Saiba como o raio mata
Desde as mais remotas eras o raio sempre excitou a
curiosidade e o medo do homem, por ser altamente dramático e assustador. A
literatura e as lendas mais antigas estão cheias de referências a seus efeitos
devastadores.
Podemos temê-lo ainda e encará-lo sempre com respeito, mas
sua maneira súbita de matar e danificar já foram esclarecidos pela Ciência.
O clarão de um raio compreende uma ou mais descargas
elétricas e raramente dura mais de um segundo. Essa descarga começa geralmente
na região negativamente carregada de uma nuvem, de onde uma "descarga
condutora" parece continuar para o solo em passos destacados. O campo
eletrostático que se desenvolve abaixo da condutora aumenta rapidamente em
força e assim, quando a extremidade da condutora tiver alcançado a altura de
algumas dezenas de metros acima do nível do solo, pode iniciar-se uma curta
centelha para cima, partindo de um condutor vertical. Este pode ser uma árvore
isolada, o campanário de uma igreja, um prédio alto, o mastro de um barco ou
talvez, uma pessoa de pé num campo aberto, debaixo de um guarda-chuva ou com um
taco de golfe erguido para o alto. Quando a descarga condutora entra em contato
com o
Solo ou com a curta centelha ascendente, desenvolve-se uma
"descarga de retorno" que podemos imaginar como uma corrente positiva
fluindo para cima. Esta pode alcançar dezenas de milhares ou mesmo uma ou duas
centenas de milhares de ampères.
Não temos meios para medir precisamente o potencial elétrico
envolvido na queda de um raio, mas acredita-se ser perto de 107 a 108
volts. Seja qual for à verdadeira voltagem, o raio, atingindo uma pessoa,
pode imediatamente perfurar-lhe a pele. Sabe-se mais sobre as características
da corrente do raio, pelo menos no ponto da perfuração. Isso é uma sorte,
porque as reações fisiológicas dependem antes da corrente do que da voltagem
aplicada. As formas de onda, características da corrente do raio, não têm
direção, com uma frente erguendo-se rapidamente e uma cauda mais lenta, durando
geralmente várias dezenas de microssegundos.
Nas regiões montanhosas, as condições podem ser diferentes.
A parte inferior de uma nuvem de trovoada pode estar apenas a uma curta
distância acima de objetos condutores, seres humanos, por exemplo, dos quais
sobem como descarga de ponto, correntes de vários rnicro-ampères que podem ser
sentidas como um leve formigamento fazendo talvez eriçar os cabelos. A noite,
podem surgir como flâmulas luminosas. No passado, essas flâmulas surgindo na
ponta dos mastros de um barco, nas tormentas, eram conhecidas como fogo de São
Elmo, o patrono dos marinheiros do Mediterrâneo. Essas descargas de ponto podem
se desenvolver num curso ascendente que pode durar vários décimos de segundo e
envolver uma corrente de algumas centenas de ampères.
QUATRO TIPOS
Levando em consideração os
acidentes, as quedas de um raio podem ser agrupadas em quatro tipos.
Quando uma pessoa ou alguma coisa que ela está segurando é atingida, é um
ataque direto. A corrente do raio entra pela cabeça ou pela parte superior do
tronco passando através do corpo para o chão através dos pés. Se várias pessoas
estão de pé muito juntas, mais de uma pode ser atingida. Segundo cálculos
feitos, a corrente sobe rapidamente até um pico de 1.000 A (ampères), caindo
imediatamente e, cerca de 10 microssegundos do começo, alcança 4 A,
conservando-se esse valor pela duração da descarga. A ocorrência de uma
centelha externa amplamente evidenciada é confirmada nos relatos do acidente.
Se ela ocorre fora do corpo ou através ou na parte externa da roupa, o cabelo e
a barba podem ficar chamuscados. Pode haver marcas de queimaduras na sola dos
pés e também nas roupas, e estas podem incendiar-se. Metais sobre o corpo podem fundir provocando queimaduras. Se a
centelha passa entre a roupa e o corpo,
a corrente fluindo sobre a superfície da pele pode converter o suor e a umidade
da pele em vapor e, em conseqüência, a pressão resultante pode arrancar fora a
roupa e as botas.
O segundo tipo de queda de raio é a centena lateral. E mais
claramente compreendida considerando-se o que acontece quando alguém está
abrigado sob uma árvore e esta é atingida por
um raio. Estando em pé no chão, a
pessoa está inicialmente no potencial terra. Contudo, como a corrente do raio
descarregada sobre o tronco pela arvore abaixo aumenta, a voltagem cai para a
parte inferior do tronco que pode ter uma resistência de alguns quiloohms, podendo
se tornar maior do que a força elétrica de ruptura do espaço de ar entre a
pessoa e o tronco. Uma centelha lateral ocorre então através da vítima.
Há mais de um caso de pessoas que foram atingidas quando
passavam de bicicleta por uma árvore. Uma das vítimas, que ficou inconsciente
por 15 minutos e não precisou ser reanimada, lembrou-se depois, de ter sentido
um “sopro” e de ter visto um “fofo” vindo para ela da arvore, e que o guidom da
bicicleta “ficou elétrico”. Ela não sofreu queimaduras.
1. Centelha lateral do tronco de uma árvore provocada por um
raio. Primeiro, a corrente flui através do tronco. A resistência elétrica do
tronco, entre o solo e a cabeça de uma pessoa de pé, perto do tronco, pode ser
de alguns quilo‑ohms. A formação da corrente através dela, pode descer pela
parte inferior do tronco, para exceder a força de ruptura elétrica do ar entre
o tronco e a vitima. Nessa etapa ocorre uma centelha lateral.
2. Centelha lateral de uma cobertura ondulada de ferro,
isolada do chão por uma estrutura de madeira seca. Quando um raio cai nas
proximidades, o efeito das capacitâncias elétricas representado por C1 e C2, é
fazer elevar a cobertura a um potencial V2, em relação à terra, igual a V1C1 (C1-C2). A diferença de potencial entre a cobertura e a cabeça do ocupante do
abrigo, pode se tornar suficientemente alta para provocar uma centelha sem que
o abrigo seja atingido
3. Tipo comum de corrente (a) num solo uniformemente
constituído, originada por um raio
caindo em campo aberto. A curva da distribuição do potencial (b) mostra como
uma voltagem "escalonada" se desenvolve entre as pernas de um homem ou de um animal
de pé nas vizinhanças.
Há uma boa quantidade de registros de acidentes de morte ou
injúria ocorridos com pessoas que se abrigaram numa barraca, e a descrição das
circunstâncias sugere fortemente centelhas laterais da armação metálica da barraca, ou
talvez da lona úmida.
Um dos acidentes mais dramáticos e sérios envolvendo
centelhas laterais, ocorreu nos rios Alpes Japoneses em 1967. Um grupo de 41
crianças escolares, com cinco professores, foram surpreendidos por um temporal
quando, ligados por uma corda, subiam ao longo de uma encosta íngreme logo
abaixo do pico de uma montanha, 1.660 metros acima do nível do mar. Um raio
matou instantaneamente 11 meninos e a maioria dos restantes ficaram por um
certo tempo paralisados, cegos ou queimados.
O terceiro tipo de queda de raio é a voltagem escalonada. Se
o raio cai em chão aberto, seja diretamente ou através de um objeto alto, como
uma árvore ou um poste, a corrente é descarregada na massa da terra. Num solo
acidentado, a distribuição da corrente produz diferentes voltagens de acordo
com a distância do local da queda. Uma pessoa ou um animal andando ao longo de
um raio do ponto da queda, sofrerá uma diferença de potencial entre as pernas.
Os quadrúpedes têm mais probabilidades de morrer disso, do
que os humanos, porque a corrente, fluindo entre as pernas dianteiras e
traseiras, atravessa o coração, enquanto que no homem, a passagem é de uma
perna para outra e o coração escapa. Na Franca, quando uma igreja foi atingida
por um raio durante um serviço religioso, todas as pessoas que estavam de pé
nas lajes úmidas da nave, caíram e durante vários minutos não puderam se
levantar, como se os seus membros inferiores tivessem ficado paralisados. Mas
as que estavam nas poltronas de madeira foram poupadas, evidentemente porque
estavam isoladas do solo.
O quarto tipo de queda é o da voltagem de contacto, chamado
também às vezes, de potencial de toque. Pode ser considerado como um caso
particular de centelha lateral, no qual a vítima, no momento em que o raio cai,
faz realmente contacto, Um caso histórico ocorrido na Rússia há dez anos, é um
exemplo claro desse acidente.
Durante uma tempestade, duas mulheres abrigaram-se sob um
alto abeto que foi atingido por um raio. Uma delas, que morreu, estava de pé
encostada ao tronco da árvore. Sua roupa não sofreu danos, mas na sua cabeça,
atrás, no lado direito, o cabelo ficou chamuscado e de cor cinza, numa área de
4 por 4 centímetros. No centro dessa área, a pele apresentava uma espécie de
pequena abrasão. No tronco da árvore, havia uma faixa longitudinal na casca,
variando de 4 a 6 centímetros de largura, começando próximo ao alto da árvore e
terminando cerca de 1,58 cm. do solo, isto é, ao nível da altura da vítima.
A outra mulher, que apoiava-se na árvore com a mão direita,
perdeu a consciência durante 10 ou 15 minutos e ficou incapaz de mexer com as
pernas por duas ou três horas. Sofreu algumas queimaduras na parte inferior dos
pés, foi hospitalizada por dois dias e depois de dez dias pôde voltar ao
trabalho.
Um curioso estudo teórico chegou à conclusão de que qualquer
contacto com um condutor de raio, quando este cai, não seria um risco de morte
porque a corrente descarregada através do corpo seria fraca demais. Mas isso
não é um convite para testar a hipótese numa experiência pessoal.
Como a eletricidade do raio produz a morte? Tudo o que
sabemos veio de três fontes principais. Em primeiro lugar, desde o final do
século passado tem havido um constante aumento de nossos conhecimentos sobre
como as correntes contínuas e alternadas nas principais freqüências, provocam a
morte. Esses conhecimentos baseiam-se em grande parte em experiências com
animais.
Em segundo lugar, foram feitos alguns estudos dos efeitos
das correntes de impulso sobre animais. E por último vem os relatos de
acidentes, variando em qualidade, da anedota até a investigação, os quais foram
documentados cuidadosamente e de maneira completa do ponto de vista elétrico e
médico. Contudo, as deduções são prejudicadas por duas falhas principais: uma
delas, obviamente, é a ausência de quaisquer dados elétricos quantitativos;
outra, é com frequência, a dificuldade em descobrir, depois de um acidente
elétrico, do que exatamente a pessoa morreu.
PASSAGEM
Considera-se que o raio produz efeitos diretos por uma das
três maneiras: pela sua ação sobre o coração e a respiração, e pelo calor. Há
também os efeitos indiretos, como, por exemplo, traumatismo por quedas, mas não
são peculiares do raio. Quando as correntes são maiores do que alguns rniliampères,
o corpo comporta-se como um colóide sem estrutura, ou, devido à mecânica
elétrica, como um condutor de volume. Não há uma passagem "preferida"
ao longo da qual a corrente flui.
Acredita-se que na maioria dos acidentes de queda direta de
raio, e em muitos de centelha lateral e de voltagem de contacto, a resistência
do corpo ao longo da passagem tomada pela corrente seja de aproximadamente de
500 a 1.000 Ohms, possivelmente baixando depois que a pele foi perfurada. Geralmente,
os efeitos são produzidos pela ação direta sobre os órgãos envolvidos; é pois
importante traçar a passagem da corrente através do corpo.
O cuidadoso exame das marcas de queimaduras., geralmente dá
a informações sobre os pontos de entrada
e de saída. Às vezes, estes podem ser surpreendentemente pequenos. O curso de
retorno do raio tem um núcleo central de diâmetro de um centímetro pouco mais
ou menos, o qual pode alcançar cerca de 30.000 graus K (Kelvin), mas apenas nas
primeiras dezenas de microsssegundos.
Isso pode salvar uma pessoa de extensas queimaduras, embora
pequenos objetos metálicos que ela esteja usando, possam fundir. Como a maior
resistência à corrente é a da pele, o calor tende a se desenvolver nela,
provocando muitas vezes, queimaduras relativamente pequenas na pele.
Mas se a corrente do raio tem uma "cauda" longa,
pode ter um valor de várias centenas de ampères nesse período. Esses raios,
chamados "quentes", podem provocar queimaduras mais severas no corpo
e no vestuário. Com freqüência, o exame das vítimas revela marcas em forma de
árvore ou arborescentes que não são verdadeiras queimaduras. Desaparecem depois
de algumas horas.
A corrente do raio provoca a morte, seja afetando o coração
ou o mecanismo nervoso que controla a respiração. O coração tem duas câmaras
principais de bombeamento - uma para bombear o sangue pelo corpo, outra para
bombeá-lo através dos pulmões. As delgadas paredes desses ventrículos são
constituídas quase que exclusivamente de músculo, e a contração simultânea de todas
as fibras musculares fornece a necessária pressão de bombeamento. Uma corrente
elétrica passando através do coração, pode perturbar a ação conjunta das
fibras, fazendo-as se contrair separadamente, falhando em estabelecer a
suficiente pressão. Os ventrículos, observados nessas condições, em lugar de
mostrar contrações regulares vigorosas, ficam flácidos com contrações
irregulares (fibrilação) de fibras individuais.
RELACIONAMENTOS
Quase que todas as investigações para estabelecer os relacionamentos
entre algum fator ou fatores elétricos e talvez o tempo, têm sido realizadas
usando a corrente alternada nas principais frequências . A mais curta duração
estudada em tais investigações, é de cerca de oito milissegundos,
correspondendo a uma metade de onda em 60 Hz. Esta aproxima-se da duração de
uma corrente de raio de cauda longa.
Foram sugeridos vários relacionamentos. Todos aceitam que a
corrente ou um derivativo seja importante. Um dos relacionamentos mais
largamente divulgado, sugere que, dentro de certos limites de tempo, o começo
da fibrilação ventricular depende da energia. Outra sugestão é a de que depende
da carga. Uma teoria propõe que o começo é uma função simplesmente da corrente,
mas que na realidade, há dois começos, um, quando a corrente dura menos de um
ciclo do coração, e outro, muito mais baixo, quando dura mais (cerca de 400 a
1.000 milissegundos) .
As correntes do raio não duram mais do que um ciclo do
coração. Entretanto, uma corrente elétrica só pode provocar fibrilação se cair
num determinado momento do ciclo, a onda "T", que ocupa cerca de 20 a
25 por cento do ciclo completo. Desde que se estabelece a fibrilacão, a
circulação do sangue cessa e a morte sobrevém. Por último, foi confirmado
recentemente que, na maioria das vítimas do raio, o coração simplesmente pára
completamente (assístole ventricular). Os primeiros socorros para ambos são
iguais.
SISTEMA NERVOSO
O centro do controle da respiração pelo sistema nervoso,
fica na zona mais inferior do cérebro. Há fortes evidências de que a corrente
tem que atravessá-la para suspender a respiração. De fato, o chamado tratamento
pelo choque elétrico, para certos distúrbios mentais, é muito raramente usado,
porque a respiração pode ficar interrompida depois que a corrente deixar de
fluir. Há numerosos casos minuciosamente relatados, nos quais a alta voltagem
ou correntes de raio passando através do centro respiratório provocaram a
parada respiratória. Algumas das vítimas reagiram prontamente à respiração
artificial. A passagem de uma corrente através da cabeça e do tronco parece ser
mais comum nos acidentes com raios do que nos com choques elétricos.
Usando nossos conhecimentos sobre como a morte é provocada
pelo raio, podemos tentar estabelecer uma base prática para os primeiros
socorros. Estabelecido em termos mais simples, a respiração ou a circulação da
vítima, ou ambas, podem ter parado. Provavelmente, nenhum procedimento de
primeiro socorro poderá restabelecer uma ou outra, embora, felizmente, muitas
vezes a respiração recomece espontaneamente depois de um intervalo variando de
uns poucos segundos a várias horas. Obviamente, excetuando os casos de parada
muito curta, é necessário providenciar a respiração artificial pelos primeiros
socorros e depois, possivelmente no hospital, até a respiração ser recuperada.
O tratamento de emergência para a circulação interrompida é,
segundo a maioria das autoridades, perigoso e deve ser aplicado com delicadeza.
Seria prudente aprender com as organizações nacionais de primeiros socorros,
como essas condições podem ser diagnosticadas e tratadas.
Precauções simples poderiam reduzir um pouco os acidentes de
raio. Uma pessoa de pé atua como um condutor de para-raios, e assim, atrai o
raio de uma distância que, como uma primeira aproximação, é proporcional ao
quadrado do seu peso acima do solo. É, pois, muito mais seguro ficar agachado
do que ficar de pé ou, o que é pior ainda, ficar de pé num veículo ou
estrutura. Além de aumentar o peso real, é uma loucura levantar sobre a cabeça um
guarda-chuva ou taco de golfe. É melhor deixar-se molhar do que morrer. O risco
das centelhas laterais podem ser minimizado conservando‑se as pessoas, num
grupo, separadas umas das outras por alguns metros. Nunca permanecer de pé, perto do tronco de uma árvore isolada e
permanecer longe de grandes objetos metálicos, tanto dentro como fora de
casa.As barracas podem ser facilmente protegidas, mas é uma sábia precaução
conservar-se a maior distância da armação metálica da barraca ou da lona úmida. Fonte: @ZR, W. R. Lee – U.S. International Electrical and Electronic
Engineers (IEEE)
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