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quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Produto antifogo contamina golfinhos

Substância que retarda chama em diversos produtos é encontrada em cetáceos que vivem no alto-mar

Uma substância usada para impedir que peguem fogo produtos tão variados quanto celulares, embalagens de alimento e travesseiros já está contaminando a costa brasileira, chegando a ser detectada em golfinhos de alto-mar.

Os chamados retardantes de chamas (ou PBDE – éter difenil polibrominado) foram achados em nove golfinhos-pintados-do-Atlântico (Stenella frontalis), capturados acidentalmente por pescadores entre 2004 e 2007 na costa de São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

PESTICIDAS ORGANOCLORADOS E PBDE
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e da Universidade Federal do Rio Grande (Furg-RS) fizeram a descoberta após analisar a gordura dos animais. Encontraram também altas taxas de pesticidas organoclorados como DDT – usado em plantações do Vale do Ribeira até 1997 – e PCB (bifenilpoliclorado ou ascaréis), também proibido desde 1981, proveniente, por exemplo, de indústrias de transformadores na baixada santista.

O trabalho mostra que a concentração dessas substâncias não chega a ser maior que a observada em outros cetáceos de áreas mais poluídas, como a costa japonesa e a costa leste dos EUA.

Para os pesquisadores, porém, o estudo serve de alerta porque essa espécie de golfinho não vive muito perto da costa. Ela já foi observada, por exemplo, em pontos do oceano a 900 metros de profundidade.

Isso sugere que a contaminação pode estar se espalhando mar adentro, segundo o biólogo Marcos César de Oliveira Santos, do Instituto Oceanográfico da USP, que fez a pesquisa quando estava na Unesp de Rio Claro.

No caso do PCB, a contaminação observada nos golfinhos foi maior que a vista por outras pesquisas em toninhas (Pontoporia blainvillei) e botos-cinza (Sotalia guianensis), que vivem mais próximos da costa. “Ainda não conhecemos bem a movimentação da espécie. Pode ser que ela venha até a costa para se alimentar e tenha se contaminado, mas pode ser que os poluentes estejam espalhados.”

CADEIA ALIMENTAR PODE ESTAR CONTAMINADA
Além disso, como os golfinhos estão no topo da cadeia alimentar e as substâncias avaliadas são cumulativas, o fato de os animais estarem contaminados indica que todos os outros seres da cadeia também estão. Degradados no ambiente, esses poluentes são absorvidos pelo fitoplâncton, depois pelo zooplâncton que se alimenta dele, em seguida por crustáceos e peixes, até chegarem aos golfinhos – e, portanto, também aos seres humanos.

“A preocupação não é só pelos golfinhos, mas por mostrar que o alimento que a gente ingere está contaminado com substâncias cancerígenas”, diz, referindo-se ao PCB e ao DDT. Os efeitos dos retardantes ainda não são bem conhecidos, até porque o uso do PBDE é recente – apareceu há cerca de dez anos.

“A gente, na verdade, não esperava encontrar nada ou somente traços da substância, justamente por ser recente”, comenta. Mas ao menos dois indivíduos, com menos de 1 ano, apresentaram taxas de PBDE acima do nível considerado fisiologicamente aceitável, ou seja, limite que passa a trazer consequências para o organismo. Para as gerações futuras, isso pode significar a ocorrência de má-formação, câncer e mortalidade.

Filhotes. Esse temor é reforçado por uma outra descoberta da equipe. Entre os animais analisados estava presente uma fêmea ainda em fase de amamentação. Os níveis de contaminação nela eram muito menores que nos demais.

Ao contrário dos machos adultos, que carregam os poluentes para sempre – e por isso são apelidados de “sentinelas de qualidade ambiental” –, as fêmeas, ao amamentar, acabam repassando-os para a cria. “Ela passa até 50% para o filhote”, diz Santos. “Esse animal pode não chegar à maturidade sexual. O que eventualmente pode afetar a reposição dessa população.”

Fonte: Estadão - 07 de fevereiro de 2012

Comentário:
RISCO AMBIENTAL DA APLICAÇÃO DE ÉTERES DE DIFENILAS POLIBROMADAS COMO RETARDANTES DE CHAMA


1-Retardantes de chama bromados acumulados nos tecido adiposos, especialmente em animais e são absorvidos pelos materiais orgânicos tais como a água, o solo, e de vida vegetal, incluindo as florestas.
2-Mudanças de temperatura permitem PBDE percorrer longas distâncias como eles se fixam em climas frios e volatilizam em climas quentes. Isto é conhecido como o efeito gafanhoto (a deposição e revolatilização dos poluentes são caracterizadas por mudanças sazonais de temperatura).
3-Estudos realizados na população Inuit (povos aborígenes) no Ártico do Canadá revelam nas suas amostras de leite materno contaminantes a níveis semelhantes aos resíduos tóxicos
Os níveis de PBDE foram recentemente medidos em populações e estão em ascensão há 15 anos.
4- Arnold Schecter, da Universidade do Texas e colegas descobriram que todo sangue e amostra de leite materno coletado nos EUA estão contaminados com PBDE
5-Também descobriram que os níveis de PBDE em alimentos nas prateleiras dos supermercados nos EUA são 10 a 100 vezes maiores que os encontrados anteriormente na Europa e Ásia.

Os retardantes de chama, dentre os quais se destacam os éteres de difenilas polibromadas, são aditivos de materiais destinados a torná-los resistentes ao fogo ou a altas temperaturas, inibindo ou suprimindo o processo de combustão, dentre os quais se destacam os éteres de difenilas polibromadas (PBDEs, do inglês, polibromated diphenyl ethers).

A ampla utilização de materiais poliméricos inflamáveis resultou num significativo aumento na demanda de retardantes de chama (FRs, do inglês flame retardants) como principal medida de segurança na prevenção de incêndios, particularmente nas indústrias de eletroeletrônicos, têxtil, automobilística e construção civil.

Estes produtos são empregados em materiais como madeira, plásticos, papéis, utensílios de cozinha etc. Em computadores são comumente usados em circuitos impressos, conectores, capas plásticas e cabos, além de serem usados como coberturas de televisão. Esses bens de consumo se queimam com muita facilidade, e uma vez iniciada a ignição, a combustão completa é rápida, reduzindo as chances de fuga e aumentando o risco de danos causados por queimaduras .
Os FRs são adicionados durante ou após o processo de fabricação a fim de tornar os materiais resistentes ao fogo ou a altas temperaturas, inibindo ou prevenindo o processo de combustão, reduzindo o risco de lesões em casos de incêndio.

ASPECTOS TOXICOLÓGICOS
Fontes de exposição aos éteres de difenilas polibromadas Os PBDEs podem ser lançados no ambiente de diversas maneiras; pelas indústrias durante a manufatura destes compostos ou pela produção de materiais que possuem PBDEs em sua constituição, ou ainda pela disposição inadequada de bens de consumo que os contenham. Outras fontes de exposição estão relacionadas à utilização e reciclagem de produtos contendo os PBDEs como computadores, televisores, estofados etc. A absorção dos PBDEs se dá principalmente por inalação, na maioria partículas emitidas na fase gasosa

TOXICIDADE ÉTERES DE DIFENILAS POLIBROMADAS
Vários estudos têm demonstrado o potencial tóxico dos PBDEs, sendo hepatotoxicidade, alterações imunológicas, neurotoxicidade, ações endócrinas e desenvolvimento de câncer seus principais efeitos.. Estudo em roedores com administração diária de 5 – 10 mg/Kg de misturas de PBDEs evidenciou alterações hepáticas, degeneração histopatológica, hepatomegalia e indução de enzimas microssomais.

Similarmente a outros poluentes orgânicos persistentes (POPs), os PBDEs são recalcitrantes no meio ambiente devido a sua alta lipofilicidade e estabilidade química, podendo ser encontrados em diversos compartimentos ambientais e em fluidos biológicos humanos, tais como tecido adiposo, leite materno e sangue humano; além de peixes, pássaros, animais marinhos, sedimentos, alimentos, poeira doméstica e no ar presente dentro e fora de domicílios. Portanto, os PBDEs apresentam características que os qualificam como POPs de acordo com a Convenção de Estocolmo em 2004 .

Os PBDEs podem atingir o meio ambiente através da disposição inadequada de bens de consumo, principalmente em depósitos de lixos. O chorume liberado por estes depósitos pode atingir lençóis freáticos dependendo do tipo de solo da região, principalmente quando se trata de aterros sanitários antigos. Além disso, os PBDEs podem ser lançados juntamente com efluentes industriais, uma vez que estes compostos não são legislados no Brasil, portanto não há controle de emissão.

O destino de todo material contendo PBDEs é primordial para avaliação da contaminação ambiental. Estes materiais podem ser descartados diretamente no ambiente ou sofrerem algum processo de reciclagem. Dados estatísticos demonstram que cerca de 60% de toda produção de materiais que apresentam substâncias comprovadamente tóxicas, dentre elas os PBDEs, é descartada em detrimento às suas potenciais aplicações, como fonte termodinâmica ou reutilização na produção por reciclagem . Os processos de reciclagem não são estimulados pela ausência de normatização e pela baixa sustentabilidade dessas técnicas pela tecnologia existente ser ainda onerosa. Como conseqüência, destino desses materiais acaba por ser o meio ambiente. Além disso, a exposição dos trabalhadores a esses compostos em unidades de reciclagem constitui importante fonte de exposição.

O uso de retardantes de chama bromados elevou os níveis ambientais de diversos compostos tóxicos como polibrominato dibenzo dioxinas (PBDDs) e polibrominato dibenzo furanos (PBDFs) que estão presentes em baixas concentrações (contaminantes) em algumas misturas comerciais, além de serem gerados no processo de combustão, principalmente dos PBDEs. Surpreendentemente, a mistura de substituintes derivados de cloro e bromo torna possível à
formação de aproximadamente 5000 diferentes dioxinas e furanos: 75 PBDDs, 135 PBDFs, 1550 dioximas bromo/cloro e 3050 furanos bromo/cloro .

Têm se observado um aumento significativo nas publicações científicas referentes à detecção dos PBDEs em amostras de água, por este motivo, em 2005 esta classe de retardantes de chama bromados foi incluída pela primeira vez na revisão sobre análise de contaminantes emergentes em águas, publicada a cada dois anos pelo periódico Analytical Chemistry. Fonte: Revista Brasileira de Toxicologia 21, n.2 (2008) 41-48

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