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sexta-feira, novembro 14, 2014

Memória: Explosão de um caminhão tanque de GLP na Espanha

O autor analisa os destroços no camping e explica os problemas inerentes ao transporte de propileno, produto causador da explosão, mencionando as teorias a respeito da possível causa do desastre e examinando a probabilidade de que ocorra um acidente similar na Grã Bretanha, com base em outros de menor expressão já ocorridos. No final  o autor trata das dificuldades encontradas para a identificação  dos cadáveres em acontecimentos desta espécie e estima ser aconselhável o uso de etiquetas para evitar confusões posteriores.

HISTÓRICO
Uma centena de pessoas foi morta e cerca de 180 sofreram severas queimaduras - das quais muitas foram fatais - quando um caminhão-tanque carregado de gás liquefeito de petróleo (GLP) explodiu nas proximidades de um terreno de camping em San Carlos de la Rapita, Espanha.

Foto: Duas rodas do caminhão-tanque encontradas a 200 m

Cheguei ao local 44 horas após a catástrofe, para ver que ensinamentos poderiam ser aprendidos desta explosão e que seriam relevantes para nos servir no Reino Unido.
Esta foi uma das mais terríveis tragédias que alguém  teve possibilidade de testemunhar. Famílias inteiras morreram da forma mais terrível em poucos segundos; filas e filas de barracas e reboques de acampamento foram completamente destruídos (queimados).

Podia-se praticamente ver o que cada família estava fazendo segundos antes da explosão. Em um caso, uma cozinha de acampamento estava ainda intacta, com comida na panela sobre o fogão.
Havia cerca de 500 pessoas no terreno do acampamento, que compreendia a praia e a área de barracas, no momento da explosão. Algumas barracas estavam somente à cerca de 20 metros da água e, no outro lado do campo, a somente 10 metros da rodovia principal.

Não é incomum, no Reino Unido, encontrar-se áreas de acampamento ao longo de rodovias de grande circulação, com veículos pesados passando a poucos metros de barracas e reboques.
O campo de Los Alfaques estava muito congestionado tanto por barracas como por reboques e parecia estar com excesso de pessoas em comparação com os padrões do Reino Unido.

O deslocamento de ar da explosão parece que foi para o alto e na direção do vento. Um estudo aprofundado dos danos causados pela explosão revelou uma característica muito interessante. A cerca de 75 m do centro da explosão e em uma certa direção, um imóvel, sem as características de uma construção sólida, que era usado como discoteca, foi completamente destruído matando quatro pessoas.

Na direção oposta uma motocicleta, ainda que completamente   queimada,  encontrava‑se apoiada no escabelo (banco baixo para apoio dos pés), somente a cerca de 20 m do centro da explosão.
O propileno, produto envolvido no desastre de Los Alfaques, faz parte de urna categoria de gases industriais que são convenientemente transportados na forma líquida; desta forma um grande volume pode ser armazenado, por compressão ou refrigeração ou combinando-se os dois, em um espaço relativamente pequeno. O propano, o butano ou uma das misturas dos dois, é um exemplo familiar.

Quando um vaso sob pressão contendo um destes gases liquefeitos se rompe, o liquido jorra para o exterior, se vaporiza e sendo mais pesado que o ar,  forma um colchão sobre o solo.
Vaporizando-se, o GLP aumenta o seu volume em cerca de 250 vezes, e quando misturado com cerca de 3 a 4 por cento de ar, cria o efeito de uma bola de fogo na presença de uma fonte de ignição.

A vaporização de um líquido depende muito da temperatura do ambiente quando exposto no ar. Por exemplo, se butano líquido extravasa de um recipiente a 0o C, a vaporização será muito pequena; mas se a temperatura do ambiente é elevada, a vaporização ocorre muito rapidamente (como ocorreu na Espanha onde a temperatura no momento do acidente era de 28o C).
O ponto de ebulição de outros gases liquefeitos de petróleo varia ligeiramente, resultando geralmente em uma vaporização mais rápida.

AS TESTEMUNHAS
Deve ser bem compreendido em primeiro lugar que a maioria das pessoas na vizinhança imediata a explosão foram mortas. A testemunha mais confiável pareceu ser um jovem que trabalhava em uma loja do campo.

Foto-1 – Mar Mediterrâneo – existe um desnível entre a praia e a área de camping
2 – Área de camping

Às 14h29 min da terça-feira, 11 de julho de 1978, ele estava servindo um cliente na loja quando ouviu uma pequena explosão e pensou que esta ocorrera no terreno do "camping". Dando-se conta de que algo de anormal estava se passando ele saiu para investigar, tendo caminhado até seu automóvel que estava em um estacionamento nas proximidades e se preparava para atravessar a área de camping quando uma segunda explosão, mais violenta que a primeira, ocorreu.
Observando a enorme bola de fogo e experimentando os efeitos do calor, lançou-se no mar. O tempo decorrido entre as duas explosões é estimado em cerca de 2 minutos. Muitas testemunhas falaram de duas explosões, mas disseram que ocorreram a intervalo de tempo menor.

Um estudo da extensão da propagação da nuvem de gás mostrou que certamente não seria possível a duas explosões ocorrerem simultaneamente.

VAZAMENTO DE PROPILENO
Duas teorias surgiram para explicar como um tanque transportando 22.000 litros de propileno líquido provocou o desenvolvimento de um sério vazamento causando tal explosão.

Uma teoria é que o motorista perdeu o controle de seu veiculo, que atravessou a pista e tombou sobre um talude, demolindo um pequeno parapeito e rompendo a parede de aço de 10 mm do tanque, permitindo que uma grande quantidade de propileno líquido vazasse. Devido ao dia quente (a temperatura estava em torno de 28o C) o líquido vaporizou-se rapidamente e formou uma nuvem de gás. O gás foi inflamado por uma chama aberta (um fogareiro de um campista) e uma violenta explosão ocorreu.

Uma segunda teoria é que a explosão ocorreu na rodovia mesmo. Sugeriu-se que o tanque, por qualquer razão, permitiu que um grande vazamento de propileno líquido ocorresse. A nuvem de gás formou-se e inflamou-se provocando uma explosão que arremessou o cavalo mecânico a uma distância de 100 m em uma direção e a carcaça do tanque, encontrada em inúmeros pedaços separados, distante de 75 m na direção oposta. As rodas do tanque foram encontradas em um raio de 200 m do local da explosão.

Na ausência de qualquer outra evidencia, por ora, eu sustento esta ultima teoria, uma vez que não se comprova que o caminhão tanque tenha deixado a rodovia antes que a segunda explosão tenha ocorrido. De fato, devido a natureza da formação da nuvem de gás, parece prováve1 que o veiculo tenha parado, talvez para investigar o vazamento.
O vento naquele momento soprava do mar, em consequência  a nuvem de gás espalhou‑se por 300 m na direção do vento. O tempo decorrido de aproximadamente dois minutos parece ser razoável para que a nuvem de gás cobrisse 0,65 km2 antes de inflamar-se.

Uma explosão similar poderia ocorrer no Reino Unido? Sem hesitação, a resposta deve ser sim. Os tanques de transporte no Reino Unido são fabricados de forma similar - uma parede de aço de 10 mm com soldas nas uniões e transportando até 20 toneladas de produto.
Os tanques deixam regularmente por dia muitos depósitos, e deslocam-se ao longo de todos os tipos de rodovias e através de centros urbanos sem qualquer imposição ou restrição especial.

Os regulamentos que regem o transporte de substâncias extremamente inflamáveis na Espanha são um acordo assinado em 1957 - "Acordo Europeu Relativo ao Transporte Internacional de Substâncias Perigosas por Rodovia" (Accord Européen Relatif au Transport International des Marchandises Dangereuses par Route) - comumente conhecido na Europa como regras ADR - em vigor até 1980.
Os regulamentos cobrem a etiquetagem, a embalagem e o transporte de substâncias perigosas transportadas livremente através da Europa.
Se bem que os tanques britânicos sejam construídos de acordo com as normas britânicas BS1500 ou BS1515, os regulamentos que regem a carga, o transporte e a descarga de GLP, no momento, tem a forma de um acordo voluntário entre as companhias envolvidas. O acordo que faz parte do "Manual do Transporte e do Motorista" -Transport and Driver's Manual - não impõe qualquer restrição no que diz respeito à classe de rodovia que deve ser utilizada.

Mesmo antes do desastre espanhol, no Reino Unido, as Regras Profissionais que regem o transporte de substâncias perigosas por rodovia, já estavam sendo revistas e espera-se que sejam transformadas em lei, num futuro próximo, compondo o quadro da legislação que trata da saúde e da segurança.
Entretanto, como resultado do desastre da Espanha espera-se que as cláusulas das regras profissionais sejam cuidadosamente revisadas.

Na Espanha, o tanque se dirigia para Valência através da rodovia N340 evitando assim a autoestrada e o pedágio. É recomendado aos caminhões-tanque o uso da autoestrada, porém   não é obrigatório.
Entretanto, como resultado do desastre espanhol, foi anunciado na Espanha que todos os veículos transportando substâncias  perigosas devem utilizar rodovias que evitam áreas densamente povoadas no verão e nos períodos de férias.

É importante considerar se tal restrição será racional no Reino Unido, apesar de ser inevitável que caminhões‑tanque transportando substâncias perigosas tenham que utilizar, de tempos em tempos, rodovias passando por áreas densamente povoadas para carregar e descarregar seus produtos em endereços específicos.

Após exame do tanque destruído e de outros tanques de construção similar, parece evidente, que estes veículos com tanques de parede em aço de 10 mm com soldas nas junções deveriam ser melhor protegidos contra choques.

Eu não posso abster‑me de pensar, se um tanque de construção similar envolver-se em uma colisão múltipla de veículos em uma autoestrada, uma ruptura não possa ocorrer com conseqüências similares.
Em adição a isto, as tubulações sob o tanque do caminhão espanhol pareciam-me também muito vulneráveis a danos mecânicos. Se durante um acidente esta tubulação for danificada, o líquido poderá fluir através de um tubo de 100 mm de diâmetro provocando um rápido e muito grande vazamento do conteúdo.

O transporte de substancias perigosas em nossas estradas é uma questão muito complexa e eu estou ciente que o problema tem sido estudado seriamente por muitos anos, mas a proteção contra choques externos dos caminhões-tanque transportando GLP permanece, um assunto para ser estudado rapidamente.
É estimado que cerca de 300 caminhões-tanque transportando gás sob pressão trafegam regularmente nas estradas da Grã-Bretanha, mas informações de uma das grandes companhias sugerem que este número pode ser subestimado.

TRANSPORTE DE GLP
Os caminhões-tanque transportam, sobretudo, gases derivados de petróleo extremamente inflamáveis,  p. ex. propano, butano (ou uma mistura dos dois), cloro e propileno, apesar de que a maior parte do GLP é transportado, no sul da Inglaterra, por navio, por gasodutos subterrâneos ou por ferrovia.
Os vasos de pressão dos tanques rodoviários são ditos como sendo sólidos e representantes da indústria britânica tem expressado surpresa quando é sugerido que qualquer dos seus tanques especialmente construídos, podem romper-se completamente sem que sejam submetidos a violento impacto.

Para reforçar seus otimismos, há o incidente na estrada de ferro para Ferry Hill, Condado de Durham, há cerca de 18 meses, quando um tanque ferroviário de construção similar, transportando 30.000 litros de GLP, foi arrastado por uma distância de 800 m lateralmente, chocando-se contra uma pilha de trilhos e sofrendo somente danos superficiais.

Em contrapartida, outro incidente ocorrido em 1974, em Aberdeen, quando um tanque rodoviário transportando 16.000 litros de butano envolveu-se em um acidente rodoviário provocado por gelo na pista, e o tanque principal rompeu-se com o impacto e o butano liquido  extravasou‑se.
Felizmente nessa ocasião a temperatura estava a 0o C (exatamente no ponto de ebulição do butano) e, por conseguinte,  uma vaporização muito pequena teve lugar, embora essa limitada quantidade de vapor presente fosse incendiada por um veiculo que estava envolvido no acidente.

VAPORIZAÇÃO 
Se formos comparar esse incidente com o da Espanha, é evidente que, se a temperatura estivesse um pouco mais elevada, a vaporização iria produzir-se mais rapidamente, a nuvem de gás teria sido bem maior, e quando a ignição ocorresse às conseqüências poderiam ter sido mais sérias.
O fato do tanque não  possuir proteção externa contra impacto é significante: contribuiu para causar a ruptura.
Se bem que, durante o último ano, os tanques britânicos transportando GLP percorreram 50 milhões de quilômetros pelas rodovias britânicas sem provocar sequer uma morte, nosso desempenho não foi completamente perfeito.
Alguns incidentes ocorreram onde GLP vazou de tanques rodoviários e formou nuvens de gás de tamanho limitado, mas felizmente, em razão de circunstâncias várias (incluindo a rapidez de atendimento dos serviços de emergência) as consequências  não foram tão desastrosas como as da Espanha.

IDENTIFICAÇÃO DE CADÁVER
No decorrer da minha investigação, um ponto importante se destacou no que concerne à organização. Durante à tarde de terça-feira, 13 de junho, eu visitei o necrotério em Tortosa, distante 25 km de San Carlos de la Rapita e observei as dificuldades de identificação de 100 corpos seriamente queimados.

Muitas das vítimas eram alemães. A fim de proceder à identificação das famílias vitimadas pela catástrofe, a polícia alemã se utilizou dos registros dos números dos motores e chassi dos veículos envolvidos no incêndio. Como todas as vítimas mortas por queimaduras foram removidas sem qualquer forma de identificação (rotulações) para uma área distante do campo e colocadas em um caminho, prontas para serem removidas para o necrotério, era impossível saber-se de que parte do terreno do camping elas provinham.

Se os corpos tivessem sido identificados de alguma forma antes de serem removidos, eles poderiam ser posteriormente identificados pelo número de registro dos seus veículos e os familiares poderiam ter sido prevenidos quase que imediatamente.
Lamentavelmente alguns familiares tiveram que aguardar até duas semanas para verificar se as pessoas que se supunha, estivessem em San Carlos de la Rapita retornassem para casa.
Nestas situações onde os corpos estavam queimados impossibilitando a identificação e espalhados por uma vasta área era imperativo que um sistema de etiquetagem fosse utilizado de forma a identificar no mínimo os locais onde os corpos tinham sido descobertos. Um simples número sobre cada cadáver com uma correspondência do local em planta seria suficiente.
Fonte: (Artigo publicado na revista Fire, edição de no  62 - 1978). O autor, Harold Stinton, é oficial do Corpo de Bombeiros de Hampshire, Inglaterra, visitou a área do camping de San Carlos de la Rapita após a explosão, em julho de 1978.

Comentário:  Vítimas
Dados concretos sobre o número de vítimas
■ mortes: 216
■ feridos: 200

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posted by ACCA@9:00 AM