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quarta-feira, novembro 16, 2011

Parte 3 - Acidentes de trabalho dizimam famílias

Justiça do trabalho toma decisões, na maioria das vezes, superficiais

Durante quase 20 anos, de segunda a sábado, José Arnaldo Vargas, 49 anos, trabalhou como instalador de acessórios numa concessionária de veículos em Brasília. Nunca sofrera qualquer acidente. Chegou a integrar a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) da empresa por dois anos. Em 9 de fevereiro de 2007, ele foi enterrado com o veredicto de culpado. José Arnaldo morreu ao ser atingido pelo veículo que consertava junto com um colega, ao despencar do elevador eletromecânico que o sustentava no alto.
Os peritos da Polícia Civil concluíram que o equipamento funcionava regularmente e que a culpa foi de Vargas, que não verificou, “no início do içamento”, se o veículo estava bem posicionado no elevador. Não foi considerada, na perícia, a técnica do trabalho, que implica forçar o veículo para baixo ao colocar as peças, o que Vargas e o outro funcionário fizeram naquele dia. A Justiça do Trabalho acolheu a defesa da concessionária Disbrave com base no laudo da Polícia Civil, atribuindo “culpa exclusiva” à vítima, e negou a indenização por danos morais pedida pela família.

A busca da culpa do funcionário pelas tragédias ainda é a prática na análise dos acidentes, e é aceita pela Justiça, mas está ultrapassada do ponto de vista do conhecimento científico, diz o médico do trabalho e doutor em saúde pública Ildeberto Muniz de Almeida, professor da Universidade do Estado de São Paulo (Inesp). “Essa visão tradicional, que centra a explicação do acidente na pessoa da vítima, é individualizadora, reducionista”, denuncia.

Oficinas e comércios são os que mais provocam acidentes de trabalho O auditor-fiscal do trabalho na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Fortaleza Mauro Khouri critica esse modelo de análise centrado na noção do ato inseguro. “Um grande número de acidentes está resumido nisso: de que o funcionário não prestou atenção. Mas não se pode estabelecer um sistema de segurança baseado na atenção da pessoa. Tem que haver outras medidas de proteção coletiva”, alerta.

CONTROLE
Para o médico e professor da Unesp, essa visão tradicional inibe a prevenção, porque a origem do problema permanece. Pressupõe que o trabalhador faz o que quer, que poderia fazer de outro jeito e que tem o controle absoluto da situação, dos meios disponíveis, dos materiais necessários, o que não é verdade. “Isso significa pensar também que as condições do ambiente em que se dá o trabalho nunca mudam. Mas elas são variáveis, conforme a época, a quantidade de pedidos e a demanda, a disponibilidade de material, entre outros fatores”, destaca Almeida. Ele afirma que não é mais possível encontrar casos de acidentes explicados pela culpa exclusiva da vítima.

Na maioria das vezes, alerta Almeida, é graças ao conhecimento que o trabalhador tem para lidar com essas mudanças — a matéria-prima que não está agarrando no equipamento, a máquina que não funciona direito — que ele consegue identificar o problema, corrigi-lo e evitar o acidente. “Ninguém vê, ninguém valoriza o não-acidente”, diz. “O certo é que a gestão de segurança deveria explicar as razões pelas quais o trabalhador fez a tarefa sempre com sucesso e não deu certo daquela vez, no lugar de julgá-lo e culpá-lo”, afirma o médico.

Em sua avaliação, na maior parte das falhas, estão constrangimentos na organização do trabalho, a necessidade de execução da tarefa em prazo curto ou o surgimento de um problema novo em dado momento, no qual o trabalhador perde a compreensão do que está acontecendo. Para o especialista, no caso da morte de Vargas, a pergunta que deveriam fazer é: “Por que não aconteceu antes?”

Khouri explica que os servidores do Ministério do Trabalho estão orientados a investigar o acidente em todos os seus aspectos e não apenas se a máquina está funcionando ou não. “É preciso descobrir o que contribuiu para o acidente acontecer. Compreender que há fatores diversos, imediatos, intermediários, subjacentes e até latentes, que explicam o ocorrido, que envolvem a organização da empresa, o gerenciamento e a gestão de pessoal, de materiais, de segurança, entre outros pontos.

ELE FEZ A FEIJOADA
Quase cinco anos depois da morte do mecânico José Arnaldo Vargas, seu irmão Francisco de Assis ainda não se conforma com a perda daquele que tanto ajudava a família. “Eu estive na concessionária três dias antes do acidente que o matou e comentei com ele que o elevador no qual trabalhava era muito inseguro, pois não havia travas para as rodas nas laterais das sapatas que amparam o veículo. Ele disse que não era para eu me preocupar, que estava acostumado”, relembra.

Três dias depois, a família do mecânico estava destroçada. Mineiro de Carmópolis, José Arnaldo, o terceiro de nove irmãos, mudou-se primeiro para a Brasília, no início da década de 80, com a mulher e o filho recém-nascido Augusto, hoje com 30 anos. Depois foi a vez dos outros irmãos, que moraram com o casal até se ajeitarem na capital. A mãe, hoje com 78 anos, veio em seguida.

A família unida, acostumada a almoçar sempre junta nos fins de semana, com filhos, sobrinhos, netos e namoradas, até hoje tenta juntar os cacos. José Arnaldo morreu numa quinta-feira. Quatro dias antes, no domingo mais uma vez a família toda se reuniu e foi ele quem fez a feijoada. “Serviu todo mundo. Ele mesmo lavou a louça. Foi uma despedida”, relembra a filha Kelliane, 28.

A mulher Vera Lúcia ainda não conseguiu se conformar e levar a vida adiante. Ela e José Arnaldo já tinham perdido o terceiro filho de 2 anos com leucemia. “É doloroso receber telefonema perguntando por ele e ter que dizer que ele faleceu. Não há mais Natal, não há mais ano-novo”, chora ela, que tomou antidepressivos durante quase cinco anos. Vera Lúcia só largou o remédio há algumas semanas.

Há 21 anos, o eletricista Milton Ribeiro Marcelino sobreviveu a um grave acidente de trabalho, mas, desde então, sua vida é sobre uma cadeira de rodas. Ele perdeu o braço esquerdo e as duas pernas depois de ser atingido por um cabo de alta tensão de um poste da Cemig, a companhia de energia de Minas. Hoje, com 44 anos, sobrevive com a aposentadoria por invalidez de um salário mínimo. É ele quem sustenta a mulher e o filho de 8 anos. 

Fonte: Correio Braziliense-06 de novembro 2011 

Comentário: Nos manuais de elevadores automotivos os fabricantes chamam atenção no posicionamento dos veículos nos elevadores. A parte do veiculo que possui o motor, maior peso, deve os braços telescópicos do elevador ficar mais próximo das colunas, isso para evitar o efeito gangorra. Os manuais alertam para que os responsáveis pela elevação do veículo verifiquem se ele foi bem posicionado.
Recomendações
Os proprietários de oficina que utilizam o elevador devem tomar alguns cuidados importantes para evitar acidentes e para assegurar a durabilidade do equipamento. Ler o manual de instruções que acompanha o elevador é um deles, pois nele encontram-se dicas e regras importantes sobre a utilização do produto
■O elevador automotivo deve passar por revisões completas a cada 12 meses;
■Na revisão completa, o elevador deve ser desmontado por completo e passar por avaliação de componentes, principalmente porcas de trabalho e de segurança, além dos rolamentos, engrenagens, correntes, correias;
■Na revisão, também deve se fazer limpeza geral e verificar o desgaste natural de peças, fazendo substituição quando necessário;
■ Substituir peças dentro da validade ou da vida útil estipulada pelo fabricante;
■ A manutenção preventiva deve ser feita por profissionais capacitados.

O ato inseguro no Brasil está sendo estigmatizado como foi o método de Estudos de Tempo de Taylor. O ato inseguro faz parte de uma abordagem mais ampla, que é a falha humana. Há três componentes que podem provocar acidentes atuando independentemente ou simultaneamente. O equipamento, o meio ambiente interno e o fator humano (organizacional e pessoal).

O ato inseguro pode ser analisado das seguintes formas:
■ Inadaptação entre homem e função: Muitas vezes trabalhadores são colocados a desenvolver atividades específicas de determinada função para as quais não se encontram preparados, isto é, não há coerência entre a atividade e as condições do indivíduo para executá-la.
■ Desconhecimento dos riscos da função e/ou da forma de evitá-los: muitos dos atos inseguros são resultantes do desconhecimento, por parte dos trabalhadores, dos riscos a que ficam expostos durante a realização de determinadas atividades.
■ Desajustamento: muitos trabalhadores não se enquadram, não se acostumam ou, mesmo, não aceitam determinadas situações de trabalho, impossibilitando seu ajuste às condições existentes, mesmo que estas sejam adequadas.

O que acontece na prática a maioria das empresas tem um relatório padrão de acidentes e o responsável por esse relatório tem a função de colocar um X, em um dos motivos relacionados e um desses motivos é o ato inseguro provocado pelo trabalhador. O relatório é útil como relatório preliminar que deveria servir para uma análise mais detalhado do acidente. O grande problema acontece na elaboração desse relatório, poucas empresas fazem esse tipo de análise.
Para chegar a conclusão que é o ato inseguro, que faz parte da falha humana, grosso modo, devemos aplicar a essência da engenharia reversa, que é o processo de análise de um equipamento (um aparelho, um componente elétrico, máquina, etc.) e dos detalhes de seu funcionamento e de seu uso de operação. Após essa análise podemos considerar o que houve de errado para que a falha humana pudesse acontecer. O ato inseguro existe e sempre existirá, o que tem de mudar é o enfoque de análise para chegar ao resultado do ato inseguro. A prevenção atua antes que o ato inseguro ou a falha se materialize.

Vídeo:
Acidente com elevador

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posted by ACCA@8:07 PM