BRASIL PODE TER DESERTO?
A caatinga é uma das áreas mais vulneráveis do Brasil para a degradação ambiental. Com um clima semiárido, o território está suscetível a um processo extremamente nocivo: a desertificação. Estima-se que o problema atinja cerca de 38 milhões de pessoas no Nordeste, entre elas, 42 povos indígenas.
O deserto natural leva
milhões de anos para encontrar um equilíbrio entre biodiversidade e vegetação.
Se uma área semiárida está passando por um processo de desertificação, isso é
muito mais nocivo, porque os solos não passaram por milhões de anos para chegar
em uma característica de deserto. Humberto Alves Barbosa, fundador do Lapis
(Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites) da UFAL
De acordo com Barbosa, essa
nova área desertificada não teria uma autodefesa, e espécies invasoras poderiam
se apropriar do cenário debilitado do ecossistema.
EM TESE, BRASIL NÃO TEM
DESERTOS
O território brasileiro está
numa região majoritariamente tropical com uma diversidade de biomas — e é essa
característica que apoia a estabilidade da atmosfera e do solo. No país,
existem regiões semiáridas, onde uma das principais características é a baixa
quantidade de chuva e os longos períodos de seca — mas com indicies de
pluviosidade maiores do que seriam os de um deserto.
A desertificação pode ser
resultado de múltiplos fatores, como o manejo de animais para a pecuária e o
desmatamento. Neste caso, há um desequilíbrio entre atmosfera e solo — de um lado
há uma maior escassez de chuvas, e do outro o solo é levado à exaustão,
perdendo a fertilidade. Outro fator que contribui para a desertificação são os
incêndios florestais. "Eles provocam cicatrizes e interferem também nos
nutrientes do solo", explica Barbosa.
As mudanças climáticas são
apontadas como um dos fatores que intensificam o processo. Apesar de a
desertificação não estar diretamente ligada ao aquecimento global, os eventos
climáticos extremos relacionados ao aquecimento global, como as secas
prolongadas, estão agravando o cenário das áreas afetadas.
O aquecimento global e as
mudanças climáticas fazem o ambiente perder umidade. Temos um solo sem
vegetação, com sol e uma temperatura muito intensa, e sem disponibilidade de
água. Ali é um ambiente muito oportuno para a degradação da terra e, por
consequência, de desertificação. Alexandre Pires, diretor do Departamento de
Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente do Brasil à RFI
A desertificação gera
problemas socioambientais. Além da perda da biodiversidade e a interferência no
ecossistema, contribuindo para o aumento da temperatura global, ela pode causar
o empobrecimento da população local e declínio da qualidade de vida, além do
aumento de processos migratórios.
AS ÁREAS AFETADAS
As regiões semiáridas,
vulneráveis à desertificação, estão em área que ocupa Nordeste e Sudeste. Ao
todo, são mais de 1.400 municípios que estão nos nove estados da região
Nordeste, além de Minas Gerais e Espírito Santo.
Atualmente já foram mapeados
seis núcleos de desertificação no Brasil: Seridó, (RN/PB), Cariris Velhos (PB),
Inhamuns (CE), Gilbués (PI), Sertão Central (PE), Sertão do São Francisco (BA),
segundo publicação do Insa (Instituto Nacional do Semiárido).
Um estudo do Cemaden (Centro
Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e do Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais) mostrou que há uma tendência do aumento de
aridez em todo o território do Brasil, com exceção da região sul e litoral de
São Paulo e Rio de Janeiro. No caso do Nordeste e do norte de Minas, os
cientistas identificaram uma área árida, similar a desertos, um cenário nunca
observado no país nas décadas anteriores, segundo documento.
TEM SOLUÇÃO?
Áreas desertificadas podem se
regenerar. Segundo o Barbosa, o solo pode retomar a fertilidade e o suprimento
de água. No entanto, o processo pode demorar mais de 30 anos e não considera a
integração do ser humano com o território. "Ele tem que estar integrado e
em equilíbrio", defende o professor. O monitoramento e a execução de
políticas públicas para a convivência com a aridez nos locais atingidos são
essenciais no combate à desertificação.
Além disso, a depender do projeto, ele pode
ser custoso. Estima-se que há 207 mil km² de solos em estado severo ou crítico de
degradação na caatinga.
Investir na restauração e na
recuperação desses 20 milhões de hectares é muito mais custoso do que a gente
evitar o processo de desmatamento do cerrado, da caatinga ou de qualquer bioma,
mas estes dois são os mais afetados pelo processo de desertificação. Alexandre
Pires à RFI
TEMA ESTÁ SENDO DEBATIDO
GLOBALMENTE
O problema da desertificação
não é apenas brasileiro — ele atinge outros países da América Latina, além da
Ásia e África. Líderes globais se reuniram em Riad, na Árabia Saudita, em
dezembro de 2024, para debater soluções para a questão. Um dos pontos cruciais
dos diálogos dizia respeito ao financiamento de ações de recuperação dos solos
e adaptação a um clima mais seco.
Em escala global, 1,5 bilhão
de hectares de terra precisam ser restauradas em cinco anos, a um custo
estimado em US$ 2,6 trilhões até 2030 — US$ 191 bilhão por ano apenas para
África, onde o combate à desertificação é uma questão de segurança alimentar.
Mas soluções baseadas na
natureza se mostram eficazes. Um estudo de 2020 publicado na revista científica
Global Change Biology já havia concluído que as intervenções baseadas na
natureza são frequentemente tão eficazes, ou até mais eficazes, em 59% dos
casos, do que outras intervenções para combater os efeitos das mudanças
climáticas.
Enquanto as discussões para uma decisão histórica sobre a seca estão em andamento, o relatório pede aos líderes globais que reconheçam os custos excessivos e evitáveis das secas e utilizem soluções proativas e baseadas na natureza para garantir o desenvolvimento humano dentro dos limites planetários. Andrea Meza, secretária executiva adjunta da CNULCD (Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação). Fonte: UOL - Ecoa - 13/01/2025 05h30
Marcadores: desertificação, Meio Ambiente
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