de aproximadamente 5000 diferentes
dioxinas e furanos: 75 PBDDs, 135 PBDFs, 1550 dioximas bromo/cloro e 3050
furanos bromo/cloro.
DETECÇÃO DOS PBDES EM AMOSTRAS DE ÁGUA
Têm se observado um aumento significativo nas publicações
científicas referentes à detecção dos PBDEs em amostras de água, por este
motivo, em 2005 esta classe de retardantes de chama bromados foi incluída pela
primeira vez na revisão sobre análise de contaminantes emergentes em águas,
publicada a cada dois anos pelo periódico Analytical Chemistry .
REGULAMENTAÇÃO DO EMPREGO DOS PBDES
Ainda que vários estudos confirmem à presença dos PBDEs em
diferentes ecossistemas, pouco se avançou no aspecto legal como medida de
controle do emprego e destino desses compostos.
A crescente ocorrência dos PBDEs em amostras biológicas e
ambientais tem despertado a atenção dos órgãos governamentais.
PROIBIÇÃO DE COMERCIALIZAÇÃO
A união européia proibiu a comercialização do pentaPBDE e
octaPBDE a partir de 2004. Mais recentemente, o decaPBDE teve sua aplicação
restrita. Em julho de 2003, a grande maioria dos estados americanos proibiu a
comercialização de produtos contendo pentaPBDE e octaPBDE.
Em 2006, a EPA divulgou um conjunto de normas para controle
do processo produtivo de uma série de substâncias tóxicas, dentre elas os
retardantes de chama bromados. Este documento denominado Toxic Substance Control
Action (TSCA) estabelece, no item denominado Substance New Use Rule (SNUR), a
racionalização da produção, a avaliação do risco da exposição ocupacional e o destino
comercial destas substâncias.
NO BRASIL, NÃO EXISTEM RESTRIÇÕES LEGAIS PARA O EMPREGO DOS
PBDES
No Brasil, não existem restrições legais para o emprego dos
PBDEs, sendo que a pequena fatia do mercado que emprega retardantes de chama
ecologicamente mais seguros visa exclusivamente atender às exigências de seus importadores,
como “o retardante de chama não‑bromado mais comum preconizado pelo
underwrittens laboratories (UL) do Departamento de Saúde americano para
eletrodomésticos, o composto bis-difenil resorcinol (RDP), descrito como alternativa
de retardantes de chama principalmente pelas suas propriedades não‑bioacumulativas.
A disposição futura dos retardantes de chama bromados ainda
depende da ação conjunta de leis que estabeleçam normas e diretrizes que
definam sobre a disposição desses materiais. A tecnologia empregada nos processos
de reciclagem ainda requer aprimoramento que permita sustentabilidade às
políticas de incentivo, reutilização e reciclagem, estando assim alicerçadas
não apenas sob ponto de vista da preservação ecológica, mas acima de tudo na viabilidade
financeira resultante da atividade paralela de comércio e ampliação dos
negócios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A contribuição dos retardantes de chama para a segurança dos
consumidores é inegável. A relevância da utilização desses compostos fica
evidente pela redução do número de incêndios em função do emprego desses
materiais como aditivos em diversos bens de consumo. Por outro lado, o impacto
ambiental resultante do lançamento desses materiais preocupa pelos efeitos
tóxicos já evidentes em diversos níveis do ecossistema.
É valido lembrar que as conseqüências de hoje refletem um
emprego passado, situação na qual a produção tecnológica, em especial a eletroeletrônica, era insipiente.
Por conseqüência, o sucateamento futuro do que é produzido hoje, constitui-se
um potencial risco, em virtude da ampla utilização destas substâncias.
Os retardantes de chama, dentre os quais se destacam os
éteres de difenilas polibromadas, são aditivos de materiais destinados a torná-los
resistentes ao fogo ou a altas temperaturas, inibindo ou suprimindo o processo
de combustão, dentre os quais se destacam os éteres de difenilas polibromadas (PBDEs, do inglês, polibromated diphenyl ethers).
Devido a sua produção em grande escala e sua difícil degradação, os PBDEs têm
sido um contaminante emergente frequentemente encontrados em diferentes
amostras ambientais, demonstrando que o processo produtivo, em especial o
destino desse material, requer medidas estratégicas que racionalize seu uso.
Apesar da ampla utilização desses aditivos em polímeros (na
maioria derivados de petróleo) e tecidos inflamáveis comumente utilizados, pouco se sabe a respeito
do impacto dessas substâncias sobre o ecossistema. Fonte: Adaptação do artigo “Risco
ambiental da aplicação de éteres de difenilas polibromadas como retardantes de
chama” publicado na Revista Brasileira de Toxicologia 21, n.2
(2008) 41-48
Marcadores: incêndio, Meio Ambiente, segurança

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