Riscos associados à indústria de GNL
À luz dos recentes empreendimentos de Gás Natural Liquefeito
(GNL) implantados no Brasil, a discussão sobre os riscos associados à indústria
de GNL torna-se de suma importância. Assim sendo, este trabalho tem como objetivo
apresentar os riscos associados a operações industriais com GNL e compilar os principais
incidentes registrados nesta indústria.
INTRODUÇÃO
A indústria de GNL atualmente encontra-se em franco
desenvolvimento, tendo assumido papel de destaque no panorama energético
mundial. Neste contexto, entre 2007 e 2009 foram implementados, pela
Transportadora Associada de Gás S.A. – TAG, dois projetos de regaseificação de
GNL no Brasil. A análise desses projetos permitiu a sinergia de diversas áreas
da ANP, culminando com as autorizações de construção e de operação das
instalações envolvidas. Desta forma, torna-se pertinente uma avaliação sobre os
riscos associados à indústria de GNL, tendo como base os principais incidentes
relatados mundialmente.
OS RISCOS INERENTES DO GNL
O GNL é obtido pelo processo de liquefação de gás natural
após tratamento para a remoção de impurezas, tais como água, nitrogênio,
dióxido de carbono, gás sulfídrico e outros componentes sulfurados. A remoção
destes componentes é feita antes do processo de liquefação, uma vez que alguns
podem congelar no ponto de orvalho do gás natural. As composições médias do gás
natural e do GNL estão mostradas na Figura 1.
O GNL é estocado apenas sob refrigeração e não sob pressão.
Correntemente encontra-se o produto sob pressurização o que implica a avaliação
equivocada dos riscos a ele associados. Na verdade, a tecnologia correntemente
empregada faz uso de armazenamento do produto à pressão atmosférica e à
temperatura de aproximadamente -160oC.
Os vapores inflamáveis, liberados à medida que o GNL retorna
à fase gasosa, só são capazes de criar uma atmosfera explosiva sob condições
definidas. Para que os vapores sofram ignição, estes devem estar dentro do
limite de inflamabilidade do material, neste caso, uma mistura primordialmente
composta por metano. Assim sendo, para que haja a queima, a mistura metano/ar
deve conter entre 5% e 15% de metano (Figura 2). Misturas mais concentradas em metano
(acima de 15%) não sofrem ignição por falta de oxigênio, enquanto que aquelas
com teor de metano abaixo de 5% não a sofrem for falta de combustível.
A situação de atmosfera excessivamente rica em material
combustível ocorre no interior de tanques, onde a fase gasosa é composta quase
que exclusivamente por metano. Nesta situação não há possibilidade de incêndios
por falta de oxigênio. Entretanto, quando há vazamento de GNL em áreas
ventiladas, os vapores produzidos se misturam com o ar, podendo dar origem a condições
adequadas para incêndio, caso haja uma fonte externa de ignição. Contudo, os
vapores rapidamente se dispersam no ar, reduzindo a concentração para valores
abaixo de 5%, o que, novamente, inviabiliza a possibilidade de fogo. Assim
sendo, a maior possibilidade de ignição ocorre em pontos onde há a
possibilidade de estagnação ou em vazamentos em áreas confinadas.
Os riscos associados ao GNL decorrem de suas propriedades
intrínsecas, ou seja, dos seus vapores inflamáveis, da baixa temperatura e da
possibilidade de asfixia em vazamentos. Quanto aos possíveis riscos, têm-se
(FOSS, M.M., 2003; FLYNN, T.M., 2005):
■ Explosão: Este fenômeno ocorre quando uma substância sofre
reações muito rápidas, como ocorre na ignição, ou é liberada de forma
descontrolada sob pressão. Devido ao GNL ser armazenado à pressão ambiente, a
possibilidade de explosão é reduzida.
■ Nuvens de vapor: São formadas pela vaporização do GNL com
dispersão na atmosfera. A nuvem só irá pegar fogo se entrar em contato com uma
fonte de ignição enquanto dentro dos limites de inflamabilidade.
■ Congelamento: O contato com GNL leva ao congelamento e a
queimaduras e, portanto, todo o pessoal envolvido deverá portar equipamento de
proteção individual adequado.
■ Rollover: Fenômeno de convecção devido às diferenças de
densidade do GNL. A movimentação poderá ocasionar vazamentos pelas PSVs e
rachaduras nos tanques. Este evento pode ser facilmente evitado com a
implementação de procedimentos operacionais adequados.
■ Asfixia: Se caracteriza como dificuldade respiratória com
possível perda de consciência devido à falta de oxigênio. Pode ocorrer próximo
ao local de vazamentos e em espaços confinados onde a pessoas ficariam expostas
a concentrações excessivamente altas de vapor de GNL.
PRINCIPAIS INCIDENTES REGISTRADOS
Em comparação a refinarias e plantas petroquímicas, a
indústria de GNL tem um histórico excelente no que concerne a segurança das
instalações. De acordo com H.H. West e M.S. Mannan, da Texas A&M University
(FOSS, M.M., 2003):
“The
worldwide LNG industry has compiled an enviable safety record based on diligent
industry safety analysis and the development of appropriate industry safety
regulations and standards”.
(A indústria mundial de GNL tem compilado um histórico de
segurança invejável baseado em uma cuidadosa análise de segurança industrial e
no desenvolvimento de normas e regulamentos adequados.)
De fato, o GNL tem sido movimentado por mar com segurança
nos últimos 40 anos, nos quais foram realizadas mais de 45.000 viagens de navio
e percorridas cerca de 100 milhões de milhas, sem que tenham sido registrados
quaisquer acidentes graves ou problemas de segurança nos portos ou em alto mar.
De acordo com o U.S. Department of Energy, em 60 anos da
indústria de GNL houve, mundialmente, apenas 8 incidentes em embarcações com
vazamento do produto, e nenhum destes resultou em incêndio. Adicionalmente,
ressalta-se que nenhum destes vazamentos ocorreu devido a colisões ou encalhe
das embarcações.
Alguns dos principais acidentes registrados no mundo estão
discutidos, de forma sucinta, a seguir (FOSS, M.M., 2003; FOSS, M.M., 2007;
CH-IV International, 2003; CH-IV International, 2006):
a) Cleveland - Ohio, EUA, 1944
O acidente ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial em uma
instalação de “peakshaving” da East Ohio Gas Company, construída em 1941. Esta
planta operou sem acidentes até 1944, quando foi ampliada de modo a incluir um
tanque maior.
Obs: Instalações de “peakshaving” são aquelas que incluem a
liquefação de gás natural e armazenamento para posterior regaseificação do GNL
produzido, com a finalidade de suprir as empresas distribuidoras de gás natural
em períodos de picos de demanda.
Devido ao esforço de guerra, houve falta de ligas de aço com
alto teor de níquel, material adequado para fabricação de peças e instalações
para operação em baixas temperaturas.
As ligas com 9% de níquel, utilizadas para construção de
tanques para armazenamento de GNL, foram substituídas ou outras com teor de
níquel de aproximadamente 4%, que não apresentava as características
necessárias a trabalhos em baixas temperaturas. Assim sendo, houve um vazamento
de GNL com posterior propagação da nuvem de gás pelas ruas e penetração na rede
de água pluvial. O gás natural confinado na rede sofreu ignição causando a
morte de 128 pessoas na área residencial adjacente à planta.
A investigação do acidente foi conduzida pelo U.S. Bureau of
Mines, que concluiu que o conceito de liquefazer o gás natural e armazenar GNL
é válido, desde que observadas as
precauções apropriadas.
b) La Spezia, Italia, 1971
O evento ocorrido em La Spezia teve como fato marcante ser o
primeiro caso documentado de “rollover” em uma planta de GNL. O incidente
ocorreu após a descarga do navio metaneiro ESSO-Brega que estava fundiado no
porto há aproximadamente um mês. Decorridas 18 horas da descarga, o tanque de
GNL do Terminal sofreu um abrupto aumento de pressão, o que causou um vazamento
de gás pelas válvulas de segurança e pelos vents por algumas horas. O teto do
tanque foi levemente danificado, embora não tenha ocorrido ignição do produto
vazado. Posteriormente, atribuiu-se o efeito à estratificação do GNL no tanque de
armazenamento do terminal que provocou a movimentação repentina do conteúdo do
tanque que ocasionou o súbito aumento de pressão. Este acidente serviu de
parâmetro para a elaboração de procedimentos de
enchimento de tanques de acordo com as diferenças de temperatura
e densidade entre o GNL armazenado no tanque e aquele da corrente sendo
alimentada.
c) Staten
Island - Nova York, EUA, 1973
O acidente de Staten Island ocorreu em uma instalação de
“peakshaving” da Texas Eastern Transmission Company. O acidente não ocorreu
devido ao GNL propriamente dito, mas sim a problemas durante manutenção de um
tanque. Em 1972 operadores suspeitaram de vazamento no tanque e interromperam a
operação. O tanque foi esvaziado e, durante os reparos, houve combustão do
isolamento do tanque, o que ocasionou o deslocamento do teto deste. A queda do
teto provocou a morte por esmagamento de 40 operários que trabalhavam no
interior do tanque.
O New York Fire Department determinou que o acidente ocorreu
claramente devido à
obra e não um acidente com GNL.
d) Cove
Point - Maryland, EUA, 1979
Em outubro de 1979 houve um vazamento de GNL pelo selo de
uma das bombas do terminal de importação Columbia Gas LNG Terminal. A nuvem de
gás penetrou por um eletroduto e atingiu a subestação do terminal, causando
explosão. O evento provocou a morte de um operador.
O National Transportation Safety Board dos EUA entendeu que
o terminal foi projetado e
construído em conformidade com os regulamentos e códigos em
vigor. Assim, em decorrência do acidente foram propostas alterações nos códigos
de projetos que são atualmente utilizados por toda a indústria de GNL.
e) Skikda, Argélia, 2004
Em 19 de janeiro de 2004, houve vazamento do fluido
refrigerante da unidade de liquefação de gás natural. O hidrocarboneto liberado
formou uma nuvem que penetrou na caldeira da unidade, aumentando a quantidade
de combustível para a queima. O aumento da quantidade de calor liberada
provocou um aumento da pressão do sistema que excedeu a capacidade da válvula
de segurança e levou ao rompimento da caldeira.
Esta instalação estava próxima o suficiente da área onde
ocorria o vazamento para provocar a ignição da nuvem de vapor, que provocou uma
bola de fogo matando 27 pessoas e deixando 72 feridos. Vale ressaltar que o
acidente não envolveu vazamento de GNL ou incêndio por ele provocado. No
evento, nenhum dos tanques de GNL foi danificado e ninguém fora do perímetro da
planta sofreu ferimentos.
A U.S. Federal Energy Regulatory Commission (FERC) e o U.S.
Department of Energy (DOE) atribuíram o acidente à existência de fonte de
ignição próxima, falta de dispositivos de parada de emergência e a falta de
detectores do sistema de fogo e gás.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com o acima exposto, depreende-se que a indústria
do GNL tem um elevado nível de segurança, tendo evoluído significativamente com
o aprendizado decorrente dos acidentes. Com exceção do acidente de Cleveland
(1944), todos os ferimentos causados por GNL ocorreram dentro dos limites das
instalações. Ressalta-se que, na bibliografia consultada, não há qualquer
registro de fatalidades em embarcações de transporte e regaseificação de GNL.
Fonte: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis- Boletim Mensal de Gás Natural - Outubro de 2009
Autores: Helio da Cunha Bisaggio, Engº Naval, Especialista
em Regulação da ANP, MSc Engenharia Oceânica e doutorando na mesma área, pelo
Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia-COPPE
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);
Luciana Rocha de Moura Estevão, Engª Química, Especialista
em Regulação da ANP, MSc e DSc em Química Orgânica, na área de química de
materiais, pelo Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
Comentário: Recomendações da NFPA
A NFPA 59A, norma para a produção, armazenagem e manuseio de
gás natural liquefeito (gnl)
O código principal da NFPA para todas as instalações de gás
natural liquefeito é abrangente. O código estabelece os requisitos essenciais
para todas as instalações que manuseiam, armazenam e produzem GNL. Entre outras
coisas, o código fornece exigências para:
■ Localização e layout das instalações
■ Projeto e construção das instalações
■ Inspeção e manutenção das instalações
■ Proteção contra incêndio e segurança das instalações
■ Instrumentos, controles e eletricidade das instalações
■ Sistemas de transferência do GNL das instalações
■ Treinamento do pessoal envolvido com GNL
■ Projeto, construção, inspeção e instalação de operações de
vaporização, tanques de armazenagem e sistemas e componentes de tubulações.
AS EXPLOSÕES DE NUVENS DE GÁS NATURAL
Têm o potencial de causar os incidentes mais destrutivos
associados ao gás natural. Elas podem se formar quando ocorre um derrame ou um
escape de GNL, causando a vaporização do líquido quando se mistura ao ar
ambiente a temperaturas mais altas que seu ponto de ebulição de ‑260ºF (162oC).
Os vapores frios de gás, inicialmente mais pesados que o ar, formam uma nuvem
perto do solo que se eleva lentamente e se dissipa à medida que aquece. Caso uma
fonte de ignição viável esteja presente quando a nuvem atinge um tamanho
suficiente e uma concentração de 5-15 por cento no ar, esta pode incendiar-se e
até explodir.
Uma explosão de GNL é uma ocorrência muito rara que requer
um alinhamento quase perfeito de eventos, de acordo com Guy Colonna, diretor de
Divisão da NFPA de Engenharia Industrial e Química, que passou parte dos anos
80 participando duma pesquisa que informou a maioria dos modelos informáticos
de nuvens de vapor de GNL ainda em uso hoje. “É de fato realmente difícil fazer
explodir o GNL – tentei muitas vezes em muitos diferentes cenários,” ele disse.
“Precisa ter a concentração correta, a quantidade certa de
evaporação e uma ignição retardada e perfeitamente sincronizada.” Um cenário
mais provável é um incêndio de poça de GNL, não uma grande explosão, disse ele.
Embora pouco provável, o perigo apresentado pelas nuvens de
vapor não é tomado levianamente, particularmente quando se trata de localizar
instalações.
Modelos informáticos sofisticados desenvolvidos pelo governo
e pela indústria tentam demonstrar as consequências que uma liberação de vapor
teria fora do local. Os modelos usam centenas de inputs – causas do escape de
GNL, localização dos escapes, pressão dos tanques, taxa de liberação, ventos
dominantes, temperaturas ambientes e muito mais – e registram aquilo que
aconteceria em centenas de diferentes cenários.
Como se dispersaria o gás? Aonde iria? Quantas pessoas
poderiam estar em perigo se houvesse uma explosão? Um projeto de 2009 da
Fundação de Pesquisa para Proteção contra Incêndios (FPRF, da sigla em inglês)
coletou todos os dados experimentais e criou uma base de dados de validação
para melhorar os modelos de dispersão. Os modelos serviram de referência aos
códigos da NFPA durante anos. Até agora ainda estão sendo aprimorados.
Fonte: NFPA journal latinoamericano- junho 2016
RISCOS A POPULAÇÃO CIRCUNVIZINHA
Os riscos para pessoas e objetos fora da área atingida pelo
incêndio em poça, ou em nuvem, advém, primariamente, da radiação térmica
emitida pelo incêndio. A depender da localização e orientação do indivíduo,
tempo de exposição à radiação térmica (dose) e de outros efeitos mitigadores
(roupa, suor, etc.), a pele exposta pode sofrer lesões (resposta) acima de um
determinado valor da dose tolerável pelo ser humano, podendo ir de queimaduras
de primeiro grau até as de segundo e terceiro graus (letais) (De Roos, 1992). E
é por este motivo que existe preocupação com o GNL por parte do público e das
autoridades reguladoras.
Outros tipos de impactos, danos e lesões também podem
ocorrer em um acidente envolvendo GNL, podendo ser citados:
■ asfixia (metano é um gás asfixiante simples)
■ queimaduras
criogênicas e fragilização estrutural,
■ incêndio em bola de fogo (fireball),
■detonações pelo aumento da turbulência e abrupto e
gigantesco crescimento da velocidade de propagação da frente de chama em
ambientes confinados de baixa porosidade
OS RISCOS PRINCIPAIS DO
GNL:
■ incêndio,
■ explosão confinada ou parcialmente confinada,
■ transição rápida de fase e efeitos relacionados à sua
temperatura criogênica de armazenamento, como, por exemplo, queimadura
criogênica, asfixia.
Comparado ao Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) e ao etileno
liquefeito, o GNL é menos perigoso devido à:
■ baixa densidade,
■ tendência de não formar nuvem inflamável de vapor nas
condições ambientais,
■ ser relativamente alta sua energia mínima de ignição, e
■ ter menor velocidade fundamental de combustão.
O GNL não é tóxico, e se evapora rapidamente;
consequentemente, considerando um longo tempo de vazamento, são insignificantes
os impactos ambientais de um derrame acidental, se não houver nenhuma ignição
dos vapores formados.
Marcadores: petróleo

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