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sexta-feira, novembro 23, 2007

Onda de incêndios traz à tona problemas crônicos na Rússia


Mais de 17 mil pessoas morreram em incêndios em 2006 na Rússia.
O respeito às leis e à saúde pública continuam muito aquém do ideal do Kremlin.
Foto: Incêndio destruiu dormitório da Universidade em Moscou, 36 estudantes morreram e outros 197 ficaram feridos


Mais de 17 mil pessoas morreram em incêndios em 2006 na Rússia, aproximadamente 13 para cada 100 mil pessoas. Isso representa mais do que 10 vezes os índices registrados na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, segundo estatísticas do governo da Rússia, dos Centros Norte-Americanos de Controle e Prevenção de Doenças e da Geneva Association, organização suíça que analisa estatísticas internacionais relacionadas a incêndios.

Nos primeiros oito meses deste ano, os índices de morte por incêndio na Rússia caíram em cerca de 10%, segundo o governo, mas continuam terrivelmente elevados. Os recentes processos judiciais e entrevistas com sobreviventes de incêndios e com funcionários da área de segurança pública, ilustram diversos motivos.

O número de mortos, neste ano oscilando em cerca de 40 pessoas por dia, origina-se de uma infinidade de fatores, entre eles;
■ sistemas elétricos e de aquecimento obsoletos em habitações públicas e residências nas zonas rurais,
■ equipamentos de combate a incêndio em péssimas condições e
■ violações ilimitadas aos padrões de segurança.

Elevadas taxas de alcoolismo e fumo também entram na lista de principais causas, segundo representantes do corpo de bombeiros, uma vez que pessoas sob a ação de álcool muitas vezes não têm condições de escapar de incêndios ou, sem querer, acabam iniciando-os.

Reformas de habitações
As camadas internas de materiais formadas após inúmeras reformas nos edifícios acabam quase sempre servindo como combustível assim que o incêndio começa, segundo um chefe do corpo de bombeiros. Até mesmo edifícios novos, com modernos equipamentos de segurança, demonstraram, em alguns casos, serem verdadeiras armadilhas da morte.

Violações de normas de segurança e roubo
"Podemos usar e instalar sistemas de monitoramento e combate a incêndios de última geração, mas ao mesmo tempo há pessoas violando as normas e bloqueando as rotas de saída de emergência", declarou o tenente general Alexander P. Chupriyan, ministro interino de serviços de emergência da Rússia Chupriyan. "Há muitas histórias assim."
Mesmo quando prédios novos possuem equipamentos de segurança, no intervalo de um ano muitas vezes o equipamento é roubado ou se torna inutilizado.

Corpo de bombeiros
Tempo de chegada ao local do incêndio
Nas principais cidades da Rússia, as rodovias que agora ficam congestionadas devido ao aumento no número de veículos em circulação e de um planejamento urbano ineficaz, retardam o tempo de chegada dos caminhões do corpo de bombeiros.
Nas zonas rurais, as enormes distâncias até os corpos de bombeiros produzem o mesmo efeito, muitas vezes impedindo os bombeiros de chegar ao local a tempo, como afirmam os bombeiros.

Reestruturação do Corpo de Bombeiros
Desde 1996, houve melhorias na estrutura de combate a incêndios, e a pequena queda no número de mortes por incêndio, ao que parece, resultou em parte de mudanças planejadas pelo Ministério de Situações Emergenciais da Rússia, que ficou responsável pelo combate a incêndios durante o segundo mandato de Putin e é considerado como um dos ministérios mais eficientes do governo.

O ministério contratou organizações de combate a incêndios ocidentais e tentou adotar padrões bem-sucedidos em outros países. No período soviético, por exemplo, as unidades médicas faziam parte do Ministério de Emergências e não trabalhavam em parceria com as unidades de combate a incêndios, que faziam parte do Ministério do Interior.
Depois de estudar os departamentos de incêndio dos Estados Unidos, a Rússia uniu ambos os serviços sob o comando do ministério de emergências há cerca de cinco anos e a quantidade de mortes por incêndios começou a cair.

Suborno prevalece nas inspeções
No entanto, a eficácia das tentativas de revitalização do serviço é limitada por problemas nacionais crônicos que incluem a pandemia de corrupção do alto escalão, um sistema judiciário fraco e a incompetência administrativa.
Os inspetores de incêndio, por exemplo, possuem autoridade sobre como lidar com as violações às normas de incêndios, e muitas vezes há abuso dessa autoridade, contou Elena Panfilova, diretora da filial russa da Transparência Internacional, organização privada de combate à corrupção. "Praticamente ninguém segue os padrões de segurança em incêndios na Rússia, mas os proprietários e inquilinos dos prédios negociam subornos com os fiscais", disse ela. "Isso é comum aqui. Todo mundo sabe."

Os casos ocorridos nos últimos anos demonstram como tantos fatores se combinam na deficiência do Corpo de Bombeiros.

Falta de água
■ Durante o cerco terrorista na escola pública em Beslan, em 2004, que terminou em um incêndio que se alastrou pelo teto de um ginásio lotado de reféns, os primeiros caminhões de bombeiros a chegar ao local quase não tinham água. Os moradores da região chamaram um caminhão particular de uma fábrica de vodka e eles mesmos acabaram tendo que controlar o incêndio. O teto desabou e mais de 120 vítimas carbonizadas foram encontradas sob os escombros.

Saídas bloqueadas
■ Um incêndio no ano passado em um banco em Vladivostok matou nove mulheres e deixou outras 20 pessoas gravemente feridas. Peritos, posteriormente, afirmaram que o banco havia bloqueado as saídas de emergência e que não possuía extintores nem alarmes. As equipes de resgate tiveram dificuldades para chegar às vítimas presas pois o acesso estava bloqueado por carros estacionados ilegalmente. (Em setembro, um tribunal condenou cinco pessoas por negligência e violações às normas de segurança.)

Falta de alarme de incêndio
■ Um incêndio que aconteceu na primeira semana de novembro de 2007, em uma casa de repouso em Tula matou 32 pessoas. Bombeiros afirmaram que o lar havia sido reprovado em duas fiscalizações neste ano, mas que havia conseguido reabrir as portas e continuar funcionando, mesmo sem alarme de incêndio. Quando os bombeiros foram comunicados sobre o fogo, segundo eles, o incêndio já se alastrava de forma incontrolável há 30 minutos, e muitos moradores ficaram encurralados.

Saídas bloqueadas e janelas com grades
■ Um incêndio de porte relativamente pequeno em dezembro do ano passado em um centro de reabilitação de viciados em drogas em Moscou matou 46 pessoas, muitas das quais morreram por inalação de fumaça porque a saída havia sido bloqueada e as janelas eram equipadas com grades para evitar que os viciados fugissem.

"Aqueles que deveriam estar acordados, estavam dormindo, e alguns pacientes estavam drogados e não conseguiam sair", declarou o coronel Ranat Yunisov, comandante da Unidade de Incêndio e Resgate No. 55 em uma entrevista. "Parte da culpa disso está na mentalidade russa. Os funcionários não queriam revelar que havia problemas, então eles mesmos tentaram combater o incêndio e, quando perceberam que era tarde demais, realmente era tarde demais."

Falta de alarme de incêndio, acessos e saídas bloqueadas
■ O prédio era uma bola de fogo, conta os bombeiros. O quarto andar, onde ficavam as salas de aula, não contava com sistema de alarmes. Havia duas escadas, mas o fogo começou perto de uma delas. A outra estava isolada por uma porta de aço trancada.

Houve uma inspeção em agosto, mas o fiscal havia concluído que essas irregularidades não representavam uma ameaça e o reitor da escola não tomou providência alguma. Após a erupção do incêndio, o instituto não ordenou a evacuação do prédio nem chamou os bombeiros, que contam que souberam do incêndio apenas após o telefonema de alguém que passava pelo local.

As pessoas já estavam pulando as janelas quando os caminhões chegaram. Muitas confiaram o destino a funcionários da construção civil que estavam por perto e que tentavam capturá-las em redes improvisadas. O caminho de acesso dos bombeiros ao prédio estava obstruído por carros estacionados ilegalmente.

"Ficamos indignados e nervosos, porque os bombeiros não içaram as escadas magirus", declarou Vladislav V. Yermikhin, que saltou com os joelhos dobrados em uma rede improvisada. Ele fraturou a bacia e sofreu uma forte pancada. "Se não fosse pelos pedreiros, teria sido muito pior."

Pelo menos 30 pessoas continuam internadas com queimaduras e fraturas devido a esse incêndio. Três vítimas se queixaram em entrevistas que o sofrimento foi agravado porque houve demora no tratamento médico já que havia poucas ambulâncias que ainda por cima demoraram a chegar. Quando chegaram, como contam as vítimas, dezenas de pessoas que haviam pulado estavam se contorcendo ou estavam inconscientes no chão.

Fonte: G1 - New York Times – 07 de novembro de 2007

posted by ACCA@10:33 AM