MEMÓRIA: O DIA EM QUE O BRASIL ASSISTIU AO PIOR INCÊNDIO DE SUA HISTÓRIA
Para ajudar na montagem, o
dono do circo, o gaúcho Danilo Stevanovich, contratou 50 operários. Depois de
armado, o Gran Circo ocupou um diâmetro de 50 metros em um terreno baldio que,
aos sábados e domingos, servia de campo de futebol improvisado para a garotada
da vizinhança. O circo estreou em Niterói na noite de 15 de dezembro, uma
sexta-feira, com lotação esgotada.
O Gran Circo era formado por
40 artistas, como palhaços, trapezistas e domadores, e 150 animais, como leões,
girafas e elefantes. O circo tinha capacidade para 3,4 mil espectadores,
divididos por nove arquibancadas, 800 cadeiras e 25 camarotes. O circo era
dividido em nove arquibancadas de madeira, 800 cadeiras de ferro e 25 camarotes
Cada uma das 10 sessões do
Gran Circo em Niterói começava com um número de domadores de leões e terminava
com outro de trapézio.
Foi um dos integrantes dos
Flying Santiago, aliás, a primeira pessoa a gritar “Fogo!” naquela tarde
calorenta de 17 de dezembro.
A trapezista Nena, nome
artístico de Antonietta Stevanovich, irmã de Danilo, tinha acabado de fazer seu
número quando avistou, por volta das quatro e vinte da tarde, as primeiras
labaredas, a cerca de 20 metros da entrada principal. O fogo começou na parte
de baixo da lona. Ela e os outros dois trapezistas, Santiago Grotto e Vicente Sanches,
conseguiram escapar ilesos pela porta dos fundos. Na fuga, centenas de sapatos,
sandálias e chinelos foram deixados para trás
A maioria tentou sair por
onde entrou. Para chegar sãos e salvos do lado de fora, tinham que atravessar
um túnel de treze metros de comprimento por quase quatro de largura. No
caminho, dois gradis de ferro usados para facilitar a entrada do público
dificultavam sua fuga. Perto do fim da sessão, seriam retirados. Mas, com o
incêndio, ninguém se lembrou disso. Conclusão: o tal túnel ganhou o macabro
apelido de “corredor da morte”.
O incêndio do Gran Circo
durou apenas 10 minutos. Mas deixou, segundo estimativas oficiais, 503 mortos —
sete em cada dez eram crianças.
“Jamais tantos brasileiros
morreram em tão pouco tempo e no mesmo lugar”, afirma Ventura.
O incêndio da Boate Kiss, em
27 de janeiro de 2013, registrou 242 vítimas fatais e do edifício Joelma, em 1º
de fevereiro de 1974, 188.
Parentes e amigos tinham
dificuldade para reconhecer seus mortos e feridos, de tão carbonizados que estavam,
Quando todos imaginavam que
aquele pesadelo não poderia piorar, o que restava da lona de algodão parafinado
despencou, em chamas, sobre a multidão. Na ânsia de proteger o rosto, muitos
sofreram queimaduras de terceiro grau nas mãos e nos braços.
O número de mortos no
incêndio foi tão grande que o então governador do Rio, convocou todos os
marceneiros de Niterói para fabricarem quatrocentos caixões.
O estádio Caio Martins, com
capacidade para 12 mil torcedores, foi transformado em uma imensa oficina de
carpintaria. Se faltavam caixões para inúmeros cadáveres, também faltavam
sepulturas para incontáveis enterros.
Do lado de fora do circo,
também faltavam ambulâncias para tantos feridos. Muitos foram socorridos em
táxis, ônibus e caminhões.
Nas unidades superlotadas, as
vítimas esperavam por atendimento médico em todo e qualquer canto: deitadas nos
corredores, sentadas no chão, estiradas nas macas... “Perdi mais de 60
crianças. Não conseguia socorrer a todas ao mesmo tempo”, lamenta o cirurgião
plástico Ronaldo Pontes, que dava plantão no Hospital Pediátrico Getúlio Vargas
Filho.
'MONSTRO INCENDIÁRIO' OU BODE
EXPIATÓRIO?
A suspeita da polícia recaiu
sobre Adilson Marcelino Alves, o Dequinha, um dos 50 operários contratados por
Stevanovich para ajudar na montagem do circo.
Denunciado por um
funcionário, Maciel Felizardo, foi preso e interrogado. Em seu depoimento à
polícia, confessou ter ateado fogo à lona. “Se eu soubesse que ia morrer tanta
gente, não teria feito o que fiz”, declarou o rapaz.
Foi condenado a 16 anos de
prisão. Seus cúmplices, Walter Rosa dos Santos, o Bigode, e José dos Santos, o
Pardal, também cumpriram penas — de 16 e 14 anos, respectivamente.
AINDA HOJE, A CAUSA DO
INCÊNDIO DIVIDE OPINIÕES.
“Para uns, Dequinha era um
‘monstro incendiário’. Para outros, um bode expiatório. Afinal, interessava às
autoridades encontrar logo o culpado”, explica Ventura.
Há quem acredite na hipótese
de acidente. Neste caso, a versão mais provável é a de curto-circuito.
“O que mais me chamou a
atenção foi a ausência de fiscalização”, observa a historiadora Ana Maria
Mauad, do Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI) da Universidade
Federal Fluminense (UFF). “Deixaram instalar um circo para mais de 500 pessoas
com lona altamente inflamável e sem controle de segurança das instalações
elétricas”. Fonte: BBC Brasil - 4 abril
2023
Marcadores: incendio
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