Zona de Risco

Acidentes, Desastres, Riscos, Ciência e Tecnologia

segunda-feira, agosto 14, 2006

As lições do caso Schering

Caso
Entre 15 de janeiro e 21 de abril de 1998, pílulas anticoncepcionais feitas com farinha foram fabricadas pela Schering para serem usadas em teste da nova embalagem do produto. Houve extravio da mercadoria, que seria incinerada como resíduo industrial, e alguns lotes chegaram ao mercado.
O caso se tornou público após uma consumidora reclamar que ficou grávida, apesar de tomar a pílula. As pílulas do lote de fabricação com farinha foram recolhidas em todo o país.
Em 2004, as ações de reparação ainda estão em julgamento. Em todo o Brasil, mais de 200 mulheres acionaram a empresa, cerca de 70 chegaram à segunda instância e menos de cinco ganharam a causa. A empresa gastou mais de 16 milhões de reais para reconstrução da imagem.

Zona de Risco

As lições do caso Schering
O incidente que envolveu a Schering na comercialização de pílulas anticoncepcionais em forma de placebos, deixando de lado méritos e acusações, traz à luz uma importantíssima questão, que ainda não recebe das empresas que atuam no Brasil a devida atenção. Trata-se das crises corporativas e ninguém está imune a elas e os terríveis estragos que causam à imagem das empresas. Vamos colocar da seguinte forma; o que aconteceu com uma empresa do porte e reputação da Schering poderia acontecer com qualquer outra, em qualquer área !

Crises nas organizações são como visitas indesejáveis, que chegam à sua casa inesperadamente, antes que você tenha tempo de evitar que aconteçam. Todas as atividades que envolvem pessoas estão sujeitas a crises. Cedo ou tarde elas ocorrem, mas há maneiras de minimizá-las (eventualmente até evitá-las), através do gerenciamento de crises. Essa função reside quase totalmente no campo da comunicação corporativa e deve ser administrada com o apoio de especialistas. Tal como gripe, pior que crise é crise mal curada e por curandeiros.

Qual a empresa, em sã cons­ciência, que se pode considerar à prova de acidentes, intoxicações, chantagens, sabotagens, atos criminosos, desastres, incêndios, inundações, fraudes, denúncias, processos judiciais, violações de produtos, defeitos de fabricação operações de "recall", impactos de nova regulamentação ou greves, só para mencionar as situações mais óbvias?

Por isso, gerenciamento de crises, dadas as graves implicações, deve receber das empresas que atuam no Brasil o mesmo tratamento prioritário que seus pares no exterior dedicam ao tema. E um dos diferenciais indispensáveis para que as organizações brasileiras se equiparem plenamente às internacionais, principalmente em tempos de globalização. Esta, aliás, é a fórmula inteligente para garantir o investimento feito em uma marca e sua reputação que, embora intangíveis, são os principais patrimônios de uma corporação.

E muitíssimo mais barato desenvolver um programa de gerenciamento de crises do que administrar uma situação fora de controle. Num incidente real, tanto a direção quanto os talentos da empresa têm suas atenções desviadas para a eliminação do problema e a restauração da normalidade. E, pa­ra felicidade da concorrência, são obrigados a abandonar temporariamente a operação, até o controle da crise.

Agora, pense no enorme preço pago pela empresa após um desastre, em termos de prejuízos financeiros, imagem, recursos, credibilidade, oportunidades. Vale a pena? Claro que não.

O gerenciamento de crises classicamente se divide em duas etapas:
1. a prevenção e
2. a administração, quando e se vier a ocorrer.

O processo de prevenção inclui avaliação de riscos, revisão de pontos fracos da operação e identificação de problemas potenciais e das vulnerabilidades da organização. As crises geralmente dão sinais de que vão ocorrer. Por isso, a avaliação e a correção dos "calcanhares-de-aquiles" corporativos podem até evitar que aconteçam. As corpo­rações mais bem-sucedidas são as que levam em conta os piores cenários. Para isso, preparam-se, com tempo e recursos, para enfrentá-los.

Treinamento e testes periódicos, com simulações, completam a estratégia. Por exemplo: é preciso saber identificar que uma crise está ocorrendo e de­terminar as ações enquanto ainda há tempo para isso. Diante de um incidente de fato, algumas organizações preferem varrê-lo para baixo do tapete. Deixam de corrigi‑lo quando ainda está em proporções restritas e administráveis.

No processo de gerenciamento de crises, talvez o cuidado mais importante seja a manutenção de canais de comunicação com todos os públicos: em­pregados, clientes, autoridades, imprensa. Esse diálogo não pode ser inaugurado em tempos de crise, pois credibilidade não é uma conquista instantânea. O diálogo deve ser aberto e constante, pois, quando a organização se vê diante de uma crise, precisa contar com um amplo programa de relacionamento que garanta o conhecimento e a compreensão dos pontos de vis­ta da empresa por todos os públicos.

Além de divulgar informações confirmadas em tempo hábil, é indispensável manter as autoridades informadas e coordenar esforços para evitar visões e versões conflitantes sobre o problema. O ideal é transmitir uma única mensagem, que tranqüilize o público através da sensação de perfeita integração e harmonia em relação às ações tomadas. E fazer com que as in­formações relevantes sobre a correção dos problemas sejam compartilhadas com todos.

Se ainda restam dúvidas sobre as claras vantagens de um programa de crise, voltemos ao caso Schering. Qual o futuro da pílula anticoncepcional Microvlar? Quanto se gastou e vai perder-se em pesquisa e desenvolvimento, marketing, posicionamento de marca, reputação e prestígio? Até que ponto a própria marca Schering, nacional e internacionalmente, não irá pagar um preço até injusto pelo incidente brasileiro? Infeliz­mente, não é fácil responder a es­sas questões. Uma coisa é certa: um bom programa de gerencia­mento de crise, se não puder eliminar, consegue minimizar significativamente o problema. Há inúmeros exemplos, em todos os campos de negócios, inclusive no Brasil, que provam clara­mente isso.

Fonte: Fábio Steinberg Presidente no Brasil da empresa de comunicação de negóios Hill & Knowiton.

posted by ACCA@9:43 AM