Foz do rio Amazonas: Entre os corais e o petróleo
A desconfiança era antiga, de quem encontrava peixes
borboleta, aqueles listradinhos, ao navegar nas águas turvas da foz do rio
Amazonas. Mas o tesouro foi revelado apenas em 2016, com um estudo publicado na
revista "Science Advances". Um recife de corais e algas calcárias que
se estende do litoral do Maranhão até a fronteira marinha entre o Brasil e a
Guiana Francesa, na altura do Oiapoque, no Amapá.
A descoberta que maravilhou os cientistas chamou a atenção
para iniciativas de prospecção de petróleo em áreas próximas aos bancos de
corais. O que ocorreria com a rica biodiversidade em caso de vazamento de óleo?
A Total e a BP tentam conseguir licença ambiental para perfurar os primeiros
poços na região. Além disso, o governo brasileiro promete leiloar novos blocos
de exploração na área em 2019.
Agora, cientistas revelam que a área de corais é cinco vezes
maior que o inicialmente estimado e pode estar sobre blocos de petróleo a serem
leiloados.
AS RIQUEZAS DA FOZ DO AMAZONAS
O rio que cruza a maior floresta tropical do mundo não
poderia ter um deságue no oceano Atlântico menos apoteótico. A foz do Amazonas
é margeada por um dos maiores manguezais contínuos do mundo, localizado no
litoral do Amapá, e possui à sua frente, perpendicularmente situada, uma
extensa faixa de recifes de corais e rodolitos de mais de 1.000 km de extensão
e 40 km de largura.
A área de corais conhecida no primeiro estudo era de 9,5 mil
km². Agora, os pesquisadores estimam que os corais se estendam por uma área de
50 mil km² -- equivalente ao Estado do Rio Grande do Norte. Os corais são
encontrados em até 200 metros de profundidade.
Tanto os manguezais quanto os bancos de corais possuem
importância para o ambiente por serem locais de reprodução, fonte de alimentos
e berçário para diversas espécies marinhas.
A pesquisa publicada no ano passado por uma equipe
internacional confirmou o que já era indicado em outros estudos e em histórias
de pescadores, que remontam à década de 1970.
"Quem pescava e dragava peixe, sabia que tinha coral. Só não se
sabia se os recifes eram do tamanho de uma mesa ou da Barreira de Corais da
Austrália. A novidade do estudo foi mostrar que é muito maior do que se
imaginava", conta Ronaldo Francini, um dos cientistas que escreveu sobre
os corais na "Science".
SEMELHANTE A ABROLHOS
Os corais são encontrados em até 200 metros de profundidade.
"É comparável com Abrolhos (foto), talvez até maior e
biodiversidade", diz Francini, em referência aos famosos recifes de corais
encontrados no sul da Bahia. Na foz do Amazonas, as algas calcárias, esponjas
-- algumas de mais de dois metros de altura-- e corais usam compostos
inorgânicos, como ferro, nitritos e enxofre, para gerar a energia necessária
para sobreviverem.
TRANSIÇÃO PARA O CARIBE
Além das espécies típicas de recifes de corais e espécies da
costa brasileira, os corais da Amazônia revelam outras surpresas.
"Encontramos espécies que se acreditava que só ocorriam no Caribe",
afirma o pesquisador. Os especialistas acreditam que a região possa guardar
outros tesouros. "Talvez exista uma continuidade de ecossistemas na costa
brasileira, que vá do Maranhão ou de Abrolhos (foto) até o Caribe",
especula o biólogo.
CENTENAS DE ESPÉCIES
A área tem uma enorme diversidade de peixes característicos
de regiões coralíferas, como pargos-vermelhos e chernes. São 40 espécies de
corais, 60 espécies de esponjas (29 desconhecidas) e 73 espécies de peixes.
Passeiam pelas águas da foz do Amazonas ou próximo à costa golfinhos, baleias
migratórias --como a orca e a cachalote--, diferentes tartarugas marinhas,
ariranhas, lontras e peixes-boi.
PETROLEIRAS TENTAM LICENÇA AMBIENTAL
Exploração de blocos leiloados em 2013 seria feita em águas
profundas
Em 2013, antes da publicação do estudo com a descoberta dos
recifes de corais, a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis) realizou o leilão de concessões de blocos de exploração de
petróleo na bacia da Foz do Amazonas. Ainda não está confirmada a existência do
combustível fóssil no subsolo. Contudo, as empresas enxergam na área potencial
de produzir 14 bilhões de barris de petróleo. No Pré-Sal, para efeito de
comparação, a capacidade é de 163 bilhões de barris.
No entanto, as empresas que adquiriam blocos de petróleo
ainda não conseguiram licença ambiental para iniciarem a prospecção. A francesa
Total já teve três estudos de impacto ambiental negados pelo Ibama (Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que solicitou
complementações. A inglesa BP entregou um estudo, que aguarda parecer técnico.
O problema é que, para os órgãos do governo de fiscalização
ambiental e o Ministério Público, a exploração de petróleo na foz do Amazonas
traz riscos para os ecossistemas e para as comunidades que sobrevivem da pesca
e de recursos do mar.
Um derramamento de óleo teria consequências devastadoras,
como o possível "asfaltamento" dos corais da Amazônia com a deposição
de resíduos do óleo.
Os estudos de impacto ambiental feitos pelas empresas são
vistos como frágeis. Ao pedir complementações à Total, o Ibama apontou
inconsistências nos modelos de dispersão do óleo em caso de vazamento para
prever, a partir das correntes oceânicas, onde e como o óleo se dispersa em
caso de um derramamento de petróleo.
A corrente mais proeminente leva as águas no sentido
leste-oeste, na direção da Guiana Francesa. Contudo, as correntes mais
profundas, pouco conhecidas, poderiam levar óleo para a costa brasileira.
“Pescadores no Oiapoque dizem que já apareceu pedaço de foguete espacial na
costa do Amapá, que veio da Guiana Francesa, onde tem plataforma de
lançamento”, diz Thiago Almeida, especialista do Greenpeace em Energia.
A descoberta dos corais da Amazônia levou o Ministério
Público Federal a solicitar a reabertura do processo de licenciamento ambiental
do empreendimento de perfuração naquela região. “Ali há um bioma bem peculiar
no mundo, um rio singular, com um ecossistema bem singular. O Ministério
Público entende que tem que ter um aprofundamento dos estudos para dimensionar
de forma honesta os impactos”, explica Joaquim Cabral, procurador do MPF do
Amapá.
Para a ANP, a área pode ser explorada desde que devidamente.
“Não há nenhuma restrição para operar na Foz do Amazonas e Pelotas, porque
todas as áreas que a gente licita são previamente acordadas com o Ibama. Uma
vez oferecidas, não tem por que o licenciamento ambiental não sair se o
trabalho de impacto ambiental for bem feito”, disse Décio Oddone, diretor-geral
da ANP, em entrevista ao Estadão.
Mesmo de acordo com a modelagem existente hoje, teria 30% de
chance de um derramamento de petróleo atingir os corais. Só que a estimativa de
extensão dos recifes é muito maior. Isso muda a probabilidade de impacto,
Thiago Almeida, especialista do Greenpeace em Energia
EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO EXISTE DESDE 1970
Não é nova a atividade de exploração de petróleo na região.
As primeiras buscas por petróleo na bacia começaram em águas rasas, nos anos
1960. "Desde essa época, de 95 tentativas de produzir petróleo na bacia da
Foz do Amazonas, nenhuma se mostrou técnica ou economicamente viável",
conta Almeida. Além da Total e da BP, Queiroz Galvão, BHP, Ecopetrol e PetroRio
são as empresas detentoras de blocos na região. Ao todo, doze blocos já foram
licitados, segundo a ANP.
NOVAS FRONTEIRAS ESTÃO EM ÁGUAS PROFUNDAS
Atualmente, busca-se explorar petróleos no mar em águas
profundas, a até 1.500 metros de profundidade. Para Almeida, o interesse das
petroleiras na região existe pelo fato de águas profundas serem vistas como o
futuro da exploração do óleo. "O valor das empresas está ligado a reservas
que elas têm, mesmo que não esteja produzindo. A Agência Internacional de
Energia estima que novas reservas virão de off-shore, virão do mar. As empresas
estão olhando para isso", afirma.
VAZAMENTO EM 2010 "ASFALTOU" FUNDO DO MAR
Para comparar o efeito do vazamento de petróleo no mar, os
especialistas lembram o ocorrido com a explosão da plataforma Deepwater
Horizon, no Golfo do México, em 2010. Na ocasião, a plataforma da BP derramou
780 milhões de litros de óleo no oceano. Cerca de 10% do petróleo se espalhou e
se fixou no fundo do mar devido ao uso de dispersante e à presença de
sedimentos do rio Mississippi. Foi como se o óleo "pavimentasse"
áreas enormes, como grandes "estacionamentos".
NOVOS LEILÕES ESTÃO PREVISTOS PARA 2019
Em meio à polêmica na Amazônia, a ANP anunciou que vai
incluir blocos da bacia da Foz do Amazonas em rodada de licitações de blocos
para exploração e produção de petróleo prevista para 2019.
ONGs, como o Greenpeace, pedem que as autoridades brasileiras
cancelem todas as licenças de perfuração na bacia da Foz do Amazonas, tornando
a região uma área oficialmente protegida. Francini lembra que o Brasil se
comprometeu, na cúpula da biodiversidade realizada em Nagoya, no Japão, em
2010, a criar unidades de conservação em pelo menos 10% das zonas costeiras e
marinhas até 2020. Hoje, essas áreas protegidas somam apenas 1,5%, de acordo
com o Ministério do Meio Ambiente.
A pasta abriu edital nesse ano para serviços de consultoria
para criar uma unidade de conservação que seria batizada de “Recifes da Foz do
Rio Amazonas”.
Para o procurador Joaquim Cabral, o aprofundamento dos
estudos na região dariam maior certeza para decisões de se realizar ou não
novos leilões de blocos de petróleo na foz do Amazonas. “Em relação aos leilões
que já ocorreram, se o avançar das pesquisas mostrar que é inviável [a
exploração de petróleo] dados os compromissos internacionais e a legislação
ambiental interna, é possível o cancelamento”, afirma Cabral.
A ANP diz que todas as áreas oferecidas nas rodadas passam
por análise ambiental prévia dos órgãos competentes, e as áreas com restrições
ambientais são adaptadas ou excluídas das rodadas, conforme a orientação desses
órgãos.
Por meio de nota, a Total afirma que “está avaliando o
pedido do Ibama por informações técnicas relacionadas à exploração dos blocos
da bacia da foz do Amazonas e que o processo de licenciamento ambiental segue
em andamento.
A BP, também em nota, diz que está participando de
audiências públicas realizadas pelo Ibama no âmbito do licenciamento ambiental
para exploração de blocos de petróleo na região e que segue os requerimentos do
processo.
Quando falta certeza científica das dimensões do dano
ambiental que uma atividade econômica pode causar, na dúvida, preserva-se a
natureza. É o princípio da precaução, que tem sido reconhecido pelos tribunais
superiores, Joaquim Cabral, procurador do (MPF) Ministério Público Federal no
estado do Amapá.
As novas estimativas mostram que os blocos de petróleo estão
totalmente ou em parte sobrepostos às áreas dos recifes de corais. Além do
mais, o mundo não pode queimar todas as reservas de petróleo que tem se quiser
conter o aquecimento global, Ronaldo Francini, biólogo que pesquisa os corais
da foz do Amazonas. Fonte: UOL Noticias -16 de novembro de 2017.
Marcadores: Meio Ambiente, petróleo
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