Após 1 ano, transposição do São Francisco já retira 1 milhão do colapso
PARAÍBA e PERNAMBUCO
Foi aos 45 minutos do segundo tempo. Após seis anos de seca,
o açude Boqueirão, única fonte de abastecimento de Campina Grande (PB),
registrava apenas 2,9% de sua capacidade —o nível mais baixo desde a
inauguração, em 1957, pelo então presidente Juscelino Kubitschek.
À beira do abismo, a ansiedade dos campinenses era enorme
quando a água do São Francisco chegou ao Boqueirão, em 18 de abril de 2017. Levou
38 dias para encher os 110 km de leito seco do rio Paraíba entre o açude e o
final do canal da transposição do Eixo Leste, inaugurado um ano atrás.
Não havia plano B. “É quase impossível imaginar o
atendimento de Campina Grande com carro-pipa”, diz Ronaldo Meneses, gerente
regional da Cagepa (Companhia de Água e Esgotos da Paraíba). “Teria sido o
caos. A transposição chegou no momento do quase colapso.”
O impacto foi rápido. No fim de agosto, mesmo sem chuvas, o açude Boqueirão saiu do volume morto (8,2%), encerrando 33 meses e 19 dias de racionamento, o mais longo da história campinense, e agora tem 15,8% da capacidade.
Hoje, a terceira maior cidade do semiárido (410 mil
habitantes) e outros 32 municípios da Paraíba e de Pernambuco estão com o
abastecimento de água normalizado, beneficiando 1 milhão de pessoas, segundo o
Ministério da Integração Nacional.
Mas nem todos foram beneficiados. Por falta de encanamento
ou por estarem fora do alcance do Boqueirão, algumas comunidades rurais e
cidades menores da região mantêm a dura rotina da seca. É o caso de Puxinanã, a
16 km de Campina Grande.
Puxinanã não receberá água do São Francisco. O município
integrará outro sistema, a barragem de Camará, que tem níveis baixos desde o
seu rompimento, em 2004, e atualmente passa por reformas, segundo a Cagepa. A expectativa agora é com a conclusão do Eixo Norte, que
levará água a Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Deve ser
entregue no segundo semestre, um atraso de seis anos. Ao todo, o Pisf (Projeto
de Integração do São Francisco) custará R$ 9,6 bilhões aos cofres públicos, o
dobro do previsto inicialmente.
ÁREA RURAL
No campo, o impacto tem sido menor. Com o abastecimento
urbano prioritário e a captação no São Francisco abaixo da cota máxima por
causa da baixa vazão, a irrigação está restrita a 0,5 hectare por agricultor, o
equivalente a meio campo de futebol.
Segundo levantamento feito em novembro pela ANA (Agência
Nacional de Águas), há 340 hectares irrigados pela transposição na Paraíba, de
um total máximo de 500 hectares permitidos hoje.
Mesmo com o tamanho reduzido, muitos estão satisfeitos com a
água doce do São Francisco, que substituiu os poços salobros. Está um paraíso,
melhorou 100%”, diz o produtor de pimentão Jair Macedo, 45, de Barra de São
Miguel (PB). Não é figura de linguagem: antes, o agricultor colhia metade das
500 caixas de pimentão que produz a cada 15 dias, usando um sistema de gotejamento.
“A fruta é muito melhor, quase não tem desperdício.”
Os beneficiados pela irrigação são a minoria. Para os
produtores mais distantes da água do São Francisco, o alto custo e os desafios
logísticos para instalar uma bomba e quilômetros de mangueira inviabilizam o
acesso.
Na avaliação de Salomão Medeiros, diretor do Insa (Instituto
Nacional do Semiárido), a água do São Francisco, por ter alto custo, precisa
ter um destino nobre —termo que, para ele, ainda precisa ser mais bem
discutido.
O superintendente de Regulação da ANA, Rodrigo Flecha,
afirma que o Eixo Leste ainda funciona em fase de pré-operacional —ou seja, os
agricultores, por ora, não pagam pela água.O impacto só poderá ser avaliado no longo prazo, com ajustes
ao longo do caminho para os diversos usos, diz.
IMPACTO AMBIENTAL
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Vista
geral do canal de transposição do rio São Francisco
na
divisa das cidades de Monteiro(PB) e Sertânia(PE)
|
“Do nosso ponto de vista, o impacto é insignificante em
relação ao benefício que a transposição traz”, afirma o superintendente de
regulação da ANA, Rodrigo Flecha.
Até 2025, o Pisf (Projeto de Integração do Rio São
Francisco) tem autorização da ANA para bombear 26,4 m³ por segundo, para
abastecimento humano e usos difusos. Na semana retrasada, a vazão do rio em
Morpará (BA), que fica antes da captação, era de cerca de 1.500 m³ por segundo.
A ANA também é responsável por gerar indicadores técnicos e
por aprovar planos de gestão estadual, entre outras atribuições. Responsável
pelo acompanhamento da fauna e da flora no entorno da transposição, a Univasf
tampouco detectou impactos negativos significativos no rio São Francisco após
um ano de funcionamento do eixo leste.
Já nos açudes e no rio Paraíba, que receberam a água da
transposição, os pesquisadores registraram o aumento de peixes, incluindo a
chegada de espécies do rio São Francisco —em formas larvais e juvenis, eles
conseguem sobreviver à força das estações de bombeamento.
Apenas no açude Areias (PE), o primeiro da transposição, as
espécies pularam de 5, em 2015, para 14 neste ano. O monitoramento também
apontou a melhoria da qualidade da água dos açudes, que abastecem tanto cidades
próximas como mais distantes, por meio de carros-pipa. “A água do São Francisco
reduziu a salinidade, com reflexos na quantidade e na diversidade de insetos
aquáticos”, afirma a bióloga Vera Uhde, do Cemafauna (Centro de Conservação e
Manejo de Fauna da Caatinga).
Uma preocupação para o futuro é o aumento do desmatamento na
área de influência do canal, explica o biólogo Renato Rodrigues, coordenador do
Nema (Núcleo de Ecologia e Monitoramento Ambiental), que acompanha a fauna numa
área pouco maior do que o estado da Paraíba.
Ele compara o impacto do canal ao de uma estrada: ambas as
obras têm área construída pequena, mas movimentam a economia, com impactos
ambientais. “Essa água pode gerar pressões diferentes de propriedades privadas
ao redor, e isso aumenta o desmatamento”, diz o biólogo, ressaltando que o
problema não foi detectado até agora.
Durante as obras, o programa administrado pela Univasf
resgatou cerca de 145 mil animais, dos quais 127 mil retornaram à natureza.
Houve também o plantio de 220 mil mudas ao longo da faixa de 200 metros em
volta do canal. Para mitigar o impacto da obra, a Univasf propôs a criação de
uma unidade de conservação estadual na região da Serra do Livramento (PE) com
aproximadamente 30 mil hectares.
O processo, porém, ainda está em estágio inicial. Entre os
agricultores vizinhos à captação do Eixo Leste, em Petrolândia (PE), tampouco
há relatos de alterações no São Francisco provocadas pela transposição.
Fonte: Folha de São Paulo - 11.mar.2018
Marcadores: Meio Ambiente

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