Zona de Risco

Acidentes, Desastres, Riscos, Ciência e Tecnologia

terça-feira, janeiro 16, 2007

Desastre da obra do Metrô e o Gerenciamento de Riscos


Breve comentário do acidente do Metrô e gerenciamento de riscos

O acidente da obra do Metrô, podemos dividir em quatro etapas;
1a etapa – O acidente foi causado no túnel próximo ao poço vertical de acesso para construção da estação . O acidente técnico da obra deve ser esclarecido pelo IPT, responsavel pelo laudo técnico.O acidente técnico da obra será revisado, analisado e poderá alterar o método construtivo e principalmente quanto à segurança. Como houve vítimas, o acidente ganhou nova dimensão, caso contrário, o poço seria aterrado e novamente efetuado a escavação.

No entanto, quando vidas humanas são afetadas não existe retorno ou reposição. Deixa seqüelas aos familiares que perderam parentes ou aos familiares que tiveram suas casas danificadas.São vidas que serão marcadas pois perderam familiares, objetos pessoais, um recanto que traz recordações de uma vida ou gerações.

Vide fotos ampliadas
http://zonaderisco.nafoto.net/photo20070116194504.html
http://zonaderisco.nafoto.net/photo20070116194232.html

Houve indício que o túnel estava cedendo e o pessoal técnico estava tentando resolver o problema. O pessoal estava tão focado em resolver o problema , esqueceu da conseqüência se houvesse o desmoronamento para a circunvizinhança.

Quando a cultura predominante da empresa é produzir para cumprir metas, os responsáveis pela execução vão priorizá-las. A empresa deve ter consciência de que a atividade é de alto risco, que qualquer falha poderá se transformar em catástrofe.
Cabe à empresa priorizar o gerenciamento de riscos como uma ferramenta para direcionar o limite para que não extrapole a segurança, visando o cumprimento das metas.
O gerenciamento de riscos é uma ferramenta estratégica que permite conviver com a possibilidade de os eventos futuros causarem efeitos adversos.
É esta a questão fundamental, em que os avanços tecnológicos e científicos podem fazer desaparecer alguns riscos para que outros, de imediato, os substituam (é a famosa “caixa de Pandora”, é a caixa de segredos, que sob a aparência de tecnologia, guarda riscos e desgraças).

2 a etapa
Não houve por parte da consorcio uma análise ou simulação de um cenário desastroso, onde simulamos; se uma parte do túnel desmoronasse, qual seria a conseqüência para o restante da obra ou para o poço de acesso? Através dessa simulação é que poderia abranger a área de influencia do risco, para que pudesse executar as desapropriações necessárias ou a interdição de ruas. É uma obra atípica para o Metrô, próximo a várzea de um rio. Onde foi escavado um poço de acesso de 40 m de diâmetro, onde será construída a estação do metrô, cuja base da estação subterrânea será muito maior.

A análise que deveria ser feita da influência da obra em relação à vizinhança. Parece-me que não foi feita uma análise profunda sobre o aspecto de um cenário grave ou crítico da obra em relação à vizinhança, tais como;
a – as expropriações foram feitas às mínimas possíveis; fotos publicados em jornais mostram casas muito próximas da obra
b – Rua Capri e R. Gilberto Sabino não foram interditadas pela obra, continuavam com tráfego normal. Deveria ser interditada, como foi em outras obras do Metrô.
c – o monitoramento contínuo de residências e ruas em relação a recalques. A região possui as duas primeiras camadas de solo, solo orgânico e areia, onde a maiorias residência tem as fundações assentadas e lençol freático elevado.

Menciono esses problemas, pois acompanhei no período de 1980 a 1990 as obras do metrô em relação ao gerenciamento de riscos a terceiros.

Houve uma mudança de gestão de obra do Metrô, antigamente a empresa contratava a construtora para execução da obra e o gerente da obra era do Metrô. O gerente de obra do Metrô tinha uma boa noção de gerenciamento de riscos, tinha uma preocupação da interferência da obra em relação à circunvizinhança e bastante experiência profissional de outras obras do Metrô. A segurança da obra e da vizinhança eram prioritárias no desenvolvimento da obra.

Atualmente a gestão da obra é da empreiteira, tipo de contrato preço fechado (turn key), as decisões é da empreiteira. Como o gerente atual está mais preocupado com a execução da obra, pois o enfoque hoje é a produção, prazo de obra , etc que também deve ter influído no desastre.

3a – etapa –Atendimento aos moradores afetados
O atendimento aos moradores e vítimas pós-desastre é demorado e complexo, pois envolve diversos problemas, tais como;
Casas demolidas – a concessionária indenizará o proprietário para construir uma nova edificação no local ou expropriará também o terreno. Aqui existe um outro fator agravante, como o local está em processo de acomodação do terreno devido à obra, não seria interessante efetuar a construção imediatamente. Quanto tempo o proprietário morará de aluguel para construir uma nova edificação? Ou a Concessionária incluirá uma verba adicional de indenização para despesa extraordinária (aluguel, impostos, dias parados dos proprietários, perda de rendimento, etc).
Casas danificadas – o proprietário não pode retornar a residência devido à gravidade dos danos (trincas, rachaduras, recalque das fundações). Quanto tempo o proprietário morará de aluguel? E outros problemas; deslocamento da família, a casa alugada é mais distante do trabalho, da região que está acostumado
Casas danificadas, que em principio o proprietário poderá ficar, apresenta o mesmo problema na estrutura; trincas que poderão aumentar, a tensão dos familiares em relação a esses danos.
Posteriormente a Concessionária poderá sofrer processo cível em relação;
Dano moral, em que o proprietário poderá alegar; desocupação rápida da moradia, perdas de objetos pessoais afetivos, tendo abalado psicologicamente a família.
Vítimas fatais – responsabilidade civil, falha devido à execução da obra e dano moral por perda familiar, trauma psicológico

4a etapa – Responsabilidade do Consórcio
A primeira nota publicada pelo consórcio nos jornais, indicou que o excesso de chuva causou uma série de reações no solo onde se encontra a obra. É uma nota lamentável, pois a chuva é um dos fatores externos que deve ter sido analisado cuidadosamente durante a fase do projeto, pois a obra localiza-se numa região próxima ao rio (a obra situa-se numa camada de solo predominantemente de rocha, apesar de outras camadas de solo deve influir no comportamento do solo). Como nota indica é um terreno perigoso, sujeito a recalques.
O próprio consórcio reconhece a própria instabilidade do terreno, portanto, deveria tomar medidas de precaução, simulando um cenário desastroso, quanto à segurança de danos a terceiros (vizinhança), tais como; maior abrangência de desapropriação, isolamento de ruas.

O brasileiro tem a mania de culpar alguém para eximir de responsabilidade ou atenuá-la. Essa atenuação de responsabilidade lembra muito o caso da colisão aérea da Gol-Legacy. Inicialmente culpou o piloto americano, mas o jornalista americano que estava no avião Legacy publicou uma matéria indicando que o sistema de radar na região apresenta falhas. Agora sabemos que existe uma série de falhas, que causou o efeito dominó que concorreu para o desastre.

Nos USA quando há um grande desastre, a empresa ou os responsáveis envolvidos afirmam;”Vamos verificar o que houve de errado”. É uma visão mais profissional e responsavel para encarar o problema e passar uma informação ao público com dados mais concretos das causas do que apontar conjeturas.

Alguns acidentes de obra ao longo do canal do Rio Pinheiros e proximidades.
1-Construção do prédio da Nestlé – rebaixamento do lençol freático, afetou mais de 100 casas na região
2-Construção do túnel da Juscelino Kubitschek, desmoronamento devido ao rompimento de uma galeria de água pluvial, próxima
3- Na década de 80, um poço de acesso do sistema Sanegran, com equipamentos, canteiro de obra, sofreu desmoronamento, localizado próximo do rio Tietê, em Osasco.

Obviamente a imagem do Metrô e do governo fica ou está ficando mais exposta na mídia do que do próprio consórcio de construtora responsável pela obra . Nesse tipo de contrato, todas as decisões técnicas são da responsabilidade das construtoras envolvidas na execução da obra.

“Uma coisa é certa; uma catástrofe é sempre resultante de uma série de eventos não previstos e da convergência de fatores adversos e aparentemente independentes que, num determinado momento, se somam para provocá-la”.Peter Alouche
ACCA

posted by ACCA@8:16 PM