O gigantesco mar de lixo no Caribe com plástico
Latas, potes, talheres de plástico, roupas velhas, seringas
e até animais mortos.... Trata-se de uma ilha de lixo que flutua no Mar do
Caribe, entre as costas de Honduras e Guatemala, um camada de objetos
descartados que periodicamente chega às praias e que, ultimamente, tornou-se
uma fonte de tensão nas relações bilaterais entre os dois países.
Tirado da ilha hondurenha de Roatan, as fotos mostram
talheres de plástico, sacos, garrafas e embalagens flutuando entre as algas
marinhas. Uma imagem, tirada de baixo da linha de água, mostra o sol bloqueado
pelo grande peso da poluição despejada no oceano
A fotógrafa britânica Caroline Power publicou várias fotos
que mostravam as águas próximas à ilha turística de Roatán, cobertas de uma
massa de detritos de todos os tipos. Ela vive em Roatan, uma ilha que tem
apenas 20 km de comprimento e 6 km de largura, compartilhou as imagens nas
mídias sociais para conscientizar do problema.
Após a publicação das fotos e a chegada do lixo flutuante em
vários municípios da costa norte hondurenha, ambos os governos realizaram uma
reunião para discutir possíveis soluções para o imbróglio que se estende há
mais de três anos, de acordo com as autoridades locais.
RESPONSABILIDADE
Quem é o principal responsável pelos derramamentos?
De um lado, Honduras acusa seu vizinho de causar a poluição
que atinge as praias de Omoa, Puerto Cortés e as Ilhas da Baía. Do outro, a
Guatemala diz que é o país vizinho que derrama o lixo que o afeta.
OS EFEITOS
Carlos Fonseca vive há 60 anos na comunidade de Travesía, no
município de Puerto Cortés, no norte de Honduras, e diz que há alguns anos
passou a ser rotina limpar o lixo que chega à sua casa.
"Nas estações chuvosas, limpamos logo cedo e à tarde
está cheio de lixo de novo, como se não tivéssemos feito nada. São pilhas e
pilhas de lixo por todos os lados", conta à BBC Mundo.
Fonseca diz que são os vizinhos que, na maioria dos casos,
são encarregados de limpar o lixo que chega à praia, ante a passividade das
autoridades municipais.
"É uma situação infeliz, porque é lixo, traz doenças.
Não sei se é daqui ou da Guatemala, mas para a gente é um pesadelo", diz
ele.
José Antonio Galdames, ministro dos Recursos Naturais e Meio
Ambiente de Honduras, disse que o problema do lixo que chega ao país está se
tornando "insustentável" não só para o município de Omoa, um dos mais
afetados, mas também para algumas ilhas e praias que constituem alguns dos
principais destinos turísticos da nação centro-americana.
Na opinião do ministro, a presença de detritos flutuantes
tem um impacto negativo em quatro dimensões básicas, pois gera danos
ambientais, ecológicos, econômicos e de saúde.
"As pessoas não querem ir à praia porque têm medo da
contaminação. Não é bom se deitar em uma areia onde você coloca suas costas e
há uma agulha embaixo, ou você entra na água e fica com medo de encontrar algo
contaminado", afirma.
BARREIRA DE CORAL
Ian Drysdale, engenheiro ambiental que coordena uma
iniciativa para a proteção do Sistema Arrecifal Mesoamericano, garante que essa
barreira de coral, a segunda maior do mundo, é uma das principais afetadas pelo
lixo. "Devido aos movimentos das correntes marinhas, isso pode ter um
impacto negativo em toda a barreira, tanto na parte que pertence a Honduras
quanto na que pertence à Guatemala. Eu já encontrei lixo diversas vezes na
região dos recifes de coral", conta o engenheiro.
MAS DE ONDE VEM TANTO LIXO?
Galdames diz que por trás da poluição atual está o lixo do rio Motagua, que atravessa a maior parte da
Guatemala e desemboca em Honduras.
"A maior parte da bacia do Motagua está no lado
guatemalteco. Dos 95 municípios que estão ao longo do rio, 27 estão despejando
resíduos sólidos. Nós temos apenas 3 municípios que fazem fronteira com o rio.
Por isso, 86% das descargas provêm deles", diz o ministro hondurenho.
Ele acrescenta que, quando as autoridades de seu ministério
realizam inspeções, geralmente encontram objetos escritos "Made in
Guatemala".
MAS ISSO, AFIRMA, NÃO É O PIOR.
"Estamos recebendo roupas, plástico, lixo hospitalar,
objetos manchados com sangue, agulhas, seringas, animais e até mesmo corpos
humanos, devido ausência de aterros na maioria dessas comunidades na Guatemala,
na época de chuvas, a água drena o lixo para o rio, que o leva ao mar e depois,
pelo movimento das correntes marinhas, se move para alguns municípios e ilhas
de Honduras", diz Galdames.
CONTAMINAÇÃO DO CARIBE
Rafael Maldonado, do Centro de Ação Jurídica Ambiental e
Social da Guatemala, apoia essa teoria e acrescenta que, por trás dessa
situação, há políticas equivocadas de sucessivos governos do país.
"A responsabilidade por este conflito do lixo é do
governo guatemalteco, que durante anos evitou tomar medidas para evitar novos
despejos nos rios", diz ele.
De acordo com o especialista, para evitar o investimento
público milionário para criar um sistema capaz de evitar que o lixo termine nos
rios, as autoridades da Guatemala adiam desde 2006 um regulamento para evitar a
contaminação do Caribe.
"O que está acontecendo em Honduras é o resultado de
uma má gestão ambiental na Guatemala. Honduras está recebendo o lixo de grande
parte da Guatemala, incluindo a capital, que despeja seu lixo no rio Motagua e
o leva para o mar. Isso acontece há anos e os governos não deram qualquer
importância para não ter que fazer o investimento necessário", diz ele.
CONTROVÉRSIA
No entanto, o Ministro do Meio Ambiente da Guatemala, Sydney
Alexander Samuels, considera que seu país está tomando as medidas necessárias
para controlar os despejos no Caribe e garante que os rios hondurenhos são os
principais responsáveis pela atual situação.
"As acusações só levam em conta a parte da Guatemala.
Eles também devem considerar o que estão fazendo. Eles têm um rio lá, o
Chamelecón, que é praticamente um esgoto de Puerto Cortés e San Pedro Sula. A
maior parte do lixo que chegou a Roatán é de Honduras", disse o Ministro
do Meio Ambiente da Guatemala.
Samuels sustenta que seu governo nunca recebeu informações
sobre a citada descoberta de corpos humanos entre no lixo transportado pelo
rio.
"Eu nunca ouvi falar de cadáveres humanos lá. Se for
esse o caso, teria que ser investigado de onde eles vieram. Eu não tinha ouvido
isso", diz ele.
"Sim, nós contaminamos o Mar do Caribe através do rio
Motagua. Mas eu esclareço que não é só o Motagua, mas também Chamelecón e Ulúa
(dois rios de Honduras), e também asseguro que no próximo ano já não estaremos
transportando lixo para esse mar, pois teremos toda a infraestrutura para que
isso não aconteça", afirma.
O engenheiro ambiental Ian Drysdale, disse também que Honduras tem sua responsabilidade
no atual "mar de lixo".
"Há muitas comunidades em Honduras que não tem nem
sequer um caminhão para coletar o lixo. A gente despeja o lixo nos rios e mais
de 80% dos rios hondurenhos fluem para o Mar do Caribe. Esse costume de culpar
o outro pela sua responsabilidade é muito comum. Acho que o problema do lixo é
de todos", diz ele.
PRESSÕES E SOLUÇÕES
Além da disputa em torno das responsabilidades, outro tema
que gera polêmica entre os dois países são as possíveis soluções para essa
situação.
O ministro do Meio Ambiente de Honduras, embora não queira
ignorar o trabalho do país vizinho para conter o despejo, questiona que as
propostas da Guatemala estão orientadas "a médio e longo prazo".
"Eles estão falando sobre as soluções que entrarão em
vigor em 2018. Mas nós pedimos para que eles tomem medidas imediatas: limpar os
rios, limpar as praias, parar de jogar o lixo nos rios e fechar os despejos
clandestinos. E que estabeleçam um sistema de alerta precoce para que possamos
estar preparados para saber que o lixo chegará", diz ele.
"Não estamos à procura de problemas, não estamos à
procura de ações judiciais. Estamos procurando responsabilidades comuns, mas
diferenciadas, esse é o princípio. Se você tiver responsabilidade em 86% dessa
bacia, deve ser sua responsabilidade procurar uma solução", acrescenta.
ACORDOS INTERNACIONAIS.
Galdames afirma que, se ele não receber uma resposta
positiva até o final de novembro, seu país tomará medidas de acordos das organizações
internacionais.
"Se eles não fizerem nada em cinco semanas, nos
reservamos o direito de proceder de acordo com o estabelecido nos acordos
internacionais que existem em águas marítimas, áreas de fronteira compartilhada
e todos os acordos internacionais relacionados à proteção da diversidade
biológica", diz.
Mas enquanto o fim da disputa sobre o despejo de lixo entre
os dois países ainda é incerto e se contemplam soluções a nível governamental,
um rio silencioso de lixo flutuante continua a chegar às praias de Honduras.
"Agora, chegou uma frente fria e isso vai trazer mais
chuva. E sabemos que quando chove a praia fica cheia de lixo. É assim há
anos", diz Carlos Fonseca, da comunidade de Travesía.
Fonte: The Independent - Terça-feira, 24 de outubro, BBC
Brasil - 2 novembro 2017.
Marcadores: Lixo, Meio Ambiente
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