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segunda-feira, dezembro 11, 2017

Foz do rio Amazonas: Entre os corais e o petróleo

A desconfiança era antiga, de quem encontrava peixes borboleta, aqueles listradinhos, ao navegar nas águas turvas da foz do rio Amazonas. Mas o tesouro foi revelado apenas em 2016, com um estudo publicado na revista "Science Advances". Um recife de corais e algas calcárias que se estende do litoral do Maranhão até a fronteira marinha entre o Brasil e a Guiana Francesa, na altura do Oiapoque, no Amapá.
A descoberta que maravilhou os cientistas chamou a atenção para iniciativas de prospecção de petróleo em áreas próximas aos bancos de corais. O que ocorreria com a rica biodiversidade em caso de vazamento de óleo? A Total e a BP tentam conseguir licença ambiental para perfurar os primeiros poços na região. Além disso, o governo brasileiro promete leiloar novos blocos de exploração na área em 2019.
Agora, cientistas revelam que a área de corais é cinco vezes maior que o inicialmente estimado e pode estar sobre blocos de petróleo a serem leiloados.

AS RIQUEZAS DA FOZ DO AMAZONAS
O rio que cruza a maior floresta tropical do mundo não poderia ter um deságue no oceano Atlântico menos apoteótico. A foz do Amazonas é margeada por um dos maiores manguezais contínuos do mundo, localizado no litoral do Amapá, e possui à sua frente, perpendicularmente situada, uma extensa faixa de recifes de corais e rodolitos de mais de 1.000 km de extensão e 40 km de largura.
A área de corais conhecida no primeiro estudo era de 9,5 mil km². Agora, os pesquisadores estimam que os corais se estendam por uma área de 50 mil km² -- equivalente ao Estado do Rio Grande do Norte. Os corais são encontrados em até 200 metros de profundidade.
Tanto os manguezais quanto os bancos de corais possuem importância para o ambiente por serem locais de reprodução, fonte de alimentos e berçário para diversas espécies marinhas.
A pesquisa publicada no ano passado por uma equipe internacional confirmou o que já era indicado em outros estudos e em histórias de pescadores, que remontam à década de 1970.  "Quem pescava e dragava peixe, sabia que tinha coral. Só não se sabia se os recifes eram do tamanho de uma mesa ou da Barreira de Corais da Austrália. A novidade do estudo foi mostrar que é muito maior do que se imaginava", conta Ronaldo Francini, um dos cientistas que escreveu sobre os corais na "Science".

SEMELHANTE A ABROLHOS
Os corais são encontrados em até 200 metros de profundidade. "É comparável com Abrolhos (foto), talvez até maior e biodiversidade", diz Francini, em referência aos famosos recifes de corais encontrados no sul da Bahia. Na foz do Amazonas, as algas calcárias, esponjas -- algumas de mais de dois metros de altura-- e corais usam compostos inorgânicos, como ferro, nitritos e enxofre, para gerar a energia necessária para sobreviverem.

TRANSIÇÃO PARA O CARIBE
Além das espécies típicas de recifes de corais e espécies da costa brasileira, os corais da Amazônia revelam outras surpresas. "Encontramos espécies que se acreditava que só ocorriam no Caribe", afirma o pesquisador. Os especialistas acreditam que a região possa guardar outros tesouros. "Talvez exista uma continuidade de ecossistemas na costa brasileira, que vá do Maranhão ou de Abrolhos (foto) até o Caribe", especula o biólogo.

CENTENAS DE ESPÉCIES
A área tem uma enorme diversidade de peixes característicos de regiões coralíferas, como pargos-vermelhos e chernes. São 40 espécies de corais, 60 espécies de esponjas (29 desconhecidas) e 73 espécies de peixes. Passeiam pelas águas da foz do Amazonas ou próximo à costa golfinhos, baleias migratórias --como a orca e a cachalote--, diferentes tartarugas marinhas, ariranhas, lontras e peixes-boi.

PETROLEIRAS TENTAM LICENÇA AMBIENTAL
Exploração de blocos leiloados em 2013 seria feita em águas profundas

Em 2013, antes da publicação do estudo com a descoberta dos recifes de corais, a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) realizou o leilão de concessões de blocos de exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas. Ainda não está confirmada a existência do combustível fóssil no subsolo. Contudo, as empresas enxergam na área potencial de produzir 14 bilhões de barris de petróleo. No Pré-Sal, para efeito de comparação, a capacidade é de 163 bilhões de barris.

No entanto, as empresas que adquiriam blocos de petróleo ainda não conseguiram licença ambiental para iniciarem a prospecção. A francesa Total já teve três estudos de impacto ambiental negados pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que solicitou complementações. A inglesa BP entregou um estudo, que aguarda parecer técnico.

O problema é que, para os órgãos do governo de fiscalização ambiental e o Ministério Público, a exploração de petróleo na foz do Amazonas traz riscos para os ecossistemas e para as comunidades que sobrevivem da pesca e de recursos do mar.

Um derramamento de óleo teria consequências devastadoras, como o possível "asfaltamento" dos corais da Amazônia com a deposição de resíduos do óleo.
Os estudos de impacto ambiental feitos pelas empresas são vistos como frágeis. Ao pedir complementações à Total, o Ibama apontou inconsistências nos modelos de dispersão do óleo em caso de vazamento para prever, a partir das correntes oceânicas, onde e como o óleo se dispersa em caso de um derramamento de petróleo.

A corrente mais proeminente leva as águas no sentido leste-oeste, na direção da Guiana Francesa. Contudo, as correntes mais profundas, pouco conhecidas, poderiam levar óleo para a costa brasileira. “Pescadores no Oiapoque dizem que já apareceu pedaço de foguete espacial na costa do Amapá, que veio da Guiana Francesa, onde tem plataforma de lançamento”, diz Thiago Almeida, especialista do Greenpeace em Energia.
A descoberta dos corais da Amazônia levou o Ministério Público Federal a solicitar a reabertura do processo de licenciamento ambiental do empreendimento de perfuração naquela região. “Ali há um bioma bem peculiar no mundo, um rio singular, com um ecossistema bem singular. O Ministério Público entende que tem que ter um aprofundamento dos estudos para dimensionar de forma honesta os impactos”, explica Joaquim Cabral, procurador do MPF do Amapá.

Para a ANP, a área pode ser explorada desde que devidamente. “Não há nenhuma restrição para operar na Foz do Amazonas e Pelotas, porque todas as áreas que a gente licita são previamente acordadas com o Ibama. Uma vez oferecidas, não tem por que o licenciamento ambiental não sair se o trabalho de impacto ambiental for bem feito”, disse Décio Oddone, diretor-geral da ANP, em entrevista ao Estadão.

Mesmo de acordo com a modelagem existente hoje, teria 30% de chance de um derramamento de petróleo atingir os corais. Só que a estimativa de extensão dos recifes é muito maior. Isso muda a probabilidade de impacto, Thiago Almeida, especialista do Greenpeace em Energia

EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO EXISTE DESDE 1970
Não é nova a atividade de exploração de petróleo na região. As primeiras buscas por petróleo na bacia começaram em águas rasas, nos anos 1960. "Desde essa época, de 95 tentativas de produzir petróleo na bacia da Foz do Amazonas, nenhuma se mostrou técnica ou economicamente viável", conta Almeida. Além da Total e da BP, Queiroz Galvão, BHP, Ecopetrol e PetroRio são as empresas detentoras de blocos na região. Ao todo, doze blocos já foram licitados, segundo a ANP.

NOVAS FRONTEIRAS ESTÃO EM ÁGUAS PROFUNDAS
Atualmente, busca-se explorar petróleos no mar em águas profundas, a até 1.500 metros de profundidade. Para Almeida, o interesse das petroleiras na região existe pelo fato de águas profundas serem vistas como o futuro da exploração do óleo. "O valor das empresas está ligado a reservas que elas têm, mesmo que não esteja produzindo. A Agência Internacional de Energia estima que novas reservas virão de off-shore, virão do mar. As empresas estão olhando para isso", afirma.

VAZAMENTO EM 2010 "ASFALTOU" FUNDO DO MAR
Para comparar o efeito do vazamento de petróleo no mar, os especialistas lembram o ocorrido com a explosão da plataforma Deepwater Horizon, no Golfo do México, em 2010. Na ocasião, a plataforma da BP derramou 780 milhões de litros de óleo no oceano. Cerca de 10% do petróleo se espalhou e se fixou no fundo do mar devido ao uso de dispersante e à presença de sedimentos do rio Mississippi. Foi como se o óleo "pavimentasse" áreas enormes, como grandes "estacionamentos".

NOVOS LEILÕES ESTÃO PREVISTOS PARA 2019
Em meio à polêmica na Amazônia, a ANP anunciou que vai incluir blocos da bacia da Foz do Amazonas em rodada de licitações de blocos para exploração e produção de petróleo prevista para 2019.
ONGs, como o Greenpeace, pedem que as autoridades brasileiras cancelem todas as licenças de perfuração na bacia da Foz do Amazonas, tornando a região uma área oficialmente protegida. Francini lembra que o Brasil se comprometeu, na cúpula da biodiversidade realizada em Nagoya, no Japão, em 2010, a criar unidades de conservação em pelo menos 10% das zonas costeiras e marinhas até 2020. Hoje, essas áreas protegidas somam apenas 1,5%, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente.

A pasta abriu edital nesse ano para serviços de consultoria para criar uma unidade de conservação que seria batizada de “Recifes da Foz do Rio Amazonas”.
Para o procurador Joaquim Cabral, o aprofundamento dos estudos na região dariam maior certeza para decisões de se realizar ou não novos leilões de blocos de petróleo na foz do Amazonas. “Em relação aos leilões que já ocorreram, se o avançar das pesquisas mostrar que é inviável [a exploração de petróleo] dados os compromissos internacionais e a legislação ambiental interna, é possível o cancelamento”, afirma Cabral.

A ANP diz que todas as áreas oferecidas nas rodadas passam por análise ambiental prévia dos órgãos competentes, e as áreas com restrições ambientais são adaptadas ou excluídas das rodadas, conforme a orientação desses órgãos.
Por meio de nota, a Total afirma que “está avaliando o pedido do Ibama por informações técnicas relacionadas à exploração dos blocos da bacia da foz do Amazonas e que o processo de licenciamento ambiental segue em andamento.
A BP, também em nota, diz que está participando de audiências públicas realizadas pelo Ibama no âmbito do licenciamento ambiental para exploração de blocos de petróleo na região e que segue os requerimentos do processo.

Quando falta certeza científica das dimensões do dano ambiental que uma atividade econômica pode causar, na dúvida, preserva-se a natureza. É o princípio da precaução, que tem sido reconhecido pelos tribunais superiores, Joaquim Cabral, procurador do (MPF) Ministério Público Federal no estado do Amapá.

As novas estimativas mostram que os blocos de petróleo estão totalmente ou em parte sobrepostos às áreas dos recifes de corais. Além do mais, o mundo não pode queimar todas as reservas de petróleo que tem se quiser conter o aquecimento global, Ronaldo Francini, biólogo que pesquisa os corais da foz do Amazonas. Fonte: UOL Noticias -16 de novembro de 2017.



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posted by ACCA@11:43 AM