Lembrança: Incêndio do Edifício Grande Avenida
São Paulo parou no fim da manhã de 14 de fevereiro de 1981
para acompanhar um drama: o incêndio do Edifício Grande Avenida, na Avenida
Paulista, e a luta dos bombeiros para salvar vidas.
O fogo começou na sobreloja ocupada pelos escritórios da
Toyobo do Brasil, com um curto-circuito na rede elétrica. Às 11h50 surgiram os
primeiros sinais das chamas. Os bombeiros foram rápidos, mas a falta de água
para combater o fogo determinou a tragédia. A tampa do hidrante mais próximo
estava emperrada e os primeiros caminhões-pipa só chegaram uma hora depois de
iniciado o fogo.
Era um sábado e havia cerca de 50 pessoas no prédio, entre
vigilantes, pessoal de limpeza, funcionários de plantão e técnicos da torre da
TV Record, instalada no topo do Grande Avenida. O incêndio começou com um
estrondo seguido de alguns focos de chamas.
O edifício de 23 andares demonstrou ter uma deficiência
fatal: As portas corta-fogo foram instaladas em todos os andares, exceto na
sobreloja, onde começou o incêndio.
CORPO DE BOMBEIROS E AUXILIARES
Participaram na operação:
■250 bombeiros
■40 viaturas, incluindo; escada magirus, auto-escada,
guindaste e cinco helicópteros para salvamento
VÍTIMAS:
Dezessete pessoas morreram. Centenas ficaram feridas.
DANOS MATERIAIS
O edifício de 23 andares, apenas os três últimos não foram
completamente destruídos.
Fonte: Estadão-14 de fevereiro de 2011
Comentário: As deficiências continuam atuais, como:
■falta de segurança e de manutenção do prédio
■inexistência de sistema de sprinkler
■deficiências dos equipamentos do Corpo de Bombeiros e
■falta de hidrantes públicos com água
Em todo grande incêndio no país, ninguém estava preparado
(os responsáveis pela segurança do prédio, a fiscalização pública) para
combater ao incêndio, prevalecendo a
falta de planejamento e preparação. O pior de todos os riscos, a insegurança do
prédio, as deficiências dos órgãos públicos, auxiliam para que o incidente se
torne uma tragédia.
Vídeo:
COMPLEXIDADE NA RECUPERAÇÃO DO EDIFICO: AS LIÇÕES TÉCNICAS
DO GRANDE AVENIDA
Após o incêndio, o bloco de sobrelojas do Grande Avenida
ameaçava ruir, devido ao cisalhamento de um pilar, que apresentava desaprumo de
mais de 10 cm.
O trabalho era delicado e deveria concentrar-se, com
rapidez, sobre o pilar mais duramente afetado, que se rompera e que vinha
recebendo considerável sobrecarga.
O bloco de sobrelojas do edifício Grande Avenida poderia ter ruído em consequência do
rompimento de um dos pilares do primeiro pavimento. Após a operação de rescaldo
era possível ver, da calçada, que o pilar junto à fachada, localizado acima das
letras T e O da placa da Toyobo, fora parcialmente destruído pela ação do fogo
que, segundo se calcula, pode ter atingido cerca de 1.200º C naquela área do
prédio.
Início da reparação
Ao constatar a extensão do risco, os peritos da Polícia
Técnica solicitaram providências ao condomínio do edifício que,
imediatamente entrou em contato com a
Jatocret Engenharia Ltda., firma especializada em recuperação de estruturas. A
área foi liberada pela polícia para os reparos necessários às 10h30 do dia 18
de fevereiro.
A Etalp-Escritório Técnico Artur Luís Pitta, que procedeu ao
recálculo do trecho, verificou que o pilar rompido ainda recebia um quinhão de
carga (carregamento de cargas) atuante (cerca de 30 t). Os pilares adjacentes
sofriam, assim, enorme sobrecarga, exigindo, portanto, reforços. Se o processo
de ruptura do apoio central prosseguisse, as vigas do pavimento da segunda
sobreloja e sua cobertura também sofreriam ruptura e toda a estrutura do bloco
de sobrelojas poderia ruir, - explica o eng. Fausto Favale, da Etalp.
Dilatação das ferragens
Durante o incêndio, as ferragens do pilar sofreram dilatação
em consequência da elevada temperatura e, não tendo para onde se expandir nas
extremidades, também sofreram flambagem. Ao mesmo tempo, a dilatação do
conjunto da estrutura ocasionou esforços horizontais no pilar, provocando o
cisalhamento do concreto de peça.
Para que os trabalhos de recuperação do pilar rompido (que
em condições normais recebia cerca de 100 t de carga) e de reforço de dois
pilares adjacentes fossem feitos com segurança, foi contratada a BNA
Engenheiros Consultores para o acompanhamento do comportamento da estrutura,
que foi feito através de relógios-deflectômetros instalados na viga com o fim
de medir deformações e permitir -- caso acusassem riscos de desabamento -
evacuação do pessoal.
Simultaneamente à
colocação dos deflectômetros, a Jatocret instalou escoramentos, para aliviar um
pouco a carga. Trabalhou também nos exames para recuperação a equipe do
Escritório Técnico Figueiredo Ferraz.
Reforço do pilar
Foi iniciado o reforço do pilar rompido, com o pré‑cintamento
(colocação de armaduras de confinamento) na região da ruptura, que permitiu a
recomposição do perfil contínuo do pilar, o qual apresentava desaprumo de mais
de 10 cm. Também foram colocados tubos plásticos para posterior injeção de
resina epóxica nos vazios que não seriam totalmente preenchidos pelo concreto.
A concretagem foi feita com cimento de alta resistência pelo processo de concreto projetado, no qual
é utilizada uma máquina de câmara dupla pressurizada, onde o material é lançado
de forma contínua, para alimentar o "canhão", que funciona com
compressor.
NOVA ARMADURA
Após a correção da prumada, foi executado cintamento
helicoidal e disposta uma armadura em substituição à antiga, procedendo-se a
seguir à aplicação de camada de concreto projetado. Foi feito novo cintamento
com barras longitudinais e processado mais um lançamento de concreto até 50 cm
abaixo da viga, a fim de possibilitai' a posterior ancoragem de novos reforços
da viga ou execução de um capital (engrossamento em forma de mísula), para
repasso e/ou reforço que deverá ser executado na viga. É que esta teve seu
diagrama de esforço totalmente alterado devido ao recalque de apoio. Os dois
pilares laterais também foram reforçados pelo mesmo processo, com duas camadas
de concreto, pois não teriam condições de continuar a suportar à sobrecarga
causada pela transferência de esforço. Além disso, enquanto a viga não for
reforçada, os pilares adjacentes continuarão a ter solicitação de carga muito
superior à originalmente prevista.
DANOS CAUSADOS POR INCÊNDIOS EM ESTRUTURAS DE CONCRETO ARMADO
Os incêndios provocam, além da calcinação superficial do
concreto, movimentos de dilatação estrutural (durante o sinistro) e de retração
estrutural (após a ocorrência do incêndio), movimentação das armaduras
atingidas pelo calor, em virtude da dilatação dos aços, e danos sobre os aços
de armação, especialmente sobre os aços CA-50, do tipo B, encruados a frio.
LAJES
As lajes com armaduras do tipo encruadas a frio (CA-50-B),
após o incêndio, perdem resistência e podem desabar, pois com a ação do calor,
o aço passa a se comportar como o de tipo CA-24. Isto porque a ferragem fina da armação positiva sofre
dilatação e a movimentação provoca perda de aderência do concreto e
"expulsão" do revestimento. Além da esfoliação do concreto na parte
inferior (armação positiva), ocorre o enfraquecimento do conjunto concreto x
armadura, devido à perda de aderência. Quando as lajes não desabam,
verificam-se acentuadas deflexões, que resultam em trincas localizadas quase
sempre perto do vão próximo dos apoios. Esse fenômeno ocorre usualmente nos
focos de incêndio.
As lajes pré-moldadas protendidas são mais sensíveis à ação
do fogo e quase sempre entram em colapso; quando isso não ocorre, apresentam
grandes deformações.
VIGAS
As vigas, geralmente, apresentam trincas provocadas por
flexão, retração ou cisalhamento. As trincas por retração são provocadas pela
desidratação do concreto e as mais afetadas são as de maior dimensão
longitudinal.
Já as trincas causadas por flexão e cisalhamento são
originadas pelas movimentações mais intensas ocorridas durante o incêndio:
movimentos de dilatação horizontal da estrutura e abatimentos verticais
ocasionados pelo colapso de pilares ou mesmo pelo rompimento de uma sequência
linear de vigas e lajes.
Os danos da armadura são provocados pela dilatação da
ferragem e perda de aderência ao concreto. Nos pontos de maior incidência de
calor, essa dilatação pode causar "embarrigamentos" da ferragem
principal em função da flambagem (alongamento dos ferros).
A dilatação da ferragem principal traz como
consequência muitas vezes, o surgimento
de fissuras e trincas nos ombros das vigas, na sua parte inferior, num ângulo
de aproximadamente 45°, que tendem a separar cunhas nos dois lados do fundo da
viga.
A presença de fissuramentos e abatimentos maiores nas vigas
torna imprescindível a execução de reforços. As condições de ancoragem,
continuidade e colocação das armações são, entretanto, muito específicas,
exigindo a conjugação das técnicas do engenheiro especialista em recuperação e
do engenheiro calculista. A soma dos conhecimentos técnicos de ambos é
essencial ao bom detalhamento de um projeto de reforço.
PROVIDÊNCIAS INICIAIS
Os escoramentos de vigas são quase sempre determinados pela necessidade
de se aliviar pilares adjacentes. Algumas vezes, entretanto, podem ocorrer
trincas de certa gravidade em vigas e lajes consecutivas, evidenciando uma
linha bastante nítida de ruptura e abatimento. Nestes casos, geralmente, é
indicado o escoramento do conjunto. Mais raramente, a ruptura grave de uma viga
principal também exige o emprego de escoramento.
A primeira providência a ser adotada durante a vistoria
inicial de uma estrutura afetada por incêndio é a instalação de deflectômetros
capazes de acusar imediatamente a existência ou não de movimentos estruturais.
Isto porque a presença de deformação acentuada e, principalmente, a velocidade
dos movimentos estruturais são indicadores do grau de risco de colapso e
permitem assinalar os pontos que devem receber atendimentos de emergência.
Não havendo movimentação na estrutura, a instalação de
escoramento resulta em economia. No entanto, muitas vezes a execução de uma
obra de reforço é mais rápida e, por isso, mais recomendável que o simples
escoramento. Nesse caso, é conveniente também a medição dos recalques para a
segurança da equipe de trabalho.
A medição de movimentos estruturais permite, a priori e em
curto prazo, determinar qual a área de maior emergência e proceder à avaliação
de risco x prazo entre a execução de reforços ou de escoramentos. Merece
cuidado especial a interpretação da distribuição de esforços, quando do colapso
de uma peça estrutural. A existência de deformação lenta das peças estruturais
adjacentes, que absorvem a carga da peça falida, pode provocar o retorno progressivo
dessas cargas à peça afetada. Esse fenômeno é responsável por colapsos
estruturais ocorridos dias após a incidência do incêndio. As redistribuições de
cargas, nesses casos, são complexas e as deformações lentas agravam, mais
ainda, as dificuldades de avaliação dos esforços atuantes nas estruturas
abaladas.
PILARES
Os pilares sofrem, geralmente, os mesmos fenômenos
verificados com vigas e lajes. No entanto, pelas características específicas de
carregamento a que estão submetidas, apresentam, algumas vezes, sintomas
diversos.
A ação continuada do calor pode provocar a flambagem da
ferragem principal, causando esmagamento dos pilares. Por outro lado, a
dilatação das vigas, principalmente as de vão maior, que resultam em esforços
adicionais por cargas horizontais, também podem levar pilares a colapso por
tensões de cisalhamento.
Em outras vezes - como aconteceu no bloco de sobrelojas do
Grande Avenida - é a soma das duas causas que leva um pilar ao colapso durante
o incêndio.
Também é possível que some-se a esses dois fatores a
redistribuição dos esforços decorrente da deformação lenta posterior ao
incêndio. Nesse caso, o pilar sofre ruptura vários dias após o sinistro. Por
isso, a colocação de deflectômetros - que acusam deformações estruturais e a
variação da velocidade dos recalques - poderá permitir a detectação da presença
e da intensidade desses fenômenos, permitindo, muitas vezes, que sejam tomadas
providências antecipadas de reforços e escoramento.
Fonte: Jatocret Engenharia Ltda, revista Construção São
Paulo –1981 Marcadores: incêndio
1 Comments:
Execelente artigo! Obrigada!
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