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segunda-feira, fevereiro 08, 2016

Lembrança -Navio explode em Itajaí

Itajaí Em Chamas – Magru Floriano
O navio Petrobras Norte entrou na barra do rio Itajaí, cidade de Itajaí, Santa Catarina,  no dia dois de fevereiro de 1965 e no mesmo instante em que aportou no Terminal Marítimo da Heliogás, localizado no bairro de Cordeiros, iniciou os preparativos para a descarga de cerca de 400 toneladas de gás liquefeito de petróleo.

ABASTECIMENTO DE GLP
Apesar de estar atracado em terminal privativo da empresa Heliogás, também abastecia a companhia distribuidora Liquigás. Enquanto a Heliogás possuía seis tanques com capacidade para cerca de 60 toneladas de gás cada, a Liquigás tinha apenas três tanques de idêntica capacidade de armazenamento. A Liquigás recebeu primeiro o carregamento. Encerrado o fornecimento para esta empresa, imediatamente foi iniciado o abastecimento dos tanques da Heliogás.

MEDIDA DE SEGURANÇA ADOTADA NA ÉPOCA
Na época, dois procedimentos de segurança eram rigidamente seguidos:
■ só ficavam a bordo os tripulantes que estavam a serviço e
■ o navio ficava atracado o tempo estritamente necessário para a operação de descarga do gás.
Portanto, o Petrobras Norte entrou no Porto de Itajaí no dia dois de fevereiro e tinha saída prevista para aquele mesmo dia. Daí o motivo pelo qual apenas dez tripulantes estavam a bordo ou nas dependências das distribuidoras de gás no momento do acidente.

NAVIO PETROBRÁS NORTE
O navio Petrobras Norte foi construído na Alemanha em 1955, empregava uma tripulação de 26 homens e era comandando por Agnaldo Braga. Estava incorporado à Fronape - Frota Nacional de Petroleiros, empresa vinculada a Petrobras.
O Petrobras Norte tinha uma rota que incluía os portos de Salvador Rio de Janeiro, Itajaí e Porto Alegre. Sua base operacional estava localizada no Porto do Rio de Janeiro. Em Porto Alegre, descarregava em média 800 toneladas de gás.

INICIO DA EXPLOSÃO E INCÊNDIO
Itajaí Em Chamas – Magru Floriano
O incêndio ocorreu quando faltavam cerca de cinco a dez minutos para o encerramento de toda a operação de abastecimento. Houve um estrondo e um clarão cruzou o céu

TESTEMUNHAS DA TRAGÉDIA
Era um dia comum de trabalho, onde eu fazia o controle da descarga de gás do navio para o terminal em terra. Tudo corria bem até que, de repente, houve um grande estrondo e uma língua de fogo cruzou o céu.
A explosão foi tão forte que algumas vidraças quebraram, fato que por si só provocou uma correria geral na redondeza.
Percebendo o perigo, corri até os tanques para fechar imediatamente as válvulas de entrada e saída do gás. Subi nos tanques para fazer uma inspeção. Em uma destas subidas nos tanques, escorreguei e sofri uma violenta queda, torcendo meu pé. Mesmo assim, fui até as bombas que puxavam água do rio ltajaí-Açu para resfriar os tanques, e consegui ligá-las.

Esse procedimento era necessário porque o calor do incêndio poderia ativar um dispositivo de segurança que cada tanque tinha. A partir de certa temperatura, as válvulas de segurança abririam  automaticamente, liberando mais gás no ambiente.
Mancando muito forte, fui até a minha casa, que ficava quase defronte ao terminal, a fim de trocar de roupa e ver se estava tudo bem com a minha família. Ao entrar em casa, percebi que todos haviam fugido, se embrenhando no mato, abandonando a casa aberta, com uma panela e uma chaleira com água fervendo no fogão, que quase incendiou a casa.
Depois voltei ao local de trabalho, sendo conduzido ao Hospital Marieta, onde fiquei internado por três dias. Adolfo Manoel de Freitas, síntese de depoimento concedido ao jornalista Cláudio Kantowicz em 2001.

UM CLARÃO RASGOU O CÉU E EXPLOSÃO FEZ A CIDADE TREMER
Um clarão no céu e uma explosão que fez Itajaí tremer. Essa é a primeira lembrança que Irene Maria dos Santos tem daquela tragédia. As pessoas, desesperadas, fugiam para Balneário Camboriú e Brusque com medo que a cidade inteira ardesse em fogo.
O calor era tão intenso que podia ser sentido até na avenida Marcos Konder, no centro, a quilômetros de distância.

PÂNICO ENTRE OS MORADORES DE ITAJAÍ
Itajaí Em Chamas – Magru Floriano
Diante das informações desencontradas, muitos foram os moradores que resolveram abandonar tudo e correr com seus familiares para um lugar mais afastado e seguro.  Famílias inteiras  fugiram para  Balneário Camboriú, Camboriú, Brusque, Ilhota e até Florianópolis. Contudo, a maioria escolheu Cabeçudas e a parte mais alta da cidade (Morro da Cruz e Morro Cortado) como ponto de refugio de uma catástrofe que se anunciava.

FALTA DE PERCEPÇÃO DE RISCO
Enquanto a maioria corria para longe do local do sinistro, uma minoria curiosa fazia o percurso inverso, indo em direção ao bairro de Cordeiros para assistir, de cima da ponte Ministro Victor Konder, o incêndio no Petrobras Norte.

CAUSA DO INCÊNDIO - CONTROVÉRSIAS NA CAUSA DA EXPLOSÃO E INCÊNDIO

Itajaí Em Chamas – Magru Floriano
Fogos de artifícios
Muitas pessoas acreditam que a causa inicial do incêndio tenha sido a queda, dentro do navio, da parte incandescente de fogo de artifício lançado pelo passageiro de uma embarcação que acompanhava a procissão    marítima em homenagem a Nossa Senhora dos Navegantes. Esta versão ganha força justamente porque o incêndio ocorre quase que imediatamente após o barco que ia à frente, conduzindo a imagem da santa padroeira, passar pelo terminal no seu trajeto de retorno ao centro de Navegantes.

Rompimento da mangueira de transferência de gás
Contudo, a versão mais lembrada nos depoimentos é  aquela que aponta como causa principal do acidente o rompimento da mangueira por onde era transferido o gás do navio para os terminais da Liquigás e Heliogás. Confirmar esta versão, contudo, é aceitar o fato de que houve falha humana, uma vez que o rompimento do conduto se deu porque, ao baixar a maré, o cabo que mantinha o navio próximo ao terminal afrouxou, possibilitando que a embarcação se afastasse do cais e esticasse em demasia a mangueira que, não suportando a pressão, arrebentou.

Com o rompimento da mangueira, o incêndio pode ter iniciado de duas maneiras:
1.A primeira possibilidade e a de que um funcionário da Heliogás ou da Liquigás, assustado com o barulho da mangueira serpenteando e batendo com força contra o costado do navio, tenha acionado um interruptor de luz para iluminar o pátio e o cais, produzindo uma faísca elétrica. Esta versão fica um pouco prejudicada porque, seria normal supor que este funcionário tenha sido envolvido pelas chamas.
2.A segunda hipótese, e a mais provável, é que o próprio duto rompido, ao serpentear com a pressão do gás e ao bater no costado do navio, tenha produzido uma faísca que deu origem ao fogo.
Falhas operacionais, fadiga e manutenção inadequada do material também são algumas das causas possíveis do incêndio.

CAUSA MAIS PROVÁVEL
A mangueira  ao serpentear e bater no casco do navio tenha produzido uma faísca e iniciado o incêndio. Esta versão é facilmente aceita levando em conta, principalmente, o fato de que a mangueira continha metal em parte de seu revestimento.

VERSÃO DO COMANDANTE DO NAVIO PARA CAUSA PROVÁVEL DA EXPLOSÃO
Segundo o comandante do navio, o problema todo começou pelos cabos de atracação  do navio. Naquela época, os navios eram amarrados com cordas feitas de sisal, mas o Petrobras Norte estava utilizando novas cordas feitas de nylon, uma novidade tecnológica para a época.
Acontece que o nylon cedeu um pouco com o calor e a maré baixa afastou o navio do trapiche. Com esse movimento do navio, os mangotes (mangueiras que ligavam os tanques do navio aos tanques em terra e por onde passava o gás) também cederam, e com a pressão uma junção rompeu. O gás vazou com muita pressão e depois ocorreu a explosão, seguida do incêndio.
( José Ramos Garcia, síntese dos depoimentos concedido ao longo do ano 2000)

CORAGEM DE UM FUNCIONÁRIO TENTA SALVAR O NAVIO DE UM DESASTRE TOTAL
Odílio Garcia era responsável pela descarga do gás e estava fora do navio, no trapiche, já que a sua função era de bombeiro (bombeador). Só tinha quatro tripulantes dentro do navio, o restante estava de folga. Segundo uma testemunha me contou,  com a explosão Odílio entrou no navio e tentou fechar as válvulas de bombeamento e foi envolvido  pelas chamas. (Jose Ramos Garcia, síntese dos depoimentos concedido ao longo do ano 2000)

VÍTIMAS
4 funcionários  morreram no local e 01 com ferimentos graves (inalação de gás, pulmão afetado)  morreu mais tarde e cinco com ferimentos leves

CORPO DE BOMBEIROS
Para conter as chamas do Petrobrás Norte, foram para Itajaí guarnições do Corpo de Bombeiro de Itajaí, Blumenau e Florianópolis.
Os Corpos de Bombeiros de Itajaí e Blumenau não estavam preparados para combater esse tipo de incêndio, faltava um grande número de equipamentos, indispensáveis no combate as chamas.  O fogo foi controlado após 48 horas de intenso combate.

INQUÉRITO DA MARINHA DO BRASIL
A Marinha de Guerra do Brasil, instaurou o inquérito para apurar as causas, acabou arquivando todo o processo, sem ter em mãos uma conclusão, conforme afirma a jornalista Tayana Cardoso de Oliveira, “Tribunal Marítimo arquivou a processo numero 5.469, que buscava as causas do incêndio no petroleiro. Não havia provas suficientes para responsabilizar alguém”.

NAVIO PETROBRÁS NORTE E OS TERMINAIS APÓS O DESASTRE
O navio Petrobras Norte não explodiu graça a ação de muitos homens que souberam agir com coragem e rapidez, apesar de estarem diante de uma situação  inusitada e de extremo perigo. Assim, enquanto Odílio Garcia tentava fechar algumas válvulas dentro do navio, Adolfo Manoel de Freitas fechava as válvulas que davam acesso aos tanques de terra e Álvaro Granati auxiliava nos procedimentos técnicos previstos para este tipo de ocorrência.
Evitaram, portanto, que o navio Petrobras Norte e os terminais da Heliogás e Liquigás explodissem.
Devido a esta ação, os terminais de terra ficaram completamente ilesos e o navio Petrobras Norte não explodiu.
O navio teve vários tanques preservados e só uma parte do gás foi queimado, fato que manteve sua estrutura. O tanque central (numero um), por exemplo, ficou intacto, e dois tanques à  direita e dois tanques à esquerda também foram preservados ou apenas levemente danificados, perfazendo um total de cinco tanques sem avarias estruturais (não romperam ou explodiram). O fogo ficou restrito ao centro (tanques dois e três) e parte traseira do navio.

Esta situação possibilitou que  já no dia seguinte (três de fevereiro), o comandante Walter Daltro do Amaral e o inspetor de segurança Egydio Mathias entrassem no navio para fechar todas as válvulas de segurança dos tanques, extinguindo por definitivo o fogo.
Na quarta-feira, dia três de fevereiro, funcionários especializados conseguiram chegar próximo ao navio, por intermédio de um rebocador, e por volta das 17 horas conseguiram recolher a ancora e levar o Petrobras Norte para a margem oposta do rio, afastando-o por completo dos terminais da Liquigás e Heliogás.
Da carga de cerca de 1.056 toneladas de gás (ou 1.200 toneladas, conforme dados da época), ainda restavam intactas cerca de 400 toneladas. No dia 14 de fevereiro, um rebocador da Marinha de Guerra do Brasil, o R22, levou o navio para o Rio de Janeiro.

O DESASTRE SERIA IMINENTE PARA A CIDADE DE ITAJAÍ 
– Itajaí Em Chamas – Magru Floriano
A seta amarela indica depósito de madeira ao ar livre 
A pergunta que ficou registrada na consciência coletiva dos moradores de Itajaí, ao longo de todos esses anos foi uma só: Itajaí realmente correu risco de ser eliminada do mapa pelo fogo?

O comandante do navio se referia a possibilidade de o navio Petrobras Norte explodir, mudando por completo e de forma imprevista e repentina as características do incêndio. Ou seja, enquanto as estruturas do navio estavam suportando o calor produzido pela queima do gás, e considerando que a tendência das chamas era subir, o incêndio tinha tudo para ficar restrito aquela pequena área de Cordeiros, no máximo se alastrando para os tanques da Liquigás e Heliogás.

Agora, se o navio não suportasse o calor e explodisse, liberaria toneladas de óleo diesel marítimo que transportava como combustível. Este óleo incandescente seria levado pelas águas do rio ltajaí-Açu até  a foz, incendiando tudo que encontrasse as suas margens: barcos de pesca, trapiches, residências e até navios de grande porte atracados no porto de carga geral.
A menos de quinhentos metros de distancia do Petrobras Norte, no terminal da Shell, o navio Petrobras Paraná, também pertencente a Fronape - Frota Nacional de Petroleiros, estava no meio de uma operação de descarga de derivados de petróleo, como gasolina e óleo diesel (os terminais de Itajaí abasteciam o litoral Norte de Santa Catarina e parte do estado do Paraná). Se o óleo  chegasse a envolver o Petrobras Paraná, possivelmente este navio também explodiria, alimentando ainda mais o fogo rio abaixo.
A catástrofe seria inevitável, porque a situação ficaria completamente fora de controle, uma vez que a guarnição do Corpo de Bombeiros não estava devidamente aparelhada, nem sequer treinada, para atuar nestas condições (incêndios de grandes proporções).

NA ÉPOCA, A CIDADE DE  ITAJAÍ ERA A CIDADE DA MADEIRA
Itajaí Em Chamas – Magru Floriano
A seta vermelha indica o porto
A seta amarela depósito de madeira ao ar livre
Na época, Itajaí   também era  sede  de  grandes  empresas madeireiras, tais como: Castelli, Indústria e Comercio de Madeiras, Santos Almeida, Pratense, Arlindo Schmitt, Coesa,  Caçadorense,  Madebil,  Douat,  Luersen, Marcelinense, Sicobras e Sacomex, entre tantas outras.
Naquela época Itajaí era um grande depósito de madeira. Os bairros São João e Vila Operária, e até várias áreas que hoje integram o centro da cidade, como é o caso da Avenida Marcos Konder e a tradicional Rua Uruguai, abrigavam madeireiras que mantinham pátios cobertos por longas e altas pilhas de madeira que eram exportadas para praticamente todos os continentes, em especial a Europa.
Na década de 60, a população de Itajaí estava estimada em cerca de 60 mil habitantes, sendo que dois terços vivia na zona urbana. Seu porto experimentava um período de expansão, justamente devido ao ciclo da madeira.
Diante da possibilidade de o fogo ser trazido pela correnteza do rio até o centro da cidade, parece inevitável prever o pior; ou seja, que o fogo teria grande facilidade de tomar as áreas ribeirinhas e em seguida atingir as incontáveis pilhas de madeira, pondo em risco a vida de todos.

 Temos de lembrar ainda, que em ocasiões como estas, não só o fogo oferece perigo para as pessoas, mas outros elementos também contribuem para piorar a situação, como é o caso do próprio desespero de uma grande quantidade de pessoas (que acabam tornando atitudes sem qualquer racionalidade, dominadas pelo pânico). Outro ponto a considerar seria a intoxicação de muitas pessoas pela grande quantidade de fumaça oriunda da queima da madeira.

CORPO DE BOMBEIROS DA ÉPOCA
O Corpo de Bombeiros da época não tinha equipamentos adequados para combater o incêndio e sequer tinham recebido treinamento para tal circunstancia. Do mesmo modo, o hospital da cidade não estava preparado para atender um número expressivo de vitimas. Sendo assim, Itajaí escapou de um desastre total, como foi à explosão do navio que carregava nitrato de amônia no porto da cidade de Texa City nos USA, que provocou uma cadeia  de explosões devido à proximidade de refinarias no local e onde 600 pessoas morreram em 1947.

PORTO ATUAL
Hoje, o porto de Itajaí , com planos de manutenção e emergência reforçam segurança do terminal
A cidade de Itajaí cresceu. As pilhas de madeira deram lugar aos contêineres. Os navios com gás deixaram de atracar no Terminal da Liquigás, no bairro Cordeiros. O transporte para o abastecimento é feito por caminhões. Para prevenir acidentes, a Agip do Brasil, responsável pelo terminal, tem um plano de manutenção, uso de equipamento de acionamento remoto, como válvulas de fundo do tanque de armazenamento, válvulas de alimentação do galpão e de alimentação do ponto de transferência de carreta.
Em caso de emergência é acionado o plano de atendimento à emergência (PAE), que fecha automaticamente as válvulas e bloqueia a passagem de gás. Mensalmente é realizado o treinamento do PAE, com abandono de área, acionamento dos hidrantes, canhão monitor e nebulizações do ponto de transferência de carreta, tanques de armazenagens e galpão de engarrafamento.
Segundo o capitão Onir Mocellin, comandante do Corpo de Bombeiros de Itajaí, a corporação está bem equipada e preparada para combater um incêndio de grandes proporções. "Naquela época, Itajaí precisou esperar apoio de Florianópolis e Blumenau.
Fontes: @ZR,  Livro- Itajaí em Chamas – autor; Magru Floriano e o jornal  A Notícia de Joinville, edição de 1 de fevereiro de 2004, lembrando os 39 anos da tragédia. 

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posted by ACCA@4:14 PM

1 Comments:

At 10:19 PM, Blogger Unknown said...

Muito impactante o texto rico de detalhes. Tinha 6 anos e lembro ter sido carregada no colo em direção a casa de um tio no Bairro São João. Morava na Barra do Rio. Muito bom fazer a leitura de um texto tão bem escrito.

 

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