Zona de Risco

Acidentes, Desastres, Riscos, Ciência e Tecnologia

domingo, setembro 02, 2007

Trabalho mortal

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 27.000 a 68.000 pessoas morrem por ano na América Latina e no Caribe devido a acidentes ocupacionais. Entre 20 milhões e 80 milhões sofrem de lesões ou doenças de diversos graus de gravidade devido a riscos de natureza física, química, biológica, ou outras causas ambientais, aos quais estão expostas no trabalho.

Normas de segurança obedecidas
A verdadeira tragédia, porém, é que muitas dessas mortes e doenças poderiam ser evitadas. Se as normas de segurança em vigor nos países desenvolvidos fossem respeitadas na América Latina, cerca de 16.500 dessas mortes seriam evitadas por ano e milhões de trabalhadores teriam melhores condições de saúde.

Normas de segurança inadequadas e a falta de interesse generalizada
Segundo estudos da OIT, as normas de segurança ocupacional na América Latina são extremamente inadequadas. Embora a força de trabalho na região seja de mais de 200 milhões de trabalhadores e cresça a taxas acima da média mundial, especialistas em saúde e segurança alertam para a falta de interesse generalizada sobre segurança no trabalho, tanto por parte dos governos como da iniciativa privada.

Essa indiferença, somada a estatísticas que subestimam a magnitude do problema e ao fato de que os órgãos responsáveis geralmente não estão capacitados para aplicar nem as mais elementares normas de segurança, colocam a América Latina em “situação gravíssima”, afirma Roberto Iunes, economista especializado em saúde integrante do Escritório de Avaliação e Supervisão do BID.

“Abordar o problema da segurança no trabalho é extremamente complicado”, explica Iunes. “A responsabilidade é compartilhada por vários setores: saúde, trabalho, agricultura, meio ambiente, sindicatos, instituições de previdência social, seguradoras privadas e organismos internacionais de comércio. E as leis, mesmo quando adequadas e atualizadas, nem sempre são cumpridas.” Com tantas partes interessadas no problema, a segurança no trabalho muitas vezes acaba sendo uma terra de ninguém no tocante à responsabilidade política.

Faltam números, subnotificação, mercado informal
Qualquer tentativa de cálculo da dimensão real do problema de segurança ocupacional na região esbarra no enorme mercado informal de trabalho. As estatísticas baseiam-se na economia formal, segundo Iunes, ou seja, não incluem mortes e lesões relacionadas com o trabalho que afetam uma grande parcela da força de trabalho. Além disso, os empregadores nem sempre notificam todos os casos, já que são poucos os incentivos à transparência em países onde a supervisão oficial é pouca ou quase nenhuma. Os médicos, por outro lado, tendem a atribuir doenças ou outros problemas a fatores não relacionados ao local de trabalho, sobretudo quando se manifestam tardiamente, o que dificulta estabelecer um efeito de causalidade.

Prejuízos estimados em PIB
Apesar do grau de inexatidão, a OIT estima que os países da América Latina e do Caribe perdem US$76 bilhões por ano em mortes e lesões ocupacionais. Isso significa “entre 2% e 4% do Produto Interno Bruto da região”, garante Iunes. “Alguns estudos indicam até 10% do PIB. Nossa média de acidentes relativamente à população em geral é de 10% a 20% maior do que a taxa nos Estados Unidos e 70% superior à da Finlândia, por exemplo.”
Essas cifras são o somatório dos custos diretos (atendimento médico, benefícios por morte ou invalidez para o indivíduo ou sua família) e indiretos (menor produtividade durante ou após um acidente, perdas e danos com equipamentos e o impacto sobre colegas e parentes). “A grande dificuldade é demonstrar os benefícios materiais derivados da maior segurança ocupacional”, afirma Iunes. “Qual é o nível mínimo aceitável de risco? Quem deve defini-lo?”

A melhor norma
Certamente não cabe aos trabalhadores responder a essas perguntas, principalmente os de mais baixos salários no setor informal, cuja maior preocupação é não perder sua única fonte de renda. Esse contingente, geralmente de baixo nível de escolaridade e saúde precária, é o que paga mais caro pelas deficiências na área de segurança no trabalho. Praticamente nunca recebem indenização alguma por morte, acidentes ou doenças ocupacionais.

Os trabalhadores latino-americanos, tanto do setor informal quanto formal, tendem a enfrentar longas jornadas de trabalho, operando equipamentos inadequados ou inseguros, em condições climáticas ou geográficas extremamente adversas para o organismo humano. Além disso, muitos deles dependem de meios de transporte superlotados e precários para chegar ao emprego — outra fonte de morte e invalidez ligada ao trabalho.

“Muitas vezes bastaria algo elementar como uma boa ventilação para melhorar muito o ambiente de trabalho”, afirma Iunes. O uso de equipamentos de proteção, como óculos ou máscaras que evitem a inalação de pesticidas, traria benefícios tangíveis. Na falta de normas claras e supervisão e fiscalização permanente, entretanto, a maioria das empresas não se dispõe a investir, mesmo que pouco, em segurança.

Incentivos, boas práticas, aquisição de equipamentos mais seguros
Uma equipe de especialistas do BID publicou um estudo sobre os custos financeiros e de saúde dos riscos ocupacionais que propõe várias medidas baseadas em garantias constitucionais e mecanismos de proteção legal existentes, visando aumentar a segurança no trabalho.
Tais medidas incluem;
■ coleta e divulgação de informações pormenorizadas sobre segurança ocupacional;
■ identificação das “melhores práticas” nas áreas de prevenção de acidentes e doenças;
■ os especialistas sugerem, ainda, medidas para assegurar o cumprimento da lei mediante incentivos, auditorias, ações judiciais e supervisão direta.

A título de incentivo positivo, por exemplo, os autores sugerem oferecer crédito a baixas taxas de juros a pequenas e médias empresas especificamente para a aquisição de equipamentos mais seguros. Incentivos negativos seriam multas pela importação de produtos químicos ou pesticidas tóxicos.
Por fim, o BID pretende promover um diálogo mais intenso sobre questões de segurança reunindo trabalhadores, empregadores, especialistas em saúde e autoridades governamentais, a fim de esclarecer melhor o problema junto às partes interessadas. O Banco busca também incentivar uma colaboração mais estreita entre a OIT, a Organização Pan-Americana da Saúde, a Organização dos Estados Americanos e as entidades nacionais encarregadas especificamente da área de segurança no trabalho .
Fonte: Fonte: BIDAmérica – Revista do Banco Interamericano de Desenvolvimento - Janeiro de 2003

posted by ACCA@2:35 PM