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terça-feira, fevereiro 12, 2008

Perigo oculto no banco traseiro do Fox

Em dezembro de 2004, Gustavo Funada estava com carrinho de supermercado carregado de compras e teve certeza que essas mercadorias não caberiam no pequeno porta-malas de seu Fox 2004.
Imagina numa situação em que você quer colocar rapidamente as compras no carro e aumentar o espaço do porta-malas. Era rebater os bancos traseiros.

"Não achei a alça e puxei a trava do encosto, ela prendeu meu dedo e o banco despencou, decepando o dedo da mão direita. Tudo numa fração de segundos", diz Gustavo. Após duas cirurgias e sessões de fisioterapia, ele ainda sofre com dores e tem dificuldade para segurar objetos.

Reclamação a Volkswagen
Ele procurou a empresa, que afirmou que o acidente havia sido causado por uso indevido do sistema. " Em nenhum lugar estava escrito que eu poderia perder o dedo. No começo achei que tinha sido ignorância da minha parte, mas comecei a procurar outros casos semelhantes e encontrei mais de 20" disse ele, que utilizou o site "Orkut" para entrar em contato com outros proprietários do Fox acidentados.

O rebatimento do banco é uma armadilha
Para aumentar o porta-malas, o processo é feito em duas partes. Primeiro deita-se o encosto e depois levanta-se o assento, que sai do assoalho e se dobra para frente, junto com o encosto, formando um pesado "sanduíche". O sistema é o mesmo no CrossFox e na SpaceFox.

Comportamento de risco
"Existe a situação que leva a um comportamento de risco", afirma Márcio Montesani, perito em acidentes automotivos do Núcleo de Perícias Técnicas de São Paulo e professor de perícia da Unicamp, que fez dois tipos de análise para elaborar um laudo técnico. Primeiro tentou rebater o banco inteiro seguindo as instruções do manual do proprietário e depois analisou o comportamento intuitivo de quem não tivesse seguido nenhuma recomendação. Nos dois casos, o usuário corre risco de se ferir, concluiu o laudo.

Manual orienta para uma situação potencialmente perigosa

Foto: O perigo está em o motorista encaixar o dedo na argola embaixo do banco

Tanto o manual quanto a etiqueta orientam a rebater o banco pelo porta-malas. É onde mora o perigo. Ele começa já na trava que prende o assento. A etiqueta induz o usuário a puxar uma barra de aço para destravar o banco, depois de ter rebatido o encosto. O problema é que essa barra tende a prender a mão depois que o assento se desprende.
E esse não é o único nem o maior problema. Após destravar o assento do assoalho, o duro é levantar e empurrar o pesado conjunto para frente, usando uma alça de náilon flexível. A dificuldade é ainda maior para os baixinhos, que têm de jogar o corpo todo para dentro do porta-malas para alcançar a alça. "Para não perder o equilíbrio, a pessoa terá o instinto de apoiar uma das mãos no assoalho do porta-malas", diz o perito. Nessa posição, segundo ele, são grandes as chances de o motorista se desequilibrar e o banco cair sobre a mão. As partes metálicas aumentam o risco de ferimento.
O perito não encontrou no manual um alerta sobre o perigo caso o banco retorne quando é rebatido pelo porta-malas - acesso recomendado tanto pela etiqueta quanto pelo manual. Para Montesani, essa orientação induz a riscos. O mais seguro seria rebater o banco pelas portas traseiras e não pelo porta-malas.

1-O manual do Volkswagen Fox orienta o proprietário a fazer o rebatimento do banco pela traseira do carro, com a porta do porta-malas aberta
2-O primeiro passo para rebater o banco é destravar o encosto. Para isso, basta puxar uma alça flexível que fica presa numa argola de metal
3-Acidentes ocorrem quando a pessoa, instintivamente, coloca o dedo na argola de metal. Destravado, o mecanismo puxa a argola com força, o que pode decepar a ponta do dedo

A partir de 2004, a Volkswagen alterou o manual
Acrescentando uma ilustração em que o motorista aparece baixando o banco por uma das portas traseiras. Porém ainda não há recomendação escrita que enfatize isso. A fábrica não explica o que motivou essa alteração, só divulgou que os manuais passam por revisões periódicas para aperfeiçoar as informações. Mas o perito critica que até o manual mais novo continua sem alertas para o risco de se prender a mão sob o banco.

Registros de acidentes
No total, há relatos de 22 pessoas machucadas no País, que nos últimos três anos tiveram de unhas e peles arrancadas a esmagamentos e dedos decepados.
A montadora reconheceu apenas oito casos (em que clientes tiveram a mão mutilada), que "ocorreram durante operações que não seguiam as indicações do Manual do Proprietário, e em situações diversas, sem um padrão entre elas".

Testemunhas
1-"Existe uma guilhotina dentro do Fox. Segui a explicação da etiqueta e amassei meus dedos." Antônio Edison Félix de Sousa, Goiânia (GO).
2-"A trava de aço me pegou igual a uma ratoeira. Meu dedo ficou esmagado no assoalho e minha unha ficou roxa.", Márcio Gorodicht, São Paulo (SP).
3-"Fiquei 10 minutos com a mão presa. Precisei pedir ajuda. Ela ficou anestesiada por uma hora e os dedos, 15 dias amassados." Silvio Marques, Pouso Alegre (MG).
4- Antônio Edison de Sousa, de Goiânia (GO), teve três dedos amassados e passou por cirurgia de reconstituição. "Segui a etiqueta. Enfiei a mão lá, como mostra a figura, e puxei a barra. Meus dedos ficaram presos e depois o assento caiu. Meus dedos saíram pendurados", diz ele, que rebatia o banco pela primeira vez.

Notificação de órgãos de defesa do consumidor
A Volkswagen foi notificada em 7 de fevereiro de 2008, pelos dois principais órgãos de defesa do consumidor do país, o Procon e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a prestar esclarecimentos sobre os acidentes com o porta-malas do modelo Fox.

Alegação do fabricante
A Volks alega que, além do manual do proprietário, há instruções coladas na parte traseira do encosto do banco em duas versões. Uma reproduz um passo-a-passo ilustrado sobre como proceder ao realizar o rebatimento do banco para aumentar ou diminuir o espaço do porta-malas. A outra alerta para que a operação seja feita só após a consulta ao manual devido ao risco de acidente.

Volks fornece anel de borracha para evitar acidentes com o Fox
A instalação de um anel de borracha é a solução escolhida pela Volkswagen para acabar com o problema envolvendo o rebatimento do banco traseiro do Fox. A fábrica disponibiliza a partir do dia 11 de fevereiro, na sua rede de concessionárias a instalação do anel de borracha envolvendo a argola - na qual muitos proprietários se machucaram gravemente ao rebater o banco. O anel de travamento de borracha será instalado no cabo de tração para destravamento do encosto do banco traseiro, cobrindo totalmente a argola de metal que fixa esse cabo.
De acordo com a fábrica, o anel será instalado apenas nos modelos com banco traseiro com ajuste longitudinal (ARS), nos quais o encosto é destravado com a ajuda da cinta.
Nos bancos que são destravados por meio de dois pinos localizados nas partes superiores direita e esquerda do encosto, a argola e a cinta não existem.

Fontes: Quatro Rodas - Outubro 2006, Agencia Estado – 7 de fevereiro de 2008, Zero Hora Online – 07 de fevereiro de 2008 e G1-São Paulo – 11 de fevereiro de 2008

Comentário
Na realidade qualquer projeto, a empresa tem de projetar um dispositivo de operação do banco que impeça que o consumidor possa efetuar uma operação contrária a um procedimento julgado seguro pela empresa.
Segundo Wisner, a ergonomia é um conjunto de conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários à concepção de instrumentos, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto e eficácia. E podemos dizer com segurança. E não devemos esquecer da antropometria, medidas físicas do corpo humano, aplicadas no dimensionamento do espaço de trabalho (operação a ser executada).

Princípios básicos de um projeto, que devemos levar em consideração;
■ Uso Eqüitativo: o projeto é utilizável por pessoas com habilidades diversas.
■ Uso flexível: O projeto acomoda uma ampla faixa de preferências e habilidades.
■ Uso simples e intuitivo: O projeto é fácil de ser compreendido e independe da experiência, conhecimento, habilidades de linguagem, ou nível de concentração do usuário.
■ Informação de fácil percepção: O projeto comunica a informação necessária para o usuário, independente de suas habilidades ou das condições do ambiente.
■ Tolerância ao erro: O projeto minimiza riscos e conseqüências adversas de ações acidentais ou não intencionais.
■ Baixo esforço físico: O projeto pode ser usado eficientemente, confortavelmente e com o mínimo de fadiga/esforço.
■ Dimensão e espaço para aproximação e uso: Prover dimensão e espaço apropriados para o acesso, o alcance, a manipulação e o uso independente do tamanho do corpo, da postura ou mobilidade do usuário. (fonte: Engo Márcio Montesani)

O perfil do consumidor é amplo em relação a uma simples operação de montagem e desmontagem que envolve; habilidade, concentração, esforço, procedimento que o consumidor julga seguro, mas torna-se a operação perigosa (é a falta de percepção do perigo).

Quando houve a primeiro caso de acidente a Volkswagen já deveria te analisado o problema e aceito a reclamação, pois o registro de acidente é um fato real e a prevenção de riscos já deveria ser acionado para analisar o que há de errado na operação de rebatimento do banco que o fabricante julga seguro, mas para alguns consumidores torna-se inseguro. Na essência para que um dispositivo possa ser considerado seguro, o fabricante deve criar barreiras ( não deixar opção de procedimento) para que possa direcionar o consumidor para fazer uma operação correta.

No caso em questão temos uma alça grande e também um anel grande fazendo um conjunto em que o fabricante julga que o consumidor utilizaria apenas a alça e deixando aberto o acesso ao anel para que o consumidor possa colocar o dedo. A Volkswagen poderia ter analisado durante a fase de projeto, o risco mais grave da operação que seria; o consumidor poderia segurar a alça com uma mão e a outra poderia colocar o dedo no anel.

Acessando o site da Volkswagen em um dos tópicos sobre cliente, ela diz: “Colocamos as expectativas dos nossos clientes externos e internos no ponto central da nossa atuação. O nosso sucesso é medido através da satisfação dos clientes com os nossos produtos e serviços, e da sua fidelidade em relação à empresa”. É o famoso marketing do “botox”, só cuida da aparência. O primeiro acidente ocorreu em 2004, até agora não foi solucionado.
Devemos lembrar, por mais ridícula que possa ser a reclamação do consumidor, ela sempre deve ser levada em consideração, pois pode ser que uma grande incidente ou inovação esteja por trás dessa operação. A Volkswagen entende que o óbvio para ela na operação de rebatimento do banco é o óbvio para o consumidor, mas nem sempre é essa solução e os fatos não importam, quanto são inadmissíveis , são ainda os fatos. Por detrás de um pequeno defeito estará sempre um risco latente.

O mais interessante sobre essa controvérsia é o esclarecimento dado pelo presidente da Volkswagen do Brasil na TV Globo, durante o Jornal Nacional do dia 8 de fevereiro, explicando que o cliente fez um procedimento em desacordo com a manual, portanto, não existe recall. Com esse principio o consumidor que não obedecer o manual, para o presidente da Volkswagen não existe recall, contrariando o código de defesa do consumidor que especifica que o fabricante deve colocar no mercado um produto seguro após analisado todos os possíveis riscos inerentes ao produto. Imagina uma criança brincando no porta-malas com o dispositivo de rebatimento do banco visível e fácil acesso para manuseá-lo.
Em qualquer situação a Volks alerta que o proprietário deve ler o manual para efetuar a operação. Imagina você em um local com pouca luminosidade necessita da ampliação do porta-malas e deve ler o manual, para que o banco não se transforme numa guilhotina ou numa ratoeira para prender ou decepar dedos, mãos, etc. É uma operação de guerra.

Agora a Volkswagem emite um comunicado que vai colocar uma peça extra no banco do automóvel Fox para evitar acidentes aos usuários. O procedimento começa a ser feito imediatamente, sem custos para o proprietário do veículo, na rede de concessionários da marca. O anel de borracha foi a solução encontrada pela Voklswagen. A solução parece paliativa. Qual é a durabilidade de um anel de borracha? No Brasil a vida útil de um carro em circulação é muito alto.
É o jeitinho alemão com influência brasileira para não reconhecer defeito no projeto de rebatimento do banco e a convocação do recall. O jeitinho alemão parece que é, mas não é recall.

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posted by ACCA@3:57 PM

1 Comments:

At 1:44 AM, Blogger Unknown said...

Bom vou comprar um Fox usado ano 2004 e vou dar uma olhadinha no porta-malas.

 

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