Como os agrotóxicos afetam os pássaros e as abelhas
Estudos internacionais recentes vêm reforçando os argumentos
de ambientalistas de que o uso de agrotóxicos causa danos à fauna das regiões
onde estão as lavouras – às vezes, de longo prazo.
Um deles, divulgado na revista científica Nature, avaliou o
impacto dos inseticidas imidacloprido (neonicotinoide) e clorpirifós
(organofosforado), ambos usados no Brasil, em aves canoras (pássaros que têm a
capacidade de cantar) que se alimentam de sementes. Os tico‑ticos de coroa
branca (Zonotrichia leucophrys), pássaros das Américas analisados na pesquisa,
apresentaram sinais de envenenamento, perda de massa corporal e alteração na
capacidade de orientação durante voos migratórios.
Além dos pássaros, segundo especialistas, qualquer ser vivo
está sujeito a sofrer esses efeitos tóxicos, incluindo insetos, répteis,
anfíbios, mamíferos, peixes, demais organismos aquáticos e espécies vegetais.
"São compostos químicos projetados para ter um efeito
biológico prejudicial ao crescimento, ao desenvolvimento, à reprodução ou à
sobrevivência dos organismos", disse Luis Schiesari, professor de gestão
ambiental da USP.
Organismos da mesma família das pragas, por exemplo, por
serem biologicamente similares, também podem ser atingidos pelos defensivos
agrícolas e ter o mesmo destino.
É o que acontece com a lagarta da soja – centenas de
mariposas parentes dela são envenenadas. Mas o mais grave é que muitos
herbicidas, inseticidas e fungicidas atuam em processos comuns aos seres vivos.
"Algumas moléculas agem no processo da divisão celular,
outras no processo da respiração celular e outras no transporte de íons através
da membrana celular. Existe um potencial enorme de moléculas (das substâncias
químicas) afetarem as espécies não-alvo porque todos os organismos necessitam
desses três processos", explica.
Encontrar espécies não-alvo mortas, inclusive predadores
naturais das pragas, faz parte da rotina de quem trabalha em campos agrícolas
pulverizados com agrotóxicos. Mesmo quando a dose é insuficiente para matá-las,
elas podem ter sequelas como a diminuição da fecundidade, malformações no
desenvolvimento, alterações comportamentais e perturbações hormonais.
"Um pesquisador da Universidade da Califórnia descobriu
anos atrás que o herbicida Atrazina, um dos mais usados no mundo, é capaz de
transformar girinos geneticamente machos em fêmeas numa concentração de uma
parte por bilhão. Mesmo que aquele indivíduo não morra no curto prazo, a
população morre no médio prazo porque, se deixa de ter reprodução, entra em
colapso", afirma Schiesari.
No entanto, fabricantes garantem que esses produtos,
principalmente os mais novos, passam por pesquisas minuciosas para que sejam
eficientes no controle de pragas, doenças e ervas daninhas, e ambientalmente
seguros.
"Vários estudos são realizados desde o início do
descobrimento, verificando sua viabilidade através de estudos preliminares. As
empresas começam com cerca de 160 mil moléculas, mas no final de quatro anos
restam apenas cinco que seguirão os próximos estágios de desenvolvimento",
afirma Andreia Ferraz, gerente de ciência regulatória da Associação Nacional de
Defesa Vegetal (ANDEF).
"Essas moléculas, para seguirem, passam por diversos
estudos toxicológicos e crônicos, e por outros que permitem caracterizar tanto
o destino ambiental, bem como os efeitos para organismos não-alvo."
CERCO FECHADO PARA AS ABELHAS
O fenômeno do declínio populacional de abelhas em conexão
com o uso de agrotóxicos vem sendo acompanhado de perto por vários países e
comprovado por pesquisas como o relatório divulgado pela Autoridade Europeia
para a Segurança Alimentar (EFSA) no início de 2018.
Após analisar mais de 1,5 mil estudos sobre os
neonicotinoides (agrotóxicos derivados da nicotina), o órgão afirmou que os
danos que o agrotóxico causa nas abelhas variam de acordo com a espécie, a
utilização e a via de exposição, mas de modo geral representa riscos para
todas.
Pesquisas anteriores tinham revelado que o composto químico
neurotóxico danifica a memória do inseto – ao sair para buscar alimento, ele se
perde e não consegue voltar para a colmeia – além de provocar a morte precoce
de abelhas rainhas e operárias.
A substância também foi considerada vilã das abelhas por
pesquisadores da Universidade de Neuchâtel, na Suíça, em estudo publicado na
revista Science. Foram encontrados traços de pelo menos um tipo de
neonicotinoide em 75% das amostras de mel coletadas em todo o mundo.
Diante das evidências, recentemente a União Europeia proibiu
três inseticidas da classe desse agrotóxico: imidacloprido, clotianidina e
tiametoxam.
Fungicidas também podem ser fatais para o inseto, segundo
pesquisadores, já que alguns fungos mantêm relações simbióticas com as abelhas.
Outros fatores, como doenças comuns e o desmatamento também
podem ameaçar as colônias. Neste último caso, quando abre-se caminho para o
plantio de grandes plantações, as abelhas acabam se alimentando apenas de um
tipo de pólen e de néctar disponível nesses cultivos. Por causa disso, acabam
enfraquecendo por deficiência nutricional.
PESQUISA INÉDITA COM ABELHAS NO BRASIL
No Brasil, cientistas também observaram a mortalidade de
abelhas intoxicadas por defensivos agrícolas.
"Os inseticidas foram desenvolvidos para matar insetos,
e a abelha é um inseto. Se ela se aproxima, vai ocorrer mortalidade. É um
problema bastante sério no Estado de São Paulo. Não que não aconteça em outros
Estados do Brasil, mas em São Paulo nós temos registro", adverte Roberta Nocelli,
professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que desenvolve
pesquisas em ecotoxicologia de abelhas.
O registro que ela menciona é uma pesquisa inédita no Brasil
realizada pelo Projeto Colmeia Viva com participação da Universidade Estadual Paulista
(Unesp) e da UFSCar. Para fazer o Mapeamento de Abelhas Participativo (MAP),
especialistas estiveram em apiários entre agosto de 2014 e agosto de 2017, com
o objetivo de averiguar a relação da agricultura e apicultura e a aplicação de
agrotóxicos.
Das 107 visitas feitas em campo, 88 possibilitaram essa
análise. Foi encontrada a presença de inseticidas neonicotinoides, de pirazol e
de triazol em 59 casos, dentro e fora das culturas agrícolas (por exemplo,
quando as abelhas buscam água e alimento em áreas de criação de gado).
Os casos de mortalidade do inseto por uso incorreto de
agroquímicos nas lavouras representaram 35,59% das amostras coletadas.
Esses dados se referem à espécie Apis Mellifera africanizada
(uma mistura de subespécies europeias e africanas), conhecida como "abelha
que produz mel". As abelhas que têm origem brasileira não foram analisadas.
"Não podemos mensurar o impacto das abelhas que estão
nas matas. Mas, pelas medições que fazemos com a Apis Mellifera, estimamos que
a mesma coisa esteja acontecendo com as colmeias das colônias de abelhas
nativas. São aproximadamente 3 mil espécies não pesquisadas", afirma
Nocelli.
PERIGO DE EXTINÇÃO DAS ABELHAS
O perigo de extinção das abelhas assusta porque o inseto
desempenha um papel fundamental na produção de alimentos. "É importante
pensarmos que a produção depende do polinizador em boa parte das culturas. E a
abelha é o polinizador mais importante, porque é responsável pela polinização
de mais de 70% das plantas com flores."
Quando os agrotóxicos causam o enfraquecimento ou a morte de
animais polinizadores, as colheitas são menos fartas. Por outro lado, se eles
forem retirados das lavouras, as pragas são capazes de destruir safras
inteiras.
Por isso, não é o fim completo do uso de agrotóxicos que a
maioria dos biólogos e grupos ambientais defende, mas sim um uso mais
responsável desses produtos e a adoção de formas de controle que não agridam o
meio ambiente, como o manejo integrado de pragas, sempre que possível.
Os dez ingredientes ativos mais vendidos no Brasil em 2017:
1. Glifosato
e seus sais
2. 2,4-D
3. Mancozebe
4. Acefato
5. Óleo
mineral
6. Atrazina
7. Óleo
vegetal
8. Dicloreto
de paraquate
9. Imidacloprido
10. Oxicloreto
de cobre
Fonte: Ibama/Consolidação de dados fornecidos pelas empresas
registrantes de produtos técnicos, agrotóxicos e afins, conforme art. 41 do
Decreto n° 4.074/2002.
Fonte: BBC News Brasil-18 de agosto de 2018
Marcadores: agrotóxico, Meio Ambiente
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