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domingo, março 01, 2009

A ecotoxicidade da água residual de incêndio

Identificação de perigos
Afirma-se que a água residual de incêndio geralmente não representa uma ameaça séria ao ambiente (Institution of Chemical Engineers, Environment 97, de Reino Unido). Esta afirmação parece aplicar-se aos incêndios típicos de edificações residenciais em áreas urbanas que não estão localizadas nas proximidades de ecossistemas sensíveis, e não envolve o potencial para a liberação de grandes quantidades de materiais orgânicos ou de produtos químicos perigosos. Nas situações onde os incêndios em instalações químicas, depósitos, ou grandes instalações comerciais são combatidos, os perigos e os riscos ao ecossistema são muito maiores, tais como;

■ Sandoz Chemical Company - Basle, Suíça, 1 de novembro de 1986, incêndio no depósito de produtos químicos (pesticidas, herbicidas, etc). Água contaminada do incêndio escoou para os córregos que desembocam no rio Reno. Houve desastre ambiental

■ Allied Colloids Chemical Company, South Bradford, Reino Unido, em 21 de Julho de 1992, que fabrica uma variedade de produtos químicos utilizados em tratamento de água, em indústria de papel, têxtil, pintura e agrotóxico. O depósito principal localizado numa elevação, rompeu um incêndio devido ao armazenamento de produtos oxidantes. Foram utilizados 16 milhões de litros de água para combater o incêndio. A água utilizada no incêndio reagiu com materiais estocados no depósito, formando polímeros viscosos. Esse polímero bloqueou o sistema de drenagem do local e a água contaminada fluiu para rio próximo. O efeito ecológico foi catastrófico, numa distância de 30 km.

■ Plastimet Inc. Hamilton, Ontário, Canadá, 12 de setembro de 1997 - Empresa de reciclagem tinha cerca de 400 t de PVC sólido. Um incêndio começou propagando-se no material estocado. A queima do PVC liberou uma série de substâncias altamente tóxicas, tais como, dioxinas, PCB, acido clorídrico, benzeno. O incêndio queimou durante três dias. No terceiro dia, houve a evacuação de 650 moradores da vizinhança. No início o incêndio foi considerado como um incêndio normal, sem a preocupação com meio ambiente e contaminação. Os bombeiros foram expostos a essas substâncias tóxicas, sem equipamentos adequados (quando o suprimento de ar esgotou, trabalharam sem máscaras). Os moradores queixaram-se de irritação na garganta, olhos, respiração. Nas semanas seguintes, após o incêndio, centenas de bombeiros queixaram-se de problemas nos olhos e respiratório, erupção cutânea, e problemas gastrointestinais. Após o incêndio o meio ambiente foi contaminado por benzeno, etilbenzeno, xileno, tolueno e metais tais como; alumínio, cádmio, cromo, cobre, ferro, chumbo, molibdênio, níquel, prata, vanádio e zinco;
como demonstraram nesses incidentes, que exigem gerenciamento e planejamento cuidadosos.

Em primeiro lugar, é vital executar a identificação e a priorização dos respectivos perigos. A identificação e a priorização dos perigos de água residual de incêndio incluem três componentes:
1-o tipo e a quantidade dos produtos químicos armazenados ou no uso na instalação,
2-na proximidade de áreas humanas, e
3-na proximidade de ecossistemas sensíveis.

Riscos químicos
Os principais produtos químicos incluem:
■ biocidas de qualquer tipo, incluindo pesticidas, herbicidas, fungicidas, raticidas,
■ agentes branqueadores, ou outros esterilizadores
■ produtos a base de metais, especialmente, mercuriais, mas também, cobre e cádmio.
■ cobre tem a toxicidade comparativamente elevada em sistemas aquáticos, embora sua toxicidade para o ser humano é baixa.
■ produtos a base de amônia.
■ produtos a base cianeto.
■ produtos químicos que afetam fortemente o pH.
■ compostos orgânicos halogenados (como o PVC) capaz de produzir dioxinas halogenadas e furanos durante a combustão.

É importante a avaliação do ecossistema da vizinhança para instalações de depósitos ou que usam volumes elevados de substâncias perigosas ecologicamente, especificamente, nas proximidades de canais, costa litorânea , devido a risco de incêndio químico. Algumas instalações podem armazenar ou usar volumes elevados de produtos químicos perigosos distantes dos locais ecologicamente sensíveis.

Compostos resultantes da combustão
Toda água residual de incêndio contém produtos da combustão, muitos dos quais são previsíveis em sua natureza e toxicidade.
Os produtos incluem: os fosfatos, sulfatos, nitratos, dioxinas e furanos cloratos , compostos orgânicos voláteis (COV , benzeno, tolueno, etilbenzeno, xileno), hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, os microcompostos orgânicos (formaldeído, acroleína, butadieno, cloreto de vinil, etc.), e os metais. A importância relativa destes compostos para avaliações da ecotoxicidade é discutida em termos gerais abaixo.

Os compostos halogenados e poliaromáticos
Todos os tipos de incêndio produzem compostos orgânicos tóxicos ou compostos orgânicos halogenados. Isto é porque muitos processos térmicos levam à formação de dioxinas e furanos policlorados dos materiais orgânicos simples comuns. Enquanto a presença de determinados constituintes químicos aumentam a formação destes compostos, eles são emitidos mesmo em incêndios residenciais. Os hidrocarbonetos poliaromáticos são emitidos também durante a combustão de materiais orgânicos comuns. Os níveis de concentração variam de 1,0 > a 7,2 ng/m3 (I-TEQ, equivalência tóxica), (ng, nanogramo) para dioxinas e furanos policlorados e 6,4 a 470 mg/m3 para hidrocarbonetos aromáticos policíclicos.

Estes compostos são encontrados em material particulado (fumaça) expelido no ar e na fuligem depositada. Ambos as formas contribuiriam à presença de componentes químicos tóxicos na água residual de incêndio. Uma das preocupações relacionadas a estes compostos é associado com seus efeitos carcinogênicos em vez dos seus efeitos em sistemas ecológicos. Entretanto, em concentrações elevadas, os efeitos adversos nos sistemas reprodutivo e endócrino podem ser observados.

Uma única exposição aguda destes compostos, como ocorreria em um cenário de água residual de incêndio, não resultaria em propagar-se na mortandade da vida aquática, nem causaria distúrbios permanentes nos aparelhos reprodutivos ou endócrinos. Conseqüentemente, em termos de controle de riscos ecotoxicológicos agudos, estes não são considerados para serem compostos de risco elevado em comparação com outros compostos.

Entretanto, as dioxinas e furanos policlorados são ambientalmente persistentes e biomagnificação através da cadeia alimentar, assim tendo efeitos sub‑letais latentes em animais. Possuem também a capacidade de encontrar seu meio, no topo da cadeia alimentar e de penetrar no tecido humano, e conseqüentemente quaisquer contribuições ao nível de concentração ambiental e humano das dioxinas e furanos devem ser evitadas.

Os metais
Os resíduos da combustão contêm inevitavelmente metais, porque são tipicamente não voláteis e saem do incêndio inalterado. Os metais são componentes integrantes das estruturas de construção, e são componentes freqüentes de corantes e pigmentos nas pinturas.

Portanto, eles são emitidos geralmente durante incêndios industriais. Por exemplo, a análise da água residual do incêndio da Plastimet, indicou níveis elevados de uma grande quantidade de metais, muitos dos quais são perigosos à vida aquática. Alguns metais (chumbo, mercúrio, cádmio, cromo e arsênico) são altamente tóxicos aos seres humanos e à vida aquática, enquanto outros metais tais como; o cobre, o zinco, e níquel são mais tóxicos à vida aquática do que aos seres humanos. O arsênico, por outro lado, é muito mais tóxico aos seres humanos.

Os tipos de instalações industriais pelos quais estes metais geralmente podem ser encontrados incluem; fábricas da bateria ou de reciclagem, manufatura de plásticos (alguns pigmentos contêm cádmio), instalações de galvanoplastia de cromo e níquel.

O cobre, zinco, e níquel são encontrados extensamente em materiais de construção, e o cobre é encontrado freqüentemente em pintura de prédios mais antigos.

Alem disso, a toxicidade aguda colocada por metais no evento do incidente de água residual de incêndio (Plastimet), há a preocupação adicional da bioacumulação dos metais em outros processos. Desde que formas elementares destes metais não sofram ruptura ou nem dissipam através de processos químicos, a remoção desses metais do ecossistema deve ocorrer pelo transporte físico ativo via organismos, saindo do sistema ou através de remoção do sedimento contaminado.

Espumas e outros tipos de produtos químicos retardantes de chama
Certos tipos de incêndios são combatidos freqüentemente com espuma em vez de água. O uso de espuma é preferido para incêndios em; líquidos inflamáveis, desastres de aviação, refinarias e petroquímicas. Nestes tipos de aplicações, a rápida extinção de incêndio e boa segurança pós-incêndio são essenciais.

Estes produtos químicos retardantes de chama podem ser divididos em variedades detergentes e a base proteínica.

Os retardantes a base de detergentes são compostos geralmente de fosfato de amônio, sulfato de amônio ou detergentes polifosfato com uma camada de argila de atalpugita (argila extremamente fina), tal como silicato de magnésio hidratado ou fosfato de diamônio com um agente espessante de goma de guar. Estes sais de amônio e de sulfato inibem a combustão, mas podem conduzir à corrosão em concentrações elevadas. Por esta razão, inibidores de corrosão são algumas vezes adicionados e incluem o ferrocianeto e o toliltriazide de sódio, ambos são altamente tóxicos à vida aquática.

Extratos formadores de espuma
Os retardantes de chama de pouca duração consistem tipicamente espumas ou os surfactantes que aumentam a ação de supressão de incêndio da água pelo aumento de sua retenção em fontes de combustível ou pela redução da evaporação.

Entretanto, os surfactantes diminuem também a tensão de superfície da água e a capacidade da água transportar o oxigênio.

Pouco é conhecido sobre os efeitos de espumas e aditivos químicos supressores de incêndio na vida de planta aquática ou terrestre. É previsto, que a introdução de aditivos químicos de nitrogênio e fosforoso ou como fertilizantes ou retardantes de chama agiriam para se alterar níveis de nutrientes do solo, e conseqüentemente o impacto no crescimento de planta. Entretanto, a adição destes nutrientes pode impactar desfavoravelmente determinados ecossistema. Algumas plantas favorecem com os teores baixos de nitrogênio e fosforoso nos níveis do solo, e conseqüentemente estas plantas seriam particularmente suscetíveis a toxicidade destes tipos de espuma.

Houve poucos estudos de toxicidade aguda ou crônica realizados para investigar o efeito dos retardantes de chama em animais selvagens aquáticos ou terrestres ou em ecossistemas. Porém as investigações indicaram que os retardantes proteínicos são tipicamente menos tóxicos aos organismos aquáticos incluindo peixes, crustáceos, protozoários, e algas, do que são os retardantes a base de detergentes. A concentração letal aguda resulta de valores em 50% de mortalidade (LC50) para alguns destes agentes variam de 10-100 ppm (detergentes sintéticos), a 10.000 ppm (fluoroproteínas).

Alguns estudos recentes mostraram que os produtos químicos do detergente sintético têm a ecotoxicidade aguda moderada. McDonald e outros estudaram em 1997, a toxicidade aguda de cinco retardantes de chama comumente usados (extratos formadores de espumas), em teste de espécie de invertebrado aquático (Hyalella Azteza). Ambos as espumas de surfactante testado em uma solução de 1% (Phos-Check Wd-881, extrato de espuma para incêndio de classe A, usado principalmente em incêndio florestal), e (Silv-Ex, extrato de espuma para incêndio de classe A, madeira, papel, etc) mostraram que os valores de mortalidade L50 (concentração letal de 50% dos organismos de teste) estavam numa faixa de 10-46 mg/L em condições da água mole ou dura (concentração de sais).

Isto significa que um fator da diluição aproximadamente de 500 vezes seria necessário para uma solução de 1% para alcançar a concentração LC50. A aplicação de um fator de segurança típico de 100 resultaria na necessidade para uma diluição de aproximadamente 50.000 vezes para conseguir um nível de concentração segura (USGS, 1999). Ou seja 20 litros de extrato de espuma a 1% de Silv-Ex, exigiriam um milhão de litros de água para sua diluição a um nível que fosse considerado seguro para a maioria de vida aquática.

A amônia que está presente na espuma de detergente sintético, apresenta uma ampla variedade de toxicidade à vida aquática, e a magnitude do risco é muito dependente da espécie. O USEPA (United States Environmental Protection Agency) adotou um valor de 0,02 mg/L (ppm) com o qual toda vida aquática pode ser protegida.

Embora a toxicidade destes agentes retardantes é menor do que encontraria para muitos produtos químicos biocidas, a mortalidade dos peixes tem sido relatada ainda nos córregos contaminados com os produtos químicos retardantes.

Em um exemplo informado em 1993, quase 25 t de espuma sintética foi aplicado em um incêndio que se propagou rapidamente em pneus, à água residual resultou na destruição completa da vida dos peixes em um córrego próximo. Neste caso, a concentração extremamente elevada de espuma fez um "tapete de espuma” no rio, a qual atribuiu a responsabilidade pela destruição da vida aquática no local.

Fonte: The Ecotoxicity of Fire-Water Runoff - Part I: August 2001 – Jefferson Fowles, Ph.D., Marie Person, M.Sc. and Dominique Noiton, Ph.D - New Zealand Fire Service Commission Research Report Number 17 - New Zealand Fire Service Commission

Glossário

Metais pesados
Os despejos de resíduos industriais são as principais fontes de contaminação das águas dos rios com metais pesados. Indústrias metalúrgicas, de tintas, de cloro e de plástico PVC (vinil), entre outras, utilizam mercúrio e diversos metais em suas linhas de produção e acabam lançando parte deles nos cursos de água. Outra fonte importante de contaminação do ambiente por metais pesados é os incineradores de lixo urbano e industrial, que provocam a sua volatilização e formam cinzas ricas em metais, principalmente mercúrio, chumbo e cádmio.

Estas substâncias tóxicas também depositam-se no solo ou em corpos d'água de regiões mais distantes, graças à movimentação das massas de ar. Assim, os metais pesados podem se acumular em todos os organismos que constituem a cadeia alimentar do homem. É claro que populações residentes em locais próximos a indústrias ou incineradores correm maiores riscos de contaminação.

Dioxinas e TEQ
Dioxina é o nome comum para uma família de compostos químicos (existem 77 formas diferentes de dioxinas), que apresentam propriedades e toxicidade similares; aparecem como conseqüência de processos térmicos que envolvem produtos orgânicos em presença de cloro e têm graves efeitos sobre a saúde e o ambiente que se agravam por suas propriedades de persistência e acumulação
As dioxinas são encontradas geralmente em mistura, contendo outros tipos de dioxinas e componentes. Cada uma delas tem o seu grau de toxicidade. Para expressar as várias toxicidades de tais misturas, foi desenvolvido o conceito de fator internacional de equivalência tóxica (TEQ). A equivalência tóxica pesa a toxicidade do elemento menos tóxico do composto como uma fração de toxicidade do mais tóxico (TCDD, tetrachlorodibenzodioxin, tetraclorodibenzodioxina). Cada composto é atribuído um fator especifico de equivalência tóxica, comparado ao TCDD, que é o mais tóxico (referência)

Biomagnificação
A concentração do composto aumenta ao longo da cadeia alimentar. Muitos destes compostos tóxicos tendem a ser absorvidos por organismos e passam a acumular-se tanto no próprio organismo (bioacumulação) como também na cadeia alimentar (biomagnificação), sendo que o próprio homem ocupa uma posição de predador de topo de cadeia e, portanto, é altamente prejudicado por esses compostos.

Ecotoxicologia
Preocupa-se com o estudo das ações e efeitos nocivos de agentes físicos e químicos presentes no meio ambiente sobre os constituintes vivos dos ecossistemas, tendo com principal finalidade avaliar o risco resultante da presença de tais agentes.

Biocidal, biocide, biocida
Substâncias químicas, de origem natural ou sintética, utilizadas para controlar ou eliminar plantas ou organismos vivos considerados nocivos à atividade humana ou à saúde.

Surfactante (agente espumante) :
Agente ativo de superfície que é uma substância, tal como um detergente que se adiciona a um líquido para aumentar as suas propriedades de se espalhar e de molhar por redução da sua tensão superficial.

Espessante:
Substância capaz de aumentar, a viscosidade de soluções emulsões e suspensões.

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posted by ACCA@10:28 PM