RISCO DE INCÊNDIO E ADAPTAÇÃO DE CARREGADORES EM PRÉDIOS RESIDENCIAIS SÃO DESAFIOS PARA CARROS ELÉTRICOS
Ocorrem, em média, 25,1 incêndios a cada 100 mil carros elétricos em circulação, segundo dados divulgados pelos EUA
Carregar 50 litros de
gasolina de um lado para o outro não parece ser algo seguro, mas é isso que
ocorre com milhões de carros pelo mundo todos os dias. Visto por esse lado, os
carros elétricos parecem ser ainda mais amistosos. Mas não é bem assim.
Vídeos em que motonetas ardem
em garagens e Teslas acidentados queimam como fogos de artifício revelam um
novo problema: a dificuldade em se controlar o fogo nas baterias.
"É relativamente mais
difícil controlar as chamas pela composição química presente nas baterias de
íon-lítio. Quando pegam fogo, podem produzir labaredas altas e intensas, sem a
possibilidade de apagar", diz o corpo docente da Flex Company
Treinamentos, escola técnica que oferece capacitação para manutenção e manuseio
de veículos híbridos e elétricos.
Pela complexidade do tema, a
instituição optou por criar um comitê de professores para responder às
perguntas enviadas pela reportagem. Os especialistas disseram ainda que há o
risco de, mesmo após a energia ser cortada, o fogo continuar por mais um longo
tempo.
"Existem substâncias nas
baterias com compostos químicos como o próprio lítio, que é um metal reativo e
pode ocasionar queimaduras graves; o fósforo, que também é um elemento
inflamável e que pode alimentar as chamas; e o cobalto, que pode liberar gases
tóxicos em caso de incêndio."
As probabilidades mostram que
não é caso para pânico, mas, sim, para prevenção. Segundo dados divulgados em
2022 pelo NTSB (sigla em inglês para Conselho Nacional de Segurança nos
Transportes dos EUA), ocorrem, em média, 25,1 incêndios a cada 100 mil carros
elétricos em circulação. O número sobe para 1.529 a cada 100 mil no caso dos
carros com motor a combustão.
Se o pior acontecer, a
situação é especialmente preocupante em garagens, como alerta o arquiteto Paulo
de Tarso Souza, que tem mais de 20 anos de experiência com edificações.
"Se há um incêndio
dentro do estacionamento subterrâneo de um prédio, não há veículo de socorro
que seja capaz de entrar", afirma. "É necessário que façam normas
para garantir alguma proteção, e o subsolo é sempre mais complicado."
"O que deve preocupar
arquitetos, engenheiros e construtores é a nossa capacidade de prever, prevenir
e proteger os imóveis das más empresas", diz Souza, referindo-se a
possíveis problemas de instalações ou adaptações envolvendo pontos de recarga.
Com a futura massificação dos
carros elétricos e híbridos com tecnologia plug-in (que também podem ser
recarregados por meio de tomadas), pode ser necessário mexer na rede de energia
de edifícios que não foram preparados para isso.
O engenheiro eletricista
Victorio da Cruz Amaral, especializado em projetos para condomínios, afirma que
a instalação de uma estação de recarga deve respeitar a norma NBR 17.019 da
ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).
"Seguindo as normas, o
risco é minimizado ao menor fator possível. Todo veículo elétrico já vem com
suas respectivas proteções, e a estação de recarga também tem componentes que
protegem todo o sistema", diz o especialista. "O trabalho bem
executado não gera risco."
Amaral explica que uma estação
de recarga de 7 kW (quilowatts) –como as encontradas em alguns shoppings–
absorve uma potência inferior à registrada em um chuveiro elétrico (7,5 kW).
"Em um edifício antigo, ninguém se preocupa se todos os moradores
instalarem um chuveiro elétrico extra em seus apartamentos."
O engenheiro diz ainda que os
plugues devem utilizar a infraestrutura elétrica de maior potência disponível
no condomínio. "Cálculos de demanda energética devem ser feitos tanto
individualmente como coletivamente, com isso sempre pode ser encontrada a
solução mais adequada e segura para cada condomínio."
Thiago Castilha, diretor da
empresa de carregadores E-Wolf, também afirma que, se todas as normas forem
seguidas, não haverá risco. Entretanto, diz que serviços fora de padrão trazem
problemas sérios.
"Há empresas de
instalação derivando circuitos para os carregadores, o que pode ser muito
perigoso, pois a corrente de recarga de um veículo elétrico pode chegar a até
32A (amperes) e não se sabe como está o circuito embutido na parede, por
exemplo. Está sobrecarregado? Está com pontos quentes? Há emendas?"
Davi Bertoncello, CEO da
Tupinambá Energia, diz que é necessário utilizar dispositivos de proteção, como
o que interrompe o fornecimento em caso de fuga de corrente elétrica. "Sua
principal função é proteger as pessoas de choques que podem ser causados por
equipamentos conectados à rede elétrica."
O executivo cita ainda o
equipamento que protege o sistema caso ocorra um pico de luz.
"Entre os erros mais
comuns já observados em instalações, há a exposição indevida a intempéries, a
falta de dispositivos de proteção contra choques elétricos, o uso de cabos
subdimensionados e os terminais elétricos mal apertados, que podem resultar em
mau contato e sobreaquecimento", diz Bertoncello, que menciona ainda as
responsabilidades do eletricista.
"O profissional
responsável pela instalação deve fornecer uma ART [Anotação de Responsabilidade
Técnica] que descreva o serviço técnico a ser realizado, garantindo a
conformidade do projeto elétrico e a tranquilidade do consumidor."
O executivo afirma que uma
alternativa é a implementação de estações de recarga compartilhadas no
condomínio, onde os usuários realizam e pagam suas recargas por meio de um aplicativo
específico.
A advogada Tatiana Dratovsky
Sister, sócia da área de contratos comerciais do escritório BMA, diz que,
quando se trata de uma demanda individual para a instalação de um ponto de
recarga em uma vaga demarcada, geralmente é o proprietário quem deve arcar com
os custos.
"Mesmo nessa situação, o
morador deve obter autorização prévia e expressa do síndico e do conselho do
condomínio ou da assembleia."
Em relação à legislação,
Tatiana diz que, até o momento, não há uma lei nacional sobre pontos de
carregamento de carros elétricos em condomínios.
"Na cidade de São Paulo,
no entanto, já está em vigor a lei municipal nº 17.336/2020, que torna
obrigatória a previsão de postos de carregamento em todos os condomínios novos
desde o projeto da edificação", diz a advogada.
"A lei também prevê a
individualização da medição do consumo dos pontos de carregamento de uso comum,
mas não especifica como a cobrança deve ser feita."
Mesmo se todas as
especificações técnicas forem seguidas, ainda haverá o risco de incêndio por
problema no veículo. Nesta semana, a Jaguar divulgou o recall do elétrico
i-Pace, que pode apresentar superaquecimento. A solução do problema está na
atualização do software, serviço que leva cerca de uma hora para ser concluído,
segundo a marca.
"Uma condição de
sobrecarga térmica do veículo, com a presença de chamas ou fumaça, poderá, por
sua vez, levar a um incêndio na bateria de alta tensão, podendo se propagar
para todo o veículo. Isso poderá resultar em risco de lesões graves nos
ocupantes do veículo e/ou terceiros", diz o comunicado divulgado pela
empresa.
Em casos como esse, a
responsabilidade é da fabricante.
"As montadoras têm a
responsabilidade de fazer um carro elétrico seguro, que saia da fábrica sem
esse tipo de risco", diz Klaus Mello, gerente de engenharia da Ford nos
Estados Unidos. Ele trabalhou no desenvolvimento das versões elétricas da
picape F-150 e do Mustang Mach-E.
"O que pode acontecer
são coisas como o usuário fazer alguma alteração no veículo ou ocorrer um
acidente que está fora dos cenários que analisamos, mas cabe às empresas
apresentar soluções."
Victor Cruz, fundador e CEO
da Vela Bikes, também aponta o mau uso como uma das causas de incêndios de
bicicletas elétricas que, recentemente, causaram preocupação nos EUA.
"Acompanhamos de perto
os incêndios lá fora, principalmente em Nova York. Sabemos que a maioria dos
casos está relacionada a dois principais fatores: modelos de baixo custo com
economia no sistema de gerenciamento da bateria e serviços de baixa qualidade
na expectativa de recuperar a vida de baterias antigas."
Segundo Cruz, as baterias das
bikes da Vela têm formato cilíndrico e podem ser retiradas. A recarga pode ser
feita dentro do apartamento, mas é preciso ter alguns cuidados.
"Utilizar carregadores
não originais, de especificação inadequada, pode sobrecarregar a bateria e
superaquecer as células. Se esse superaquecimento não for controlado, pode
ocasionar a perda completa da bateria ou até mesmo um incêndio", diz o
CEO.
"Normalmente os cuidados
devem estar mais na parte do carregador, do conector e da bateria em si, mas
não existem muitos cuidados na parte da rede elétrica, pois o carregador tem
consumo baixo, similar ao de uma fonte de notebook."
Para o arquiteto Paulo de Tarso Souza, se há a possibilidade de ocorrer um incêndio, há também a obrigação de criar um protocolo adequado para instalações em prédios, acompanhado de normas padronizadas para combater o fogo em carros elétricos. Fonte: Folha de São Paulo - 1º.dez.2023
Marcadores: acidente, gerenciamento de riscos, incêndio
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