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segunda-feira, abril 21, 2008

Pulverização gera impacto ambiental em Lucas do Rio Verde

O segundo maior produtor de grãos do Brasil, o município de Lucas do Rio Verde, MT, sofreu um acidente ambiental dentro de sua área urbana, devido à pulverização ilegal de agrotóxico. Despejado irregularmente com um avião monomotor no início de março de 2006, o agrotóxico é amplamente utilizado na monocultura da soja.

Localização
Lucas do Rio Verde, situado no Centro-norte de Mato Grosso, está entre os municípios que mais crescem no país e, em apenas 16 anos de emancipação político-administrativa, transformou-se em um pólo regional de desenvolvimento sustentável, com uma população de quase 22.000 habitantes. Segundo um estudo da ONU (Organização das Nações Unidas), sua população desfruta de um dos melhores índices de qualidade de vida do Estado. Privilegiado por extraordinárias condições de clima e de solo, tem sua economia baseada numa agricultura altamente tecnificada e com excepcionais índices de produtividade.


Foto: Google Earth - cidade e o entorno, cercado de plantações
Contaminação ambiental
As casas, as plantas frutíferas, ornamentais e medicinais, e as próprias pessoas ficaram expostas aos efeitos de uma pulverização ilegal de agrotóxicos. Segundo a associação de pequenos produtores, sindicatos locais e especialistas, o veneno era um herbicida dessecante para apressar a colheita da soja, cultura que trouxe os lucros para os grandes produtores da região.
O estrago se estendeu desde as dezenas de pequenas hortas particulares, plantas frutíferas e ornamentais, o Horto de Plantas Medicinais, ligado à Fundação Padre Peter.

Contaminação humana
As pessoas, se queixaram de diarréias, vômitos e urticárias.

Testemunha da aplicação
O chacareiro Ivo Casonato, que perdeu toda a sua produção de frutas e hortaliças, disse que testemunhou o momento em que o avião fazia rasantes sobre a sua propriedade. "O céu estava cheio de nuvens pesadas. No horizonte, podia-se ver a cortina d´água. Do outro lado do Rio Verde, a menos de 500 metros, um avião fazia pulverização de agrotóxico sobre a lavoura de soja do vizinho", relata.

Foto: Google Earth - Plantações no entorno da cidade
Conseqüências da aplicação
A bióloga Lindonésia Andrade, responsável pelo Horto Medicinal, disse que o efeito de veneno foi bem rápido. No dia seguinte à pulverização, dia 2 de março, o estrago já era visível em toda a cidade. "As folhas ficavam como um papel amassado e queimado, outras ficavam todas perfuradas e em volta dos furos logo começava a necrosar (apodrecer). No quarto dia as folhas entraram em necrose total e começaram a cair", lembra.

Prejuízos
No município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, existe um cinturão em torno da cidade ocupado por pequenos produtores de hortaliças, chamados de "chacareiros". São mais de 100 produtores filiados à Associação dos Chacareiros. Cerca de 40 deles estão em propriedades que circundam a cidade.

Segundo o presidente da associação, Celito Trevisan, todos os membros foram convocados para registrar as perdas que tiveram em decorrência da cidade ter sido pulverizada por uma nuvem de agrotóxicos trazida pelos ventos, a "pulverização por deriva", como eles chamam. Até o momento, 14 pequenos produtores registraram prejuízos da ordem de R$ 100 mil.
Sergio Miller também é chacareiro, perdeu toda sua produção de hortaliças devido ao veneno pulverizado sobre a cidade. Segundo ele, "toda essa produção que estava plantada , principalmente as folhas, a gente jogou fora".

Perda total do Horto Medicinal
A bióloga Lindonésia Andrade, explica que esse veneno também tem o poder de diminuir a ação de crescimento das plantas."Tivemos que fazer uma poda radical e só agora (dia primeiro de abril) as plantas estão começando a soltar novas gemas (brotos).Vamos acompanhar para ver o que vai ser possível aproveitar ou o que teremos que erradicar e plantar novamente".

O Horto Medicinal contava com mais de 200 espécies de plantas catalogadas. Muitas ervas ocupavam canteiros inteiros que hoje estão limpos. As plantas tiveram que ser arrancadas. Um caminhão saiu carregado de galhos, ramos e folhas mortas resultante da poda radical. Ela explica que muitas variedades são bastante raras, só dão sementes uma vez ao ano e demorarão muito para se recuperar.

Suspeita do produto
A responsável pelo Horto Medicinal suspeita que o veneno utilizado tenha sido o Paraquat, um poderoso agrotóxico utilizado para dessecar as folhas da soja e apressar a colheita. "Um veneno que nos países desenvolvidos nem se utiliza mais, porque é do tipo 1, é muito tóxico, além de prejudicar a vegetação, ainda prejudica outros os seres vivos, inclusive nós", disse.

Conseqüência no ser humano
Nos seres humanos esse agrotóxico tem um efeito cumulativo, explica a bióloga. "Quanto mais lento pior, porque os efeitos rápidos, dor de cabeça, vômito e diarréia, são fáceis de identificar, mas os efeitos lentos, futuramente podem levar a diversas pessoas daqui da cidade e da região próxima, a desenvolver diversos tipos de tumores malignos como, por exemplo, câncer de próstata, de testículos, as mulheres podem ter câncer de ovário, de mama. É uma preocupação, é um caso de saúde pública, porque futuramente vamos ter pessoas doentes na cidade".

Inquérito
Depois do acidente, foi instalado pelo Ministério Público um procedimento administrativo para apurar os fatos. A pedido da promotoria, a Delegacia de Policia Civil de Lucas do Rio Verde abriu inquérito civil e criminal. No entanto, ainda não foram feitas as perícias para identificar as provas materiais do crime.

Ministério Público – regularização de aplicação de agrotóxico
O Ministério Público em Lucas do Rio Verde (MT) realizou no início de maio uma audiência pública para debater o uso de agrotóxicos e tentar regularizar o uso de venenos por produtores rurais e a fiscalização do poder público. A audiência se realiza após a nuvem de agrotóxicos que caiu sobre o município no início de março e as primeiras investigações sobre o caso.
Segundo a promotora Patrícia Eleutério Campos, as denúncias de danos ambientais causados por pulverização aérea de dessecantes apresentaram a necessidade da legalização das aeronaves, que fazem pulverização, junto à Agencia Nacional de Aviação Civil e ao Ministério da Agricultura. "Eram poucas as aeronaves registradas, o que dificultava muito a fiscalização", disse.

Fiscalização de agrotóxico
Outra recomendação refere-se ao papel do poder público na fiscalização do uso e da venda de agrotóxicos onde se espera uma maior integração entre os diversos órgãos públicos para que exista uma fiscalização eficiente. O objetivo principal da audiência publica, segundo a promotora, "não era achar um culpado, e sim discutir as medidas que devem ser tomadas para se prevenir que esse tipo de acidente volte a ocorrer".
Participaram da audiência, além de representantes da sociedade civil organizada de Lucas do Rio Verde, pilotos de avião que fazem pulverização agrícola, membros do secretariado da prefeitura municipal e peritos da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).
"O que deve acontecer a partir de agora é uma reflexão da sociedade sobre o grande uso de agrotóxicos que esse tipo de agricultura utiliza, pois a cidade de Lucas do Rio Verde é referência em qualidade de vida no estado. E fatos como estes não contribuem em nada para uma sociedade saudável", defende a promotora Patrícia Eleutério ao comentar a audiência.

Fiscalização, campanha e treinamento
Entre as sugestões de produtores e pequenos agricultores no encontro estão: a necessidade de fiscalizar de maneira mais eficiente o uso de agrotóxicos; pesquisas para se reduzir a quantidade de veneno nas lavouras; elaboração do termo de ajustamento de conduta com os agricultores para uso de agrotóxicos; treinamento para aplicadores dos venenos; e campanhas para conscientizar sobre as regras e impactos do seu uso.

Peritos – conclusão
Os peritos foram convocados pelo Ministério Publico para ajudar nas investigações sobre o acidente.
O grupo concluiu que houve pulverização de agrotóxico sobre a cidade, mas ressaltam que não há como saber que tipo de agrotóxico causou estes danos, e nem como saber como foi feita - se por aeronaves ou por implementos terrestres. No relatório, os peritos discordam das conclusões dos fiscais do Ministério da Agricultura, que descartam a possibilidade dessa pulverização ter sido feita por aeronave.

Fonte: Diário da Serra e Terra Notícias, no período de 13 de abril a 15 de maio de 2006

Comentário
Produtos herbicidas foram criados exatamente para ser tóxicos e biocidas, isto é, para eliminar algumas espécies de seres vivos, cuja ação é danosa aos interesses do homem. Eles são encontrados por toda parte, porque sua ação vai mais além daquela para o qual ele foi originalmente fabricado: contamina o solo, o ar, a água (até mesmo as águas subterrâneas), a chuva, as plantas e tudo que estiver no ambiente. Seus resíduos exercem ação contaminadora sobre aves, peixes, animais e plantas silvestres, animais domésticos, até chegar nos seres humanos.

As pessoas mais diretamente atingidas têm sido as que vivem nas áreas agrícolas. Se inalado ou ingerido, causam intoxicações graves, que podem até ter seus efeitos minimizados se o atendimento for imediato.
O Paraquat é um agrotóxico persistente que depois de sucessivas aplicações tende a ficar acumulado na terra.
■ Tem uma média longa de vida no solo: de 16 meses (estudos em laboratórios, condições aeróbicas) e até 13 anos (estudo de campo), segundo pesquisa do Fórum Emaús.
■ A exposição a esse produto por ingestão, inalação ou via cutânea pode causar, a longo prazo, insuficiência renal, hepática e cardíaca, bem como cicatrizes nos pulmões e estreitamento esofágico. Não existe antídoto para o herbicida.

Câncer de pele
Estudos com trabalhadores agrícolas de Taiwan e da Costa Rica também vincularam o Paraquat com o câncer de pele, segundo a pesquisadora Katharina Wesseling, do Instituto Regional de Substâncias Tóxicas (Iret) da Universidade Nacional da Costa Rica.

Falta de EPI
O Iret apresentou, um relatório regional sobre o uso do Paraquat sem mecanismos adequados para a proteção dos agricultores, em sua maioria pequenos e médios. “Seria necessário que os trabalhadores usassem traje especial e máscaras, e que os aparelhos de bombeamento usado para espalhar o produto não tivessem vazamentos. É quase impossível que pequenos e médios produtores tenham os equipamentos adequados, explicou Hermosillas”.

Proibido na Europa
A Suécia o proibiu em 1983, sendo seguida por Áustria, Dinamarca, Finlândia, Hungria e Eslovênia. Em 2002, a Malásia se incorporou ao grupo de países que declararam guerra a esse herbicida, indicou o jornalista e pesquisador John Madeley, em seu relatório especializado intitulado “O controvertido herbicida da Syngenta”, a distribuidora mundial do Paraquat. A Syngenta absorveu a companhia Zeneca, que era a principal produtora do Paraquat. Atualmente, o pesticida é produzido em grandes quantidades na China, onde a empresa conta com uma grande fábrica, informou Madeley. Fonte: Tierra América

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posted by ACCA@10:11 PM