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quinta-feira, outubro 29, 2009

Riscos da indústria de chips

Uma nuvem tóxica marrom-amarelada subia do piso em uma fábrica de chips para computadores da Teccor Electronics em Irving, Texas (oeste dos EUA). Ácidos haviam vazado de uma bomba defeituosa para as placas de silício. A reação química resultante criou uma fumaça perigosa.
Três funcionários, atordoados e lutando por respirar, terminaram no hospital. Por semanas, sofreram problemas respiratórios.

Riscos à saúde dos trabalhadores
Algumas companhias colocaram em perigo a vida de seus trabalhadores por não treiná-los integralmente quanto aos produtos químicos de alto risco, às vezes mortíferos, que manipulavam.

Segurança Inadequada
■ Cerca de 10% das cerca de 1.200 fabricas de chips e equipamentos correlatos inspecionadas desde 1992 demonstraram deficiências de treinamento.
■ De 1993 a 1997, 10 das 36 fábricas do setor no Vale do Silício, na Califórnia (Costa Oeste dos EUA), foram intimadas devido a problemas de saúde e segurança, segundo a OSHA e os Corpos de Bombeiros locais.
■ Algumas continuaram a usar produtos químicos suspeitos de causar câncer ou abortos, mesmo que a vasta maioria das empresas tenha reconhecido o perigo e adotado substitutos mais seguros, segundo dados oficiais.

Processos penais
O setor é alvo de dois conjuntos de processos penais, envolvendo a IBM e a Motorola. Trabalhadores e comunidades alegam que os produtos químicos usados para fabricar chips causaram câncer, defeitos congênitos e desordens respiratórias e neurológicas.
No Vale do Silício, pelos menos 18 dos 29 locais designados pelo governo federal como parte do Superfund -os lugares mais poluídos do país- estão vinculados à indústria de chips. Mais trabalhadores e comunidades provavelmente enfrentarão perigos gerados pelo setor à medida que este progride. Nos próximos cinco anos, 30 grandes fábricas de microprocessadores serão abertas nos EUA.

Poder econômico
A alta capacidade econômica do setor de semicondutores encobriu seu lado tóxico. Companhias norte-americanas do setor empregam 265 mil pessoas em todo o mundo. Nos EUA, a indústria fornece os componentes básicos para a indústria da eletrônica, que fatura US$300 bilhões ao ano e emprega 2,4 milhões de pessoas.

Riscos na etapa de fabricação de chips
Foto: Técnicos, com roupas especiais, que não soltam partículas, manipula chips em sala limpa, na qual o ar é mais livre de poeira do que nas salas de cirurgia.

Os funcionários trabalham dentro de edifícios baixos, em salas tão desprovidas de poeira que, em comparação, até mesmo salas de cirurgia em hospitais podem ser consideradas sujas.
Os trabalhadores usam trajes que os cobrem da cabeça aos pés para que pedaços de suas peles, cabelos e sua respiração não contaminem os preciosos chips.

Em torno dos trabalhadores, porém, em tubos por sobre suas cabeças e ralos de drenagem no solo, flui um rio químico perpétuo.
Mais de 60 ácidos, solventes e gases perigosos são empregados na produção. Os produtos químicos escavam circuitos microscópicos nas placas de silício, um processo com dezenas de etapas.
■ O ácido fluorídrico, um gás ou líquido incolor, pode causar queimaduras severas que per­furam a pele.
O gás arsina é o mais tóxico e ataca as células vermelhas do sangue. Um vazamento de um cilindro desse gás em uma sala de estar típica causaria a morte em uma aspirada. Gás militar venenoso.
O gás fosfina, igualmente tóxico, destrói o tecido pulmonar.
O gás silano (hidrogênio siliciado) entra em ignição ao contato com o ar e já envolveu trabalhadores com suas chamas.

Doença ocupacional e segurança
Na antiga fábrica da Zilog, em Idaho (oeste dos EUA), os trabalhadores ficaram repetidamente expostos a ácidos, solventes e fumaça química, em 1993 e 94.
Eles dizem que essa exposição os fez adoecer e, em alguns casos, causou abortos. Os trabalhadores queixosos fecharam um acordo com a companhia por US$ 2,25 milhões em 1996.
Em contrapartida, dados do Serviço de Estatísticas do Trabalho apontam a indústria de semicondutores como uma das seguras. Seu índice de ferimento e doenças entre trabalhadores fica em cerca de um terço da média da indústria.
Os trabalhadores do setor de semicondutores tem, no entanto, taxa de exposição a produtos químicos, com resultante perda de dias de trabalho, 29% superior a da média da indústria.
Diversos estudos demonstraram que os trabalhadores das fábricas de processadores têm mais problemas respiratórios e dermatite do que outros operários da indústria. Três estudos entre 1986 e 1992 demonstraram também a suspeita de uma ligação entre o éter glicolizado à base de etileno,

Riscos químicos - treinamento inadequado
Dez por cento das fábricas do setor não treinaram ou informaram seus trabalhadores adequadamente quanto aos riscos químicos. Essa média é duas vezes melhor que a indústria como um todo, diz a OSHA.
Mas poucos setores usam tantos tipos diferentes de produtos químicos tóxicos como as fábricas de semicondutores. Mais de 85% das companhias de semicondutores advertidas por deficiências de treinamento eram empresas de menor porte.
■ Funcionária da Zilog teve 4 abortos e um filho morto nos três anos em que trabalhou na empresa, mas não está processando a companhia.
■ Na Zilog, cerca de 900 funcionários tiveram problemas de saúde em 93 e 94; a empresa não admite responsabilidade pelas doenças.
■ Em 96, vazamento de 453 quilos de gás tóxico em uma fábrica de chips em Michigan provocou desocupação de uma área de cerca de 5 km2.

Saiba como são feitos os microprocessadores
A fabricação do cérebro do computador é algo muito complexo. São necessárias, em média, 2.000 etapas para produzir um circuito integrado mais sofisticado.
A complicação do circuito reside na desproporção entre os milhares de caminhos internos, por onde vão circular os sinais elétricos, e suas reduzidas dimensões.
Um microprocessador, como o Pentium II de 333 MHz, da Intel, por exemplo, contém 7,5 milhões de transistores comprimidos em um espaço de apenas 1,5 cm2.
No mundo palpável, um chip se­ria equivalente a uma lasanha de um metro de altura espremida dentro de um chiclete.

Camadas
O milagre da compressão é conseguido com a produção em camadas, depositadas sobre uma base normalmente de silício.
O processo é semelhante ao da impressão de imagens em cores sobre papel. A partir dos filmes, são depositadas as camadas de tinta amarela, vermelha, azul e preta.
No chip, são alternadas camadas de filmes e de padrões, que vão criar circuitos da dimensão de 1 milionésimo a 1 bilionésimo de metro. Um fio de cabelo é cem vezes maior que essas dimensões.
A pilha de camadas forma as bolachas, com vários chips, que de­pois são destacados e encapsulados (blindados).
Para depositar os filmes são necessários gases, e, para definir os padrões, gases e produtos químicos. Nesta etapa é que se inicia o risco.
O filme de silício é depositado com o gás silana, altamente explosivo e tóxico. O silana entra por um tubo de um forno aquecido a uns 600 graus e a uma pressão cerca de mil vezes menor que a da atmosfera.
Entre os gases utilizados na produção dos chips estão o hidrogênio, também explosivo, e os tóxicos e letais arsina e fosfina.
Na definição do padrão, até o final dos anos 80 foram muito utilizados os CFCs, gases que destroem a camada de ozônio em torno planeta.
Também para transferir padrões são utilizados produtos químicos corrosivos, como o ácido clorídrico e a amônia, estão em concentração muito superior à que é encontrada na água sanitária.

Prevenção
Para evitar a ação poluente desses produtos, a indústria adota, a lavagem de gases, colunas de água para “lavar” os gases explosivos, for­nos para queimar os gases tóxicos, e vários tipos de tratamento para os líquidos, incluindo a diluição em água.

O grande problema é os solventes, como acetona e vários alcoóis, cujos restos têm de ser estocados.

Novas fábricas de chips oferecem mais segurança
As novas fábricas de semicondutores, como a instalação de US$ 750 milhões que a LSI Logic construiu em Gresham, Oregon, fazem muito para reduzir os perigos da produção de chips.
Produtos químicos tóxicos viajam pela fábrica em tubos de aço inoxidável. Os tubos, por sua vez, ficam encapsulados dentro de outros tubos.
Dessa maneira, não há vazamentos. Nas fábricas mais antigas, os produtos químicos às vezes são guardados em vasilhames e transporta­dos manualmente.
Máquinas de US$ 1 milhão têm braços robotizados para aplicar os produtos químicos sobre placas de silício, das quais os chips são cortados.
Trabalhadores protegidos por painéis de vidro monitoram as máquinas. Se tudo estiver funcionando bem, os trabalhadores jamais entram em contato direto com os produtos químicos.

Transporte robotizado
Quando as placas de silício terminam de ser processadas em uma máquina, são carregadas por um robô para um contêiner fecha­do. e enviadas por uma correia transportadora pendente do teto para a próxima máquina.
Os vapores de exaustão das máquinas são conduzidos diretamente ao sistema central de exaustão, de modo que não escapem fumos para a área de trabalho;
Os vapores exauridos são trata­dos por um equipamento de controle de poluição antes de serem expelidos. Os drenos de gases apanham os ácidos exauridos e os misturam com águas. Os fumos químicos dissolvem-se na água, que é tratada na fábrica antes de ser liberada nos esgotos.
Outros equipamentos, chamados de oxidantes térmicos, reduzem as emissões de compostos orgânicos voláteis em até 90%, de acordo com as estimativas.

Ar monitorado
O ar dentro da fábrica é monitorado, a fim de fornecer detecção antecipada de qualquer vazamento de gás. Há entrada de ar limpo direto para o local de trabalho.
O ar dentro da fábrica da LSI é pelo menos 30% fresco a qualquer mo­mento do processo de trabalho, diz Dan Peloso, diretor da fábrica.
Os ácidos tóxicos, gases e sol­ventes da fábrica da LSI são armazenados em salas separadas para que não se misturem acidentalmente e não criem uma reação química que poderia resultar em fumos, incêndios ou explosões.
Sensores na sala de armazenagem de gases testam o ar a cada 45 segundos, à procura de vazamentos. Os sensores estão conectados a uma sala central de emergências, que tem um plantão de 24 horas por dia em operação.
Alguns dos gases mais tóxicos, como o arsina, ficam em cilindros menores que só liberam o gás quando conectados a sistemas de vácuo. Isso reduz o risco de uma grande liberação de gases.
Alguns produtos químicos usados em maior quantidade ficam armazenados do lado de fora.
O hidróxido de sódio, usado pa­ra neutralizar a água ácida gerada pela fábrica, fica armazenado em um tanque de 500 galões. O tanque fica dentro de um recipiente maior, de modo que quaisquer vazamentos sejam contidos.

Controles aperfeiçoados
As novas fábricas poluem menos do que as antigas devido a equipa­mentos aperfeiçoados de prevenção da poluição, processos de produção mais ecológicos e, às vezes, regulamentos mais severos.
No Arizona, as unidades construídas antes de 1988 não precisam ter tanto equipamento de controle de poluição quanto às novas.
A fábrica da Intel em Aloha, Oregon, que começou a produzir em 1974, é uma das unidades mais antigas da companhia. Em 1995, a fábrica emitiu 10 toneladas de poluentes tóxicos, de acordo com dados da Agência de Proteção Ambiental.
A fábrica mais nova da empresa, em Rio Rancho, teve emissões de 7,2 toneladas e é duas vezes maior que a de Aloha.
A fábrica da LSI vai separar seus detritos em 13 linhas, para que possam ser mais facilmente recicláveis. Espera reciclar 30% de sua água, 60% de seus solventes de limpeza e 40% de seus ácidos.

Economia na segurança
As companhias de chips não são motivadas puramente por preocupações de saúde e ambientais na construção de fábricas mais seguras é ecologicamente mais eficientes. Isso faz sentido em termos de negócios, igualmente.
A Texas Instruments estima que pode economizar US$ 40 milhões por ano reciclando solventes usa­dos para limpar chips. Está conduzindo projetos piloto em três fábricas.
Acidentes ou derramamentos de produtos químicos, que causam evacuações, podem custar a uma fábrica de porte médio até US$ 500 mil em receita por dia de paralisação.

Aplicação das leis varia muito
O projeto e a construção de uma fábrica podem fazer muito para reduzir os problemas.
No Vale do Silício -região da Califórnia em que se concentram empresas de informática, as fábricas em geral precisam cumprir os mais severos códigos de construção contra incêndios durante o projeto e a instalação. Isso torna as fábricas -que cus­tam mais de US$ 1 bilhão- ainda mais caras, mas mais seguras.
As fábricas do Vale do Silício são obrigadas a transportar os gases tóxicos e corrosivos em dutos duplos. Se um duto quebra, o produto químico pode ser contido antes que atinja os funcionários ou escape para o meio ambiente. Mas duplo encanamento não é exigido fora da região.
Grandes companhias, como a LSI Logic, dizem instalá‑los de qualquer forma, mas nem todas as companhias o fazem e isso preocupa William Bianco, executivo da Kinetic Systems, um fornecedor de sistemas mecânicos à indústria do chip.
Bianco diz que algumas fábricas são tão perigosas que sua companhia se recusa a trabalhar nelas. Ele diz que encanamentos duplos para gases “devem ser implementados em toda parte, não importa o custo”, que em geral é três vezes superior ao do sistema simples.
A aplicação dos códigos existentes varia, igualmente. “Na Califórnia, a indústria é bem regulamentada. Mas pode-se ir a outros lugares onde não há regulamento nenhum", diz Gale Bate, da consultoria Code Resource.

Ação judicial
Ação tenta vincular produção ao câncer
■ Keith Barrack, 33, trabalhou na fábrica da IBM em East Fishill, Nova York, de 1986 a 1989. Tinha 30 anos quando recebeu um diagnóstico de câncer nos testículos -câncer que ele acredita tenha si­do causado pela exposição, no trabalho, aos produtos químicos que causam câncer em ratos. Duas pessoas que trabalhavam perto dele também tiveram câncer. Uma delas morreu.
■ Zachary Ruffing, 12, nasceu com deformidades no esqueleto. Sua mãe e pai trabalhavam na mesma fábrica da IBM nos anos 80. Durante a gravidez, sua mãe foi impedida de trabalhar com produtos químicos suspeitos de causar defeitos congênitos e abortos. “Mas eu estava respirando aquilo tudo", diz Faye Carlton, 35.
■ Barrack e Ruffing são dois dos 128 ex-trabalhadores da IBM e seus familiares que abriram processos alegando que produtos químicos fizeram com que contraís­sem câncer ou causaram defeitos congênitos em suas crianças.
O processo é a maior tentativa até hoje de vincular a produção de chips ao câncer. Está na fase de investigação.
Apresentado em 1996, o processo visa às empresas que fabricam os produtos químicos supostamente responsáveis pelos problemas, entre as quais Union Carbide e Eastman Kodak. As leis de compensação trabalhista impedem que os trabalhadores processem a IBM diretamente. Mas algumas crianças nascidas com defeitos processaram a IBM. E a Union Carbide também.

Defesa
A empresa alega que não há evidencias científicas válidas para sustentar as alegações de que seus produtos são perigosos, se usa­dos apropriadamente.
"Se os produtos químicos causam problemas, isso se deve a uso impróprio por parte da IBM ou de seus empregados", diz Robert Berzok, da Union Carbide.
A IBM diz que seus controles contra exposição a produtos químicos excedem as normas governamentais. “Não acreditamos que as doenças das pessoas envolvidas nesse processo tenham qualquer coisa a ver com seus trabalhos", disse o porta-voz Tom Beermann. A Kodak recusou-se a comentar.
Embora os potenciais riscos de saúde do setor sejam motivo de disputa, sua capacidade de prejudicar o meio ambiente está bem documentada.
Em Phoenix, a Motorola e outras companhias de eletrônica e do setor aeroespacial criaram dois depósitos do Superfund que abarcam os suprimentos de água sob a cidade de Phoenix e a vizinha Scottsdale. A Motorola gastou mais de US$ 74 milhões tentando impedir que a contaminação, que coloca em risco o suprimento de água- se espalhe.

Água contaminada
Cinco processos foram abertos contra a Motorola e outras entidades responsáveis. O primeiro deles vai a julgamento em março.
Dezenas de queixosos alegam ter contraído câncer por beber água contaminada, ou por exposição ao TCE (tricloroetileno) na atmosfera e no solo.
Centenas de outros queixosos dizem ter sofrido desordens neurológicas ou respiratórias ou que suas propriedades perderam valor devido à contaminação.
A Motorola contesta todas as acusações. Afirma que ninguém bebeu TCE suficiente para ser prejudicado. "Não acreditamos que alguém tenha sido exposto a algo perigoso", diz o porta-voz da em­presa, Lawrence Hurst.

Multas
O setor é o oitavo maior emissor de poluentes tóxicos em esgotos públicos, demonstram dados da Agência de Proteção Ambiental.
Quando liberada no meio ambiente, a água das fábricas precisa estar limpa o suficiente para atender aos padrões de segurança.
Mas, em 1994, uma fábrica da Matsushita Semiconductor em Puyallup, Washington, foi multa­da em US$ 37,5 mil por ter descarregado quantidade excessiva de poluentes no rio Puyallup pondo em risco os peixes, segundo os registros estaduais.
A Matsushita alega ter tido problemas com seu equipamento de tratamento de água.
EUA devem examinar 100 mil operários da indústria eletrônica em pesquisa sobre câncer planejada pela Agência de Proteção Ambiental.

Fonte: Folha de São Paulo e USA Today

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posted by ACCA@9:58 PM