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quinta-feira, abril 19, 2012

Morte Silenciosa

Seis milhões de trabalhadores brasileiros encontram-se expostos ao pó de sílica e correm o risco de adoecer ou morrer.

A informação, aparentemente trágica, é do diretor do Programa Nacional de Eliminação da Silicose, Zuher Haudar. “A exposição à sílica no país é ainda muito freqüente e se não for energicamente combatida levará à morte centenas de trabalhadores”. A preocupação dos especialistas, assim como de Zuher, justifica-se em razão da silicose, uma doença que afeta os pulmões dos expostos às poeiras e que em sua forma grave, leva à fibrose e ao câncer pulmonar.

ATIVIDADES PERIGOSAS

Atividades como;
■ construção civil, a mineração, o garimpo, a transformação de minerais,
■ metalurgia, a indústria química e
■ fabricação de cerâmicas e de vidros
são as que mais expõem os trabalhadores às poeiras que contêm a sílica, portanto, são as recordistas de casos de silicose no Brasil.

FALTA DE DADOS NO PAÍS

Há poucos dados sobre o tema no país. Apesar disso, é possível verificar, entre os raros existentes, que prevalece a silicose em certas atividades  industriais, como;
■ indústria naval (23%);
■ cavação de poços (17,4%);
■ fabricação de cerâmicas (3,9%) e o
■ beneficiamento em pedreiras (3,0%), é alta.

Os especialistas advertem que os índices diferem conforme a quantidade e o tempo de exposição dos trabalhadores à sílica. Em levantamento publicado pelo Ministério da Saúde,em 1997, registraram-se, por exemplo, 7.416 casos de silicose provenientes apenas da mineração do ouro no estado de Minas Gerais. Destes, 4.500 casos eram de apenas uma região, Nova Lima.

RISCO OCULTO – EXPOSIÇÃO INDIRETA

Mesmo para aqueles que não estão envolvidos diretamente nas atividades, todo cuidado é pouco. Atividades aparentemente inofensivas, como realizadas;
■ na agricultura  (arar, mover terra);
■ na construção civil (talhar, perfurar, cortar,moer, demolir, varrer a seco);
■ na confecção de próteses dentárias (polimento com jato de areia) ou
■ em borracharia (limpar pneus e chão com ar comprimido)
também envolvem risco, às vezes não apenas para os trabalhadores, mas também para aqueles que convivem próximos a elas.

MARMORARIAS

Um exemplo considerado grave pelos especialistas, é a presença de marmorarias em centros urbanos.O representante do Sindicato da Indústria de Mármores e Granitos (Simagran), do estado de São Paulo, Miguel Tarcísio Servignani, expôs sua preocupação sobre a questão ao afirmar que “apenas na cidade de São Paulo existem cerca de 10 mil marmorarias, muitas delas verdadeiras fábricas de pó”. Segundo Servignani, há um esforço do sindicato em alertar os proprietários de  marmorarias, alguns dos quais já se conscientizaram do perigo e tomaram as precauções necessárias. Mas esta não é regra geral, a prova está em que “na cidade de São Paulo há casos de silicose, não apenas entre empregados, mas também entre proprietários de marmorarias”.

Assim como os trabalhadores, os vizinhos de marmorarias ou de atividades que envolvam a produção de poeira devem estar alertas e acionar órgãos de controle ambiental ou o Ministério Público do Trabalho ao presenciarem irregularidades.

TECNOLOGIAS EXISTENTES

Há tecnologias, entre as quais; filtros, cortadoras, serras e polidoras com a presença de água, que eliminam a produção de poeira. Não usá-las é injustificável, avisa o promotor do Ministério do Trabalho Jorge Luiz Ussier.
Além disso, procedimentos relativamente simples, como;
■ o isolamento das atividades poeirentas,
■ a ventilação adequada do ambiente,
■ a lavagem diária de pátios e a limpeza constante de mobiliários com panos úmidos minimizam a exposição das pessoas ao pó.
“Vassouras devem ser totalmente banidas”, alertam os especialistas.

Segundo Ussier, a exposição do trabalhador ou de outras pessoas ao pó de sílica é uma atividade criminosa e, independentemente do dano, pode ser considerado um ato ilícito que envolve risco de morte. “É passível, portanto, de responsabilidade civil e criminal.”

DOENCA PROGRESSIVA

Como se observa,a situação da exposição à sílica   no Brasil é agravada não apenas pela falta de dados, que pode causar a falsa impressão de que o problema é pequeno, mas também por outras situações.A mais grave delas, afirma o engenheiro Francisco Kulcsar Neto,da Fundacentro,  é sem dúvida, o fato de a doença ser progressiva, evoluindo ao longo dos anos, além de ser debilitante e mortal.

Foto: Pulmão acometido por silicose. A silicose causa fibrose do tecido pulmonar e da pleura (paquipleuris),deixando-o com cor acinzentada e aspecto pétreo (lembrando o granito)

A silicose, diz ele, é uma doença “insidiosa e terrível”.A poeira se acumula nos pulmões, endurece o tecido e provoca sua fibrose.“O processo pode levar até 20 anos para se manifestar e, muitas vezes, surpreende o trabalhador  depois que ele já deixou a empresa responsável ou a atividade que lhe causou o mal.”

Em condições normais,o aparelho respiratório intercepta as poeiras inaladas e ativa mecanismos de defesa que as eliminam,em grande parte, quando se depositam nas vias aéreas. No entanto,essa capacidade de autoproteção e reparo do organismo pode ser facilmente vencida pelo pó de sílica, partículas pequenas (com menos de 25 micrômetros) ultrapassam a laringe e podem penetrar na região dos alvéolos pulmonares (menos de 10 micrômetros), explica o pneumologista Algranti, da Fundacentro.

Segundo Algranti, a inalação freqüente e contínua de poeira, sobretudo na exposição ocupacional, causa efeitos adversos no organismo  humano:
■ a hipertrofia das glândulas de secreção de muco e
■ a morte de células de defesa (macrófagos) na região onde ocorrem as trocas gasosas.

Além disso, as poeiras que atingem os alvéolos provocam um acúmulo de macrófagos nessa área, reações inflamatórias do tecido pulmonar, formação de cicatrizes de colágeno nos tecidos (fibrose pulmonar), podendo levar a insuficiência respiratória. Agravando a situação, a necessidade de renovação e de reposição constantes das células alveolares danificadas pela poeira alteram o ciclo normal de divisão celular, tornando o tecido pulmonar vulnerável ao câncer.

Diante da gravidade do problema, a silicose é a doença pulmonar causada por deposição de partículas sólidas no pulmão (pneumoconiose) de maior incidência no país  e da disponibilidade de meios para preveni-la, não há dúvida sobre o que deve ser feito:
■ é preciso disseminar informações,
■ aprimorar o controle social,
■ incentivar as denúncias de irregularidade,
■ aumentar a fiscalização,
■ responsabilizar os culpados e amparar o trabalhador ou a pessoa exposta ao pó de sílica.

Parte dessas medidas está sendo posta em prática através do Programa Nacional de Eliminação da Silicose, que conta com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

SÍLICA POR TODOS OS LADOS

A sílica não deveria ser banida dos processos industriais? Diante do dano que provoca aos trabalhadores envolvidos, é evidente que sim, mas há um porém: “O planeta é feito de sílica”, informa o engenheiro Francisco Kulcsar Neto, da Fundacentro. É justamente por ser tão abundante (cerca de 60%) na crosta terrestre que a sílica ou dióxido de silício (SO2), é tão empregada na indústria.

Depósitos de quartzo livre, quartzitos e arenitos são minerados para se produzir às chamadas “areias de sílica”, de vasto uso nos materiais de construção.A sílica é utilizada em cristais piezelétricos; serve como dessecante, adsorvente e catalisador; é matéria-prima na produção de silicatos solúveis, silício e derivados (carbeto de silício e silicones), além de ser o componente básico na indústria de vidros, cerâmicas e refratários.
Do ponto de vista da saúde,no entanto,a sílica livre cristalina, não combinada com outros compostos,é a que mais envolve risco, principalmente em três de suas formas:o quartzo, a tridimita e a cristobalita.

Fonte: Ciência Hoje /SP - dezembro de 2002 e Fundacentro

Quadro - Ramos de atividade onde podem ocorrer exposição ocupacional a sílica livre cristalina.

Industria/atividade
Operação específica/tarefa
Fonte do material

Agricultura

Aragem, colheita, uso de máquinas
Solo
Mineração e operações relacionadas ao beneficiamento do minério
A maioria das ocupações (em baixo da terra, superficial, moinho) e minas (metal, não metal, carvão)
Minérios e rochas associadas
Lavra/extração e operações relacionadas com o beneficiamento do minério
Processo de trituração de pedra, areia e pedregulho, corte de pedra, abrasivo para jateamento, trabalho com ardósia, calcinação da diatomita
Arenito, granito, pedra, areia, pedregulho, ardósia, terras diatomáceas, pedra.
Construção
Abrasivos para jateamento de estrutura, edifícios.Construção de alto estrada e túneis.Escavação e movimentação de terra.Alvenaria, trabalho com concreto, demolição.
Areia e concreto.RochaSolo e rochaConcreto, argamassa e reboque.
Vidro incluindo fibra de vidro
Vidro incluindo fibra de vidro
Areia, quartzo moído, material refratário.
Cimento
Processamento da matéria prima
Argila, areia, pedra calcaria, terras diatomáceas.
Abrasivos
Produção de carbeto de silício. Fabricação de Produtos Abrasivos
Areia, tripoli e arenito
Cerâmicas, incluindo tijolos, telha, porcelana sanitária, porcelana, olaria, refratários, esmaltes vitrificados.
Misturas, moldagem, Cobertura vitrificada ou esmaltada, acabamento.
Argila, pedra, areia "Shale" quartzito, terras diatomáceas.
Fabricação de ferro e aço
Fabricação (manipulação) de refratários e reparos em fornos
Material refratário
Silício e ferro-silício
Manuseio de matérias primas
Areia
Fundições (ferrosos e não ferrosos)
Fundição da peça, choques para retirada da peça do molde.Limpeza da peça que encontra-se com areia aderida na superfície. Uso de abrasivo. Operações de alisamento/aplainamento.Instalação e reparo de fornos.
Areia/Material refratário.
Produtos de metal, incluindo metal estrutural, maquinaria, equipamento de transporte.
Abrasivo para jateamento
Areia
Construção civil e manutenções (reparos)
Abrasivo para jateamento
Areia
Borrachas e plásticos
Manuseio de matéria prima
Funis alimentadores (tripoli, terras diatomáceas)
Tintas
Manuseio de matéria prima
Funis alimentadores (tripoli, terras diatomáceas, sílica flour)
Sabões e cosméticos
Sabões abrasivos, pós para arear
Sílica flour
Asfalto e papelão alcatroado
Aplicação como enchimento e granulado
Areia e agregado, terra diatomáceas.
Substâncias químicas para a agricultura
Trituração e manuseio de matérias primas.
Minérios e rochas fosfáticas
Joalheria
Corte, esmerilhar, polimento, lustramento
Gemas semi-preciosas ou pedras, abrasivos
Material dental
Areia abrasiva, polimento
Areia, abrasivos
Reparos de automóveis
Abrasivo para jateamento
Areia
Escamação de "boiler"
"Boiler" com queima de carvão
Cinza e concreções.


Fonte: IARC 1997

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