Menina morreu em hospital após receber medicação errada na veia
A polícia investiga a possibilidade de embalagens iguais terem levado uma auxiliar de enfermagem a confundir o soro que deveria ser aplicado na estudante Stephanie dos Santos Teixeira, 12, com vaselina líquida.
A menina morreu na madrugada de sábado, 4 de dezembro de 2010, após procurar o hospital São Luís Gonzaga, no Jaçanã (zona norte de SP), com vômito.
TROCA DE MEDICAÇÃO
Ela recebeu 50 ml de vaselina na veia, segundo o atestado de óbito emitido pela Santa Casa de Misericórdia, que administra o hospital.
De acordo com a polícia, a suspeita é que, na hora de trocar a embalagem de soro vazia por outra cheia, a auxiliar de enfermagem tenha se enganado e colocado o vasilhame com vaselina.
Médicos dizem que a vaselina, por não se dissolver no sangue, entope as veias e pode até causar uma embolia.
OS FRASCOS SÃO IGUAIS
As duas substâncias eram armazenadas em garrafas de vidro iguais, com tampas azuis, segundo material apresentado pelo hospital. Ambas são transparentes. A única diferença é a identificação do rótulo -feita por uma etiqueta.
A direção do hospital afirmou à polícia que as substâncias ficam guardadas em locais separados.
INQUÉRITO POLICIAL
O caso é tratado pela polícia como homicídio culposo.
O laudo do IML (Instituto Médico Legal), que vai dizer a causa da morte, deve demorar pelo menos 15 dias. A polícia irá ouvir as 16 pessoas, entre enfermeiros e auxiliares, que participavam daquele plantão, além dos médicos responsáveis. Eles foram afastados do trabalho.
A vaselina costuma ser utilizada nos hospitais em pacientes com queimaduras graves. É aplicada na pele para evitar que ataduras grudem na área ferida, diz Adriana Castanho, chefe de enfermagem do hospital particular São Luiz.
ERROS
Arnaldo Lichtenstein, clínico-geral do Hospital das Clínicas e professor da USP, diz que frascos de soro feitos de vidro ainda existem, mas não são comuns. A maioria dos hospitais utiliza a substância em sacos plásticos.
A mãe de Stephanie disse que a filha recebeu duas doses de soro de um recipiente plástico e piorou depois que o soro foi trocado por outro que estava em um vidro. Erros como o esse são raros, diz Lichtenstein.
Ele diz que atualmente já há hospitais que utilizam até leitores de códigos de barra para ter certeza de que o medicamento que será aplicado é o mesmo que foi receitado.
Folha de São Paulo - São Paulo, terça-feira, 07 de dezembro de 2010
AUXILIAR DE ENFERMAGEM
Auxiliar de enfermagem confessou ter aplicado vaselina no lugar de soro na menina Stephanie dos Santos Teixeira, de 12 anos, no Hospital São Luiz Gonzaga, na Zona Norte de São Paulo. Ela prestou depoimento, por cerca de três horas, na tarde desta quarta-feira, 8, no 73º Distrito Policial, no Jaçanã. A mulher de 26 anos estava acompanhada por dois advogados e não falou com os jornalistas.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), a auxiliar de enfermagem afirmou que pegou o frasco com vaselina em um armário em que normalmente eram armazenados apenas os frascos de soro e que por isso, ela não leu o rótulo. O delegado-assistente Antônio Carlos Corsi Sobrinho, do 73º DP, irá questionar o hospital sobre o armazenamento das medicações. Ele também vai esperar a conclusão dos laudos e o resultado da perícia nos frascos, realizado pelo Instituto de Criminalística (IC), para concluir o inquérito.
FRASCOS IGUAIS
Os potes iguais de vaselina e soro usados pelo hospital São Luiz Gonzaga (zona norte) são disponibilizados para os 39 hospitais que fazem parte da Irmandade Santa Casa. A instituição administra o São Luiz Gonzaga.
Fontes: Folha de São Paulo – 07 e 12 de dezembro de 2010, Estadão – 8 e 10 de dezembro de 2010
Comentário:
Stephanie, 12 anos, de São Paulo, morreu após receber vaselina em vez de soro na veia. O mesmo fim teve Helena, 3 anos , de Andira (SP), após tomar uma injeção de ampicilina sódica diluída em cloreto de potássio em vez de água destilada. Verônica, 31, do Rio, foi operada no lado esquerdo do cérebro, quando a cirurgia deveria ser no lado direito. Também morreu.
Chocantes, casos de erros dentro do ambiente hospitalar, seja ele público ou privado, são mais comuns do que se pensa.
■ Só nos EUA, 98 mil mortes ocorrem todos os anos por erros evitáveis cometidos por médicos ou pela área da enfermagem.
■ No mundo, estimativas da OMS dão conta de que as mortes anuais cheguem a 5 milhões.
■ Embora não haja estatísticas semelhantes no Brasil, supõe-se uma realidade parecida. Pesquisa feita em 2007 em um hospital público na zona sul de São Paulo notificou 440 erros no período de um ano.
Falhas de medicação responderam por quase um quinto dos casos. Entre eles, troca de remédio do paciente, medicação certa em paciente errado e erros de dose.
Transcrevo duas abordagens sobre falhas humanas: A primeira de autores brasileiros que chegam a conclusão semelhante a abordagem do Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra
1ª ABORDAGEM - ERROS DE MEDICAÇÃO: QUEM FOI?
A aviação é uma organização considerada modelo em termos de segurança. Seus trabalhadores operam em um sistema complexo, com inúmeras interfaces entre pessoas e tecnologia e, mesmo assim, possui índices de acidentes extremamente baixos.
Os acidentes aeronáuticos são raros, altamente visíveis e dão origem a exaustivas investigações para se saber tudo o que envolveu o acidente, com o propósito maior de aprender com os erros e evitar outros acidentes. Ao contrário, os erros médicos são, na sua maioria, pouco visíveis, subnotificados, e não existem padrões ou métodos de investigação e documentação. O conhecimento obtido com o estudo do erro ocorrido não é difundido.
A aviação nos EUA possui um órgão independente, a Aviation Safety Reporting-System (ASRS), operado pela National Aeronautics & Space Administration (Nasa) e fundado pela Federal Aviation Administration (FAA). Esse órgão desenvolveu um sistema inteiramente confidencial para receber notificações de incidentes de pilotos, comissários ou qualquer outra pessoa. As informações são revisadas por especialistas e o notificador recebe informações e esclarecimentos sobre o resultado dos estudos. Em nenhum momento o nome da pessoa é revelado para fins judiciais, sendo um sistema não punitivo e confidencial. As informações processadas, e com os nomes dos notificadores retirados, podem ser acessadas pelas companhias aéreas com a finalidade de melhorar a segurança de vôo.
Apreendendo com os erros
O ambiente onde trabalham os profissionais de saúde é certamente mais complexo do que os "cockpits" dos aviões; entretanto, algumas lições podem ser aprendidas com a aviação. Os erros devem ser estudados em todos os seus aspectos e dentro de uma abordagem não punitiva e os notificadores dos eventos devem receber retorno da informação que gerou. Tal qual a aviação, há a necessidade de um órgão ou setor independente que possa receber informações sobre erros, protegendo a identidade de quem informou
A falha em uma das etapas do uso dos medicamentos pode ocorrer por distração ou lapso que, a princípio, aparenta pouca importância.
A segurança do uso dos medicamentos se divide, então, em dois segmentos:
■ o primeiro busca a garantia de que o produto seja eficaz e seus efeitos nocivos conhecidos e aceitáveis, e o
■ segundo garantir que o processo de utilização do medicamento seja seguro em todas as suas etapas.
Muitos dos problemas surgidos com o uso dos medicamentos não se enquadram no conceito de reação adversa a medicamento, pois acontecem em doses ou condições não usuais de tratamento e profilaxia. Essa a razão pela qual foram então propostos os conceitos para eventos adversos relacionados a medicamentos e erros de medicação.
O processo de utilização dos medicamentos nos hospitais é complexo, envolvendo de 20 a 30 etapas diferentes. Implica na atuação de diversos profissionais, transmissão de ordens ou materiais entre pessoas, contendo, cada elo do sistema, potenciais variados de ocorrência de erros. Uma redução real dos erros de medicação somente será obtida com uma análise sistêmica do processo, a detecção dos seus pontos vulneráveis e a implementação de medidas para diminuir as taxas dos eventos adversos preveníveis.
O conhecimento atual sobre erros de medicação ainda não possibilita uma visão real e sistêmica da dinâmica desses eventos adversos. Verifica-se, nos numerosos estudos publicados, que a dimensão desses eventos é bem maior do que a imaginada. Vidas são perdidas ou limitadas e valiosos e muitas vezes escassos recursos financeiros são consumidos em decorrência dessas falhas no processo de uso dos medicamentos.
O caráter preventivo intrínseco aos erros de medicação é intrigante: poderá o homem, algum dia, evitar todos os erros ou obter o chamado erro zero ou a perfeição? A condição humana, notadamente falível, não pode pretender isso; entretanto, é preciso ter humildade e sabedoria para aprender com os erros cometidos e usar este conhecimento para melhorar a assistência prestada aos pacientes. Fonte: Mário Borges Rosa; Edson Perini
2ª ABORDAGEM : COMPREENDENDO AS CAUSAS DA FALHA HUMANA
É um estudo feito por um grupo de especialistas para o Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra, ( National Health Service), que aborda a falha humana no contexto geral e no serviço de saúde.
É um relatório muito extenso para publicar, mas relaciono algumas observações importantes desse estudo:
■ O erro humano deve ser visto como uma causa não uma conseqüência de falha
■ Os erros são vistos como sendo formado e provocado por fatores sistêmicos contrários, que incluem a estratégia da organização, sua cultura e a abordagem da gerência para o risco e a incerteza. As contramedidas associadas são baseadas na suposição que enquanto não podemos mudar a condição humana, podemos alterar as condições sob quais as pessoas trabalham, a fim de evitar menos erros cometidos.
■ Quando um evento adverso ocorre, a questão importante não é quem cometeu o erro, mas como e porque as defesas falharam e que fatores ajudaram a criar as condições em que os erros ocorreram. O sistema de abordagem reconhece a importância da recuperação no interior das organizações e também reconhece o processo de aprendizagem, como fator de tal recuperação.
."As ações humanas são um elemento chave em muitos incidentes graves, mas são somente partes da explicação, porque o desastre ataca"
■ O erro é comumente responsabilizado por falhas porque é freqüentemente o fator mais facilmente identificável operando no período anterior ao evento adverso. Contudo dois fatos importantes sobre o erro humano são freqüentemente negligenciados.
• Primeiro, as melhores pessoas podem cometer os piores erros.
• Segundo, longe de serem aleatórios, os erros caem em padrões periódicos. O mesmo conjunto de circunstâncias pode provocar erros similares, independentes das pessoas envolvidas.
■ Qualquer tentativa em gerenciamento de risco, que focaliza primeiramente sobre o suposto erro latente dos processos mentais (esquecimento, falta de atenção, falta de cuidado, negligencia, etc) e não procura externamente remover estas situações de “armadilhas de erros” é certo que vai falhar. Os erros humanos locais são os últimos e provavelmente a menor parcela controlável da seqüência causal que conduz a algum evento adverso.
■ Todas as organizações que funcionam em circunstâncias perigosas tendem a desenvolver barreiras, defesas e proteções que intervém entre a fonte do perigo e as vítimas potenciais ou as perdas que ocorreriam se o risco torna-se realizado.
Estas defesas podem ser;
• ou “rígidos” (controles físicos, automação e projetos de segurança)
• ou “leves” (procedimentos, protocolos, controles administrativos e as pessoas' que interagem com os problemas').
Os elementos humanos de um sistema podem enfraquecer ou criar lacunas nestas defesas de duas maneiras:
• pelas falhas ativas e
• pelas condições ou circunstancias latentes
.As falhas ativas são os atos inseguros cometidos por aqueles profissionais que interagem com os problemas. Estas podem ser por deslizes, lapsos, erros ou violações de procedimentos. Têm um impacto imediato e geralmente transitórias nas camadas defensivas. Tendem também a ocupar um “espaço” em toda a investigação subseqüente.
As condições ou circunstâncias latentes são comparáveis aos sintomas de doença no corpo. Por eles, freqüentemente não fazem nenhum dano particular. Podem encontrar-se adormecido no sistema por longos períodos antes de combinar com os fatores locais e as falhas ativas para penetrar ou contornar as defesas. A pesquisa sugeriu que as organizações podem inserir as precondições para a falha, e que esta pode ocorrer muitos anos depois.
A figura mostra, a quebra de defesas é ilustrada com base na analogia do “queijo suíço”. De acordo com ela, o acidente ocorre quando a falha mostra-se capaz de passar pela série de barreiras defensivas existentes no sistema.
■ Uma visão da causa de acidente muito corrente nos campos da aeronáutica e de usina nuclear é chamado “o modelo do queijo suíço”. Isto é ilustrado na figura.
Idealmente, todas as defesas que separam perigos das perdas potenciais devem ser intactas; mas, na realidade, são mais como fatias do queijo suíço, cheio de buracos.
Ao contrário dos buracos do queijo suíço, entretanto, as lacunas em sistema de defesas estão continuamente abrindo, fechando e mudando de posição. São criados, como discutida acima, por falhas ativas e por circunstâncias latentes. O perigo sério aumenta quando um conjunto de linhas de buracos permite uma abertura momentânea de oportunidade para o acidente. Nas empresas de tecnologia os sistemas bem-defendidos (por exemplo, fábrica de aviões. usinas nucleares,), com muitas camadas de barreiras e de proteções, tais oportunidades do acidente são raras, mas podem ter conseqüências devastadoras. Em muitos campos da clínica médica, entretanto, pode haver relativamente poucas fatias protetoras intervindo entre o perigo e o dano.
■ Resultado final: Pesquisa especificamente focalizada em sistemas de serviço de saúde, sugere que cerca de 70% de incidentes adversos são evitáveis. Entretanto, os erros possam ser minimizados, eles nunca serão completamente eliminados, particularmente onde os volumes elevados de atividades ocorrem. Estimou-se, por exemplo, que um hospital com residência médica com 600 leitos, com índice de 99,9% isentos de erros de pedidos de medicamentos, a distribuição e controle experimentará 4.000 erros de receitas de droga ao ano.
Assim medidas devem ser tomadas para limitar as conseqüências adversas desses erros que ocorrem ainda. Isto envolve, projetando ou modificando sistemas, de modo que possam ser mais capazes para tolerar erros humanos inevitáveis e controlar suas conseqüências prejudiciais.
Enquanto esses erros cometidos próximos à pessoa tende alocar volume de seus recursos para tentar fazer indivíduos menos falíveis, o sistema indica a abordagem para um programa detalhado dirigido simultaneamente em pessoas, equipes, tarefas, locais de trabalho e instituições. Não há única solução que pode ser aplicada em cada circunstância.
Desde que os eventos adversos graves têm raramente uma única causa isolada, tentativas de prevenir ou atenuar eventos adversos necessita dirigir-se não somente a cadeia de eventos simples, mas ao sistema como um todo. Enquanto os detalhes de alguma falha futura dificilmente podem ser previstas, as defesas podem ser instaladas que limitarão seus efeitos danosos. Fonte: An organisation with a memory - Report of an expert group on learning from adverse events in the NHS, chaired by the Chief Medical Officer
Marcadores: acidente, responsabilidade civil, saúde
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