Zona de Risco

Acidentes, Desastres, Riscos, Ciência e Tecnologia

quarta-feira, janeiro 18, 2012

Situações de Risco

O ambiente de trabalho, muitas vezes, é o lugar onde se passa grande parte do tempo desperto. Interessa torná-lo mais seguro, produtivo e agradável. Uma das causas da má qualidade de vida, perdas de produção e acidentes no local de trabalho são os erros humanos.

O objetivo de programas é aumentar o bem-estar e a segurança no ambiente de trabalho, reduzir sua freqüência e a severidade de suas conseqüências. Para tanto , uma das condições é a eliminação de situações percebidas como de risco nos locais de trabalho. Tal percepção é construída por fatores objetivos, tais como;
■ condições materiais e experiência de operadores; e
■ subjetivos, tais como a confiabilidade das decisões de operadores, o que remete ao estudo das falhas humanas em situações intrinsecamente seguras, ou seja, ao estudo da confiabilidade humana.

FALHAS HUMANAS
■Falhas humanas podem ser ativas ou latentes, voluntárias ou involuntárias.
■Falhas ativas ocorrem no contexto do acidente - são as causas imediatas que determinaram a ocorrência: atos inseguros ou erros na operação de equipamentos ou dispositivos de segurança.
■Falhas latentes são anteriores ao acidente - atos que criaram condições para a ocorrência, tais como decisões erradas ou modelo incompleto de gestão da atividade.
■Falhas voluntárias são burlas intencionais de procedimentos.
■E falhas involuntárias são induzidas por outras falhas, tais como instrumentação descalibrada ou eventos perturbadores imprevistos.
Muitas vezes, falhas humanas envolvem funcionários habilidosos, produtivos e bem-intencionados: incapacidade não explica todas as anormalidades.

HOMEM-MÁQUINA
Integrar homem e tecnologia pode ajudar a promover a segurança em atividades industriais. Para tanto, é preciso entender como ocorre a interação homem-máquina e como a variabilidade nas situações operacionais contribui para que falhas ocorram.
Em projetos de sistemas do tipo homem-máquina, como em salas de controle, a presença do operador deve ser considerada desde o início do projeto, reduzindo problemas de integração.

Salas de controle de plantas industriais integram sistemas e equipamentos, onde os operadores monitoram, controlam e intervêm no processo por interfaces gráficas e estações de trabalho. A interface integra informações, dados, controles e comandos em telas, condiciona as estratégias de realização da tarefa e é influente na segurança operacional, pois afeta o modo como operadores recebem informações e modificam parâmetros da operação. É pela interface que o operador faz contato perceptivo e cognitivo com a planta.

Projeto e manutenção das instalações de um sistema interativo homem-máquina podem ser baseados em abordagem centrada na tecnologia ou no usuário.

No primeiro caso, as decisões de projeto favorecem o uso e maximizam o desempenho da tecnologia.

No segundo, os requisitos de usuários devem prevalecer nas decisões sobre a interface, e esta deve ser atendida pelos demais elementos do sistema. A participação dos usuários nas decisões sobre o sistema pode e deve ser estimulada ao longo de todo o ciclo de vida do sistema, pois as características das interações podem se modificar ao longo do tempo. A aplicação do método descrito neste artigo produziu ações que podem motivar decisões de mudança no projeto original, sendo um exemplo de como conduzir a participação de operadores usuários na concepção e modificação de um sistema interativo homem-máquina, tal como em instalações petroquímicas.
Nessas instalações, uma situação de emergência, tal como ruptura de tubulação ou vazamento, pode causar impactos econômicos, sociais e ambientais à empresa, à sociedade e às comunidades vizinhas.

Vale a noção proposta por Reason de acidente organizacional, que transcende o acidente individual: um evento frequentemente catastrófico que envolve tecnologia complexa, tal como em plantas nucleares, aviação ou petroquímica.

Também vale a noção de Perrow de acidente sistêmico, mais presente em sistemas sociotécnicos, cuja origem é a interdependência e a interação entre subsistemas de um sistema produtivo complexo. Dificilmente identifica-se uma e apenas uma causa-raiz, cuja erradicação elimina completamente a chance de acidente.

O risco surge como propriedade emergente em sistemas produtivos complexos baseados na interação homem-máquina.

ERRO HUMANO E COGNIÇÃO
Falhas em sistemas produtivos podem ser causadas por falhas em componentes físicos ou lógicos do sistema. Elas podem conduzir a erro, que eventualmente se transforma em problema ou disfunção, em encadeamento de eventos como na figura.

Um tipo de erro que pode ocasionar disfunção em sistemas produtivos é o erro humano. Embora o comportamento humano em ambiente complexo seja de difícil predição e tipificação, vários autores já propuseram definições e tipificações para o comportamento humano em situação de erro.

■ Para Hollnagel, erro humano ocorre quando uma ação falha ao produzir um resultado esperado ou produz consequências não desejadas.
■ Para Sanders e Moray, erro humano é uma decisão ou comportamento que reduz ou tem potencial para reduzir a segurança ou o desempenho de um sistema.
■ Para Reason, há erro humano quando uma sequência planejada de atividades falha na obtenção de um resultado e a falha não pode ser atribuída a agentes externos.
■Para Rasmussen, se o desempenho de um sistema foi insatisfatório devido a um ato humano, esse é um erro humano.
■Para Kantowitz e Sorkin, erro humano é uma ação que viola limites de tolerância de um sistema.
■Para Reason, erros humanos são ações ou omissões que resultam em desvios de parâmetros e colocam pessoas, equipamentos e ambiente em risco.

Uma compreensiva tipologia do erro humano é encontrada em Sharit e Reason, que mencionam: deslize, lapso e engano.
■Deslizes produzem comportamentos observáveis: um operador aciona a chave errada.
■ Lapsos são erros sem comportamentos observáveis: um operador esquece de acionar uma chave.
■ Enganos ocorrem quando há diferença entre intenção e consequência de uma tarefa: um plano mal formulado é executado sem erros. Enganos podem envolver erros de julgamento, de inferência na seleção de objetivos ou na especificação dos meios para atingi-los.

Enganos podem ser por:
■omissão, quando um passo do plano não ocorre;
■seleção indesejada, quando um objeto foi mal selecionado;
■repetição, quando um passo é repetido; ou
■ inversão sequencial, quando um passo ocorre fora da sequência.

Enganos podem ocorrer:
■ no nível de regras, quando há falha na regra de solução do problema, foi aplicada regra errada ou mal aplicada a regra certa; e
■ no nível de conhecimento, quando surgem problemas sem regras, que serão construídas partindo de saberes prévios. Em situações de erro, operadores podem se adaptar e ser capazes de interpretar novas situações e criar definições locais para aspectos implícitos nos procedimentos

Condições para a ocorrência do erro surgem:
■ quando, ao se projetar o sistema, vários fatores podem não ter sido considerados, como, por exemplo, a cultura do trabalhador e as condições do ambiente de trabalho.
■ o erro humano também decorre da interação entre fatores situacionais do contexto e fatores relacionados ao indivíduo, que agem quando este tenta regular as variações do sistema e produz a variabilidade presente nos fatores subjetivos de percepção de risco.

Kantowitz e Sorkin classificaram os principais fatores que explicam o desempenho humano e as possibilidades de erros em sistemas produtivos complexos com interação homem-máquina:
■ fatores operacionais, tais como fadiga, duração e complexidade da tarefa;
■ fatores situacionais, tal como layout da sala e dos painéis;
■fatores ocupacionais, tais como atividades múltiplas e simultâneas, carga de trabalho, tipo de supervisão;
■fatores pessoais, tais como capacitação e experiência individual e de grupo, motivação, atitude, confiança, perda sensorial, idade, peso, altura; e
■ fatores ambientais, tais como temperatura, iluminação, espaço físico e ruído.

Um modo de entender o comportamento humano no momento do erro é entender como alguns aspectos da cognição humana estão estruturados. Para tal, lançam-se mão de modelos cognitivos que representem o processamento de informações numa tomada de decisão ou no desempenho de uma tarefa.

Na aprendizagem humana, ações inicialmente conscientes tornam-se automáticas devido à repetição. A habilidade do operador aumenta, e a tarefa passa a um nível de regulação cognitiva de menor esforço. Em situações novas ou de incerteza, volta a regulação consciente.

A cognição humana pode ser:
■baseada na habilidade, quando requer destreza sensório-motora na tarefa, acionada automaticamente por situações rotineiras segundo um modelo mental adquirido;
■ baseada em regras, quando segue regras construídas por aprendizagem e experiência (o sujeito interpreta a situação e elege uma regra, no espaço de solução possível); e
■ baseada no conhecimento, quando surge uma situação nova, sem regras válidas.

Comportamentos baseados em regras e em conhecimento são processos conscientes: comportamento baseado na habilidade é automático.

A figura apresenta uma representação simplificada do comportamento humano. Começa pela conscientização e percepção da situação. Depois, vem o processamento da informação e a tomada de decisão, ou seja, dentre todas as ações possíveis, qual a que será executada. Finalmente, vem a ação no mundo real e a realimentação de resultados, em ciclo fechado de aprendizagem, que pode levar a novos processos de conscientização e percepção.
Outro modo de representar a cognição humana é como faz Norman. Para o autor, no processo de cognição humana o comportamento humano passa por sete fases de ação:
■formulação do objetivo;
■formulação da intenção;
■percepção do ambiente;
■interpretação do ambiente;
■definição da ação;
■execução da ação; e
■avaliação dos resultados.
Em ambos os casos, a realimentação joga importante papel, interpretando e utilizando os resultados da atividade anterior para influenciar as próximas atividades.

Confiabilidade humana
A confiabilidade humana teve impulso com o acidente nuclear de Three Mile-Island. Reconheceu-se então que a ação humana, condicionada pelo ambiente e por interações sistêmicas, pode levar sistemas produtivos complexos a situações de risco.

Confiabilidade humana é a probabilidade que um operador tenha sucesso em tarefa especificada, dentro de condições e de tempo especificados, se este for limitante, sem outro resultado que degrade o sistema.

Uma tarefa bem-sucedida é aquela que alcançou a meta, dentro das condições especificadas, sem criar perturbações.

Dada a relação com o contexto e interações entre subsistemas, nem sempre dados de literatura podem ser transportados, tornando importante o registro imediato das ocorrências. Informação atrasada ou errada impõe perda de sincronia entre falha e correção. Além da probabilidade de falhas, a confiabilidade humana inclui o estudo qualitativo dos fatores que contribuem para a ocorrência da falha. Além de modelos de avaliação reativa da confiabilidade humana, é necessário considerar modelos causais sociotécnicos adaptativos, com ênfase em estratégias proativas de gerenciamento de riscos.

Inserindo uma perspectiva qualitativa em estudos de confiabilidade humana, Swain e Guttmann propuseram um método para sistemas produtivos com interação homem-máquina, que consiste em:
■ descrever objetivos e funções do sistema, características situacionais e características pessoais dos operadores;
■ descrever e analisar as tarefas para detectar situações passíveis de erro;
■ estimar probabilidades para cada tipo de erro;
■ determinar consequências dos erros e probabilidades de se transformar em disfunções; e
■ propor modificações para aumentar a confiabilidade do sistema.

Outro método é proposto por Filgueiras:
■ análise das tarefas humanas, compreendendo também o contexto físico, psicológico e organizacional;
■análise do erro humano, identificando situações de erro, consequências e possibilidade de recuperação;
■ quantificação dos erros, estimando a probabilidade, a partir de dados históricos, e severidade de efeitos, por julgamento de especialistas; e
■ propostas para evitar os erros mais críticos.

PROCEDIMENTOS REDUZEM A PROBABILIDADE DE ERRO
Um modo de aumentar a confiabilidade humana é o uso de procedimentos formalizados. Um procedimento consiste em uma descrição detalhada de como uma atividade deve ser realizada. Pode incluir fotografias e desenhos que auxiliem o operador a entender a tarefa e facilitem o treinamento. Também podem incorporar melhorias e correções que surgem durante a atividade, tornando-se um documento dinâmico.

Muitas vezes, procedimentos incluem tempos típicos para a atividade, que podem ser usados para verificar a adequação física e psicológica do trabalhador à atividade. O não alcance desses tempos ou o decaimento ao longo do turno podem indicar inadequação laboral à tarefa.
.
Procedimentos incluem condições de trabalho e ações. Operadores atribuem-lhes valor baseado na frequência de sucesso. Quando todas as condições previstas existem, ações bem-sucedidas aumentam a confiança no procedimento. Sem condições perfeitas, operadores utilizam o procedimento mais propenso ao sucesso na condição mais parecida.

Do ponto de vista cognitivo, a existência de procedimentos reduz o nível de complexidade da operação, diminuindo a probabilidade de erro humano, especialmente violação de rotina.

Fonte: Resumo - Análise qualitativa de aspectos influentes em situações de risco observadas no gerador de vapor de uma planta petroquímica, autores; Aline Fernanda de Oliveira, Miguel Afonso Sellitto.

Marcadores: , ,

posted by ACCA@3:20 PM