Exame antidoping em empresas gera debate sobre o direito à intimidade
O uso de exames que detectam substâncias psicoativas em
empresas divide as opiniões de especialistas. Enquanto companhias que os
aplicam dizem ter a saúde e a segurança dos funcionários em mente, há quem veja
uma violação da intimidade.
Não há uma lei ou norma específica que regulamente o uso
desses testes por meio da análise de amostras biológicas, como urina, saliva e
cabelo. A exceção são os motoristas profissionais e os aeronautas (pilotos,
comissários e mecânicos de voo), obrigados a passar pelo exame.
Na opinião de Fabíola Marques, professora de direito do
trabalho da PUC-SP, a empresa só pode aplicar o teste se tiver o consentimento
do profissional e comprovar que, por conta de sua função, o uso de álcool ou
drogas ameaça a vida dele ou de outras pessoas.
COMO OS EXAMES TOXICOLÓGICOS FUNCIONAM
1-CABELO:
Indica uso de drogas 30 a 90 dias após o consumo; detecta
todas as substâncias reconhecidas nos testes de saliva e urina, exceto álcool;
COMO É FEITO:
O responsável pela coleta corta uma mecha do cabelo do
funcionário rente à raiz. Se o empregado não tiver cabelos, deverá entregar
pelos para a realização do exame; para quê: consegue verificar se a pessoa é
dependente química. Pode ser usada para testes admissionais ou para
profissionais com atividades de alto risco
2-SALIVA:
Identifica a presença
de substâncias químicas de 15 minutos a 48 horas após o consumo; detecta
álcool, cocaína ou crack, maconha, ecstasy, opióides, anfetaminas (rebite),
metanfetaminas, ketamina e barbitúricos;
COMO É FEITO:
O funcionário mastiga um pedaço de poliéster absorvente por
60 segundos e o insere em um tubo com líquido reagente; para quê: pode ser
usado antes de um empregado exercer uma atividade de risco, quando apresenta
uma alteração comportamental ou logo após sofrer um acidente.
3-URINA
A aponta o uso de substâncias químicas de seis horas a seis
dias após o consumo, dependendo do metabolismo; detecta as substâncias analisadas
na saliva, além de fentanil, CHB, spice, metadona, antidepressivos, tricíclicos
e tramadol;
COMO É FEITO:
o funcionário urina em um potinho e o entrega ao
responsável; para quê: é o mais aplicado nos programas de prevenção do uso de
drogas
Na prática, muitas empresas adotam o exame toxicológico já
na seleção de candidatos a vagas e também submetem funcionários periodicamente
ao teste.
Especializado em exames toxicológicos, o laboratório
Maxilabor, em São Paulo, diz ter uma clientela de 250 companhias no país. A
maioria delas são empresas nas quais a execução de tarefas sob o efeito de
álcool e drogas oferece risco de acidentes graves -caso de indústrias, empresas
aéreas, transportadoras e mineradoras.
Segundo o diretor-médico do laboratório, o toxicologista
Anthony Wong, algumas dessas firmas aplicam os testes apenas em profissionais
que executam funções mais críticas. Outras submetem todos os funcionários com o
intuito de não haver distinção entre empregados.
Para Fabíola Marques, a tática faz sentido do ponto de vista
legal, pelo princípio da igualdade, ou seja, de não conferir tratamento
diferenciado a grupos de funcionários. Mas o profissional não pode ser coagido
a participar, diz.
Wong afirma que, nas empresas em que atua, a escolha de
participar ou não cabe sempre ao funcionário. Quem se recusa a passar pelo
exame, contudo, fica sob o que chama de "uma vigilância discreta".
"O funcionário não pode ser constrangido a assinar o
documento de adesão. Ele só assina se quiser, mas nosso índice de aceitação é
de 99,3%."
De acordo com o médico, todo o processo, desde o sorteio dos
funcionários aos resultados dos testes, ocorre em sigilo. Se uma substância é encontrada no exame, o profissional é
submetido a uma avaliação psicológica. Se necessário, é encaminhado a
tratamento.
O programa pode ser usado até por companhias que não
desempenham atividades consideradas de risco, segundo o toxicologista.
DIREITO À INTIMIDADE
Se não há risco envolvido, o que prevalece, na opinião da
advogada Marques, é o direito à intimidade, previsto na Constituição. Ela cita
ainda a lei 9.029, que proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória para
o acesso ao emprego ou a sua manutenção.
"Se o que o funcionário fizer na vida privada não tiver
repercussão na sua condição de trabalho, não é legítimo que o empregador faça
nenhum tipo de invasão", afirma Valdirene de Assis, procuradora do
Ministério Público do Trabalho.
Já o advogado Rafael Spadotto, professor da pós-graduação de
gestão de pessoas da Faap, argumenta que a exigência do teste em si não pode
ser considerada uma violação da intimidade. O problema só existe, segundo ele,
quando há a exposição de quem foi sorteado para fazer os testes ou a divulgação
dos resultados. O advogado também ressalta que o profissional não pode ser
demitido caso o resultado dê positivo. A dependência química não é mais
considerada causa para dispensa, mas condição para tratamento."
A Anamt (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), em
diretriz técnica, não recomenda a aplicação do teste toxicológico como medida
isolada para prevenção de acidentes de trabalho.
A presidente da entidade, Marcia Bandini, diz que não há
evidências em artigos científicos de que a prática reduza o número de
acidentes.
Segundo a médica, se a empresa quiser aplicar o
rastreamento, os exames devem fazer parte de um programa robusto de prevenção e
reabilitação do uso de álcool e drogas.
Já Sérgio Duailibi, médico especialista em dependência
química, acredita que o uso de testes, também dentro de um programa, é uma das
medidas ambientais mais efetivas para evitar acidentes, por levar à mudança do
comportamento. "Se o funcionário tem medo de ser pego, para de usar
drogas, pelo menos perto da data em que vai trabalhar." Fonte: Folha de São Paulo - 11/05/2019

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