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sábado, fevereiro 17, 2007

A engenharia brasileira e o metrô de SP

Passado o impacto inicial, é hora de refletir sobre o acidente. Cabe relevar a competência técnica e empresarial unida ao projeto

O Instituto de Engenharia entende que, ante o acidente com as obras da linha 4 do metrô de São Paulo, todas as entidades ligadas à engenharia brasileira devem ter uma atitude de reflexão e colaboração. Entende também ser preciso analisar em profundidade as causas e as responsabilidades devidas. É necessária uma ampla análise desprovida de emoções para que, dela, se tirem as necessárias lições e aprendizados.

O acidente foi bastante explorado de forma precipitada e com certa manipulação, antes de qualquer laudo técnico. Interesses vários se aproveitaram de lamentável fatalidade para gerar vagas informações sobre suas causas e implicações jurídicas e críticas sobre contratos e relacionamento entre os agentes envolvidos. Agora que o impacto passou com o resgate das vítimas, é o momento de refletirmos sobre o acontecido.

De início, cabe ressaltar a competência técnica e empresarial agregada a esse projeto complexo. O Consórcio Via Amarela representa o que há de melhor na construção pesada brasileira e venceu a licitação em disputada concorrência, inclusive com grupos estrangeiros. Para os projetos executivos, foram contratadas as mais competentes empresas brasileiras de engenharia consultiva. Esse grupo empresarial, além das qualificações técnicas, apresenta todas as condições para desafios como esse da linha 4, com histórico de importantes realizações no país e no exterior.

O Metrô tem todas as condições para realizações desse tipo e é exemplo de competência técnica e grande impulsionador da engenharia brasileira. Desde os tempos pioneiros da implantação da primeira linha, o Metrô vem acumulando conhecimento e aperfeiçoando métodos gerenciais e construtivos. Não tem sido uma tarefa fácil, pois, de um lado, as verbas estão cada vez mais escassas, e, de outro, há uma enorme pressão por mais e melhores transportes. O Metrô tem se desincumbido brilhantemente dessa tarefa, mas sofre com a descontinuidade dos investimentos.

Com relação ao contrato utilizado, o chamado "turn key" é praticado no mundo inteiro. Nesse caso específico, o contrato segue sugestões do Banco Mundial, financiador da obra. Pelo modelo, cabem ao consórcio e seus contratados a execução e o gerenciamento da obra e o detalhamento técnico, e aos técnicos do Metrô, o acompanhamento e a fiscalização de sua implantação a partir do projeto básico desenvolvido pelo próprio Metrô.

Trata-se de uma obra pública e, como tal, o poder público não pode abdicar de suas tarefas e obrigações fiscalizadoras. Entendemos que as relações técnicas e contratuais estão plenamente definidas e, em função do que for apurado, tanto as empresas quanto o poder público são passíveis de responder, ao lado da seguradora, pelos danos pessoais, materiais e morais decorrentes.
Quanto à parceria público-privada da obra, ela se atém ao material rodante, aos sistemas de controle e de operação da linha. Nada tem a ver com o acidente nem com o estágio das obras. Portanto, qualquer referência a ela neste momento é descabida.

A história da engenharia está cheia de registros de acidentes, muitos dos quais impossíveis de serem previstos com os conhecimentos então disponíveis. Somente a partir deles é que se ampliam as informações e os critérios técnicos que permitem o progresso da engenharia pela melhora do conhecimento técnico, da forma de gerenciamento, de administração e de contratação.

A atual situação da engenharia brasileira, após tantos anos de escassos investimentos, também deve ser objeto de análise. Vivemos um momento de apagões. Os poucos investimentos públicos nos últimos 25 anos resultaram em poucas obras e na conseqüente diluição das equipes e competências técnicas.

O Instituto de Engenharia, com a tradição e a independência que caracterizam seus 90 anos, estará acompanhando de forma isenta e responsável a elucidação dos fatos.
Acidentes são sempre fatalidades e devem ser apurados de forma racional, e não emocional.
Há fatores humanos que não podem ser desconsiderados.
Há lições e conhecimentos a serem aprendidos.
O momento é de reflexão e reconstrução. É nisso que o Instituto de Engenharia pode e deve atuar.
Fonte: Folha de São Paulo - São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007
Eduardo Lafraia, engenheiro civil, é presidente do Instituto de Engenharia.

posted by ACCA@8:05 PM