MISTÉRIO DOS JAVALIS RADIOATIVOS DA ALEMANHA É EXPLICADO
Animais da Baviera foram afetados pelo desastre nuclear de Chernobyl em 1986. Desde então, várias espécies se recuperaram. Mas níveis de radioatividade permaneceram elevados em javalis. Cientistas explicam o porquê.
O acidente nuclear de
Chernobyl, em 1986, na antiga União Soviética, teve um grande impacto negativo
na fauna e na flora da Europa Central. Nos anos seguintes ao desastre, o
consumo de cogumelos e de carne de animais silvestres foi desencorajado devido
à contaminação radioativa, especialmente no sul da Alemanha.
Nos últimos anos, a
contaminação em veados e corças selvagens diminuiu. Mas a radiação em javalis
permaneceu elevada, em contraste com outros animais. Isso ficou conhecido como o
"paradoxo do javali". Agora, um grupo de pesquisadores acredita ter
encontrado a razão da persistência dessa contaminação. Os resultados foram
divulgados nesta quarta-feira (30/08) na revista Environmental Science &
Technology.
Os pesquisadores estudaram
especificamente 48 javalis (Sus scrofa) abatidos no estado alemão da Baviera
entre 2019 e 2021, a cerca de 1.300 quilômetros de distância da antiga usina de
Chernobyl. Eles encontraram uma exposição desproporcional ao isótopo radioativo
césio-137 entre 370 e 15.000 becqueréis por quilograma, ou 25 vezes mais do que
o limite legal de 600 becqueréis permitido pela União Europeia (UE). E nem toda
essa contaminação tem origem no acidente de Chernobyl.
CHERNOBYL NÃO É A ÚNICA CAUSA
Estudos anteriores calcularam
que cerca de 10% do césio radioativo presente nos javalis da Baviera remontava
a testes de armas nucleares na década de 1950 e 1960. Os outros 90% seriam
resultado do desastre de Chernobyl.
No entanto, a nova análise
revelou que a maior quantidade de césio-137 detectada nos javalis estudados foi
liberada durante os testes de armas nucleares que antecederam a catástrofe de
Chernobyl. Especificamente, até 68% do césio presente nos javalis veio de
antigos testes de armas nucleares - uma proporção surpreendentemente elevada.
"Mesmo que Chernobyl não
tivesse acontecido, algumas amostras excederiam o limite", explica o
cientista Georg Steinhauser, radioecologista da Universidade Técnica de Viena e
coautor do estudo.
Até hoje, mesmo 60 anos
depois do auge, as consequências ambientais e para a saúde dos testes de armas
nucleares têm sido pouco estudadas.
UM TIPO DE TRUFA PODE ESTAR
POR TRÁS DA CONTAMINAÇÃO
O cientista sugere que um
tipo de cogumelo, conhecido como trufa de veado (da família Elaphomyces) pode ser
o responsável por essa radioatividade "tardia" nos javalis. Como o
césio é absorvido lentamente pelo solo, pode levar bastante tempo até que
chegue aos fungos locais, que depois são consumidos pelos javalis, que têm uma
preferência alimentar por cogumelos e trufas.
"Isso explica por que o
césio 'velho' é encontrado desproporcionalmente em javalis", aponta
Steinhauser.
"As trufas de veado, que
podem ser encontradas a profundidades de 20 a 40 centímetros, só agora estão
absorvendo o césio liberado em Chernobyl. O césio dos antigos testes de armas
nucleares, por outro lado, já chegou lá há algum tempo."
Assim, também não se espera
que a contaminação da carne de javali diminua significativamente nos próximos
anos, porque só agora parte do césio de Chernobyl está sendo incorporado nas
trufas.
"O nosso trabalho mostra
quão complicadas podem ser as interrelações nos ecossistemas naturais",
diz Steinhauser. "Mas também mostra precisamente que as respostas a tais
enigmas podem ser encontradas se as medições forem suficientemente
precisas."
O LEGADO DOS TESTES NUCLEARES
Os Estados Unidos e a União
Soviética realizaram mais de 900 testes nucleares nas décadas de 1950 e 1960,
durante a Guerra Fria - destes, mais de 400 foram feitos na superfície,
liberando radiação na atmosfera.
O césio-137 tem meia-vida
física (tempo necessário para que metade dos átomos presentes em uma amostra
radioativa desintegre-se) de cerca de 30 anos, o que significa que 25% da
radioatividade liberada pelos testes ainda permanece. Enquanto isso, o material
liberado pela usina de Chernobyl ainda apresenta cerca de 42%.
MEDIÇÃO DA RADIOATIVIDADE
ANTES DO CONSUMO
O Departamento Federal de
Proteção Radiológica da Alemanha (BfS, na sigla em alemão) aponta que muitos
cogumelos, especialmente na Baviera, ainda estão contaminados com césio
radioativo.
Em certos cogumelos, foram
medidos mais de 4.000 becqueréis de césio-137 por quilograma de massa durante
testes dos anos de 2019 a 2021. No entanto, a origem do material radioativo não
foi investigada nesses testes.
Segundo o Centro Alemão de
Pesquisa do Câncer (DKFZ, na sigla em alemão), o césio-137 pode se acumular no
tecido ósseo e danificar o material genético. A longo prazo, isso pode provocar
câncer nos ossos e leucemia. Portanto, tanto os caçadores quanto os coletores
de cogumelos devem medir os níveis de radiação antes de consumirem fungos e
carne de animais silvestres.
A carne de javali, por muito
tempo, foi considerada uma iguaria na região. Mas, nas últimas décadas, o consumo
vem diminuindo, destaca Steinhauser.
Segundo ele, isso também traz
impactos ecológicos: sem um grande consumo, a caça a javalis pode diminuir,
aumentando a possibilidade de que as populações desse animal cresçam de forma
incontrolável, ameaçando as florestas da Baviera, uma vez que muitos javalis podem
causar danos à vegetação e às fazendas próximas. DW - 01/09/2023
Marcadores: césio, energia nuclear

0 Comments:
Postar um comentário
<< Home