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terça-feira, março 06, 2012

O paradoxo do cinto de segurança

Nenhum invento moderno salvou mais vidas do que ele - e, no entanto, poucos dispositivos provocaram tanta irresponsabilidade do ser humano

A preocupação com a segurança dos ocupantes de veículos nasceu antes mesmo de eles tetem motor. No início do século XX, o francês Gustave-Désiré Leveau notou que em algumas carroças de tração animal as pessoas eram arremessadas para fora em caso de queda do cavalo. A constatação de que um aumento na velocidade produzia crescimento igual de acidentes fez Leveau criar os chamados "suspensórios de segurança". Não funcionaram como se imaginava. Depois deles, veio o cinto preso apenas na barriga - e o resultado foram graves ferimentos abdominais nas batidas muito fortes. Brotou então a ideia de por as faixas diagonalmente - e em testes de laboratório dava-se o horror de cabeças decapitadas em bonecos de plástico.

CRIAÇÃO DO CINTO DE TRÊS PONTOS
Tudo mudou definitivamente quando, em 1959, a Volvo sueca pediu a um engenheiro de 38 anos, Nils Bohlin, que trabalhava com cadeiras ejetáveis de jatos, que aplicasse seus conhecimentos aos carros. Sua criação - o cinto de três pontos, este que usamos hoje, preso ao peito e aos quadris simultaneamente-- teve a força de uma revolução comportamental e econômica, ao reformular todos os cálculos do seguro de vida em acidentes de automóvel. "Os pilotos com os quais trabalhei na indústria aeronáutica estavam dispostos a usar qualquer coisa para ter mais segurança", disse Bohlin em 2002, poucos meses antes de morrer. "Mas as pessoas comuns, dentro do carro, nunca aceitaram ficar desconfortáveis um minuto sequer." Demorou, portanto, para que os governos tornassem o cinto obrigatório - apenas nos anos 1970, em países como Estados Unidos, Japão e Austrália. No Brasil, ele virou lei, com multa pesada, em 1997, com o Novo Código de Transito, embora desde 1985 já fosse recomendado o uso.

EFICÁCIA DO CINTO DE TRÊS PONTOS.
As estatísticas são espetaculares, e demonstram a eficácia do cinto de três pontos. O mais longo estudo feito a respeito de seu funcionamento, por pesquisadores noruegueses, indica que os condutores com cinto têm probabilidade 50% menor de morrer num acidente; os passageiros do banco dianteiro, 45%; e os do banco traseiro, 25%. O risco de ferimentos graves também tem reduções consideráveis, de 45% para os condutores e os passageiros do banco da frente e de 25% para os de trás. "O cinto é essencial. Ainda não se descobriu nada que o substitua, nem o airbag, que é um complemento dele", diz o engenheiro e consultor em segurança veicular Lino Belli Jr. Os americanos Stephen Dubner e Steven Levitt, autores do best-seller Freakonomics, fizeram um cálculo, ao comparar as duas modalidades de segurança: salvar uma vida com cinto custa 30 000 dólares; com airbag, o valor chega a 1,8 milhão de dólares, levando-se em conta o tempo de desenvolvimento dos produtos e seu custo de instalação.

INTRODUÇÃO DO CONCEITO DE SEGURANÇA
Louve-se, portanto, o cinto, uma peça simples capaz de reinventar o cotidiano. Durante a primeira metade do século XX, o conceito de segurança em quatro rodas inexistia. O automóvel era escolhido pela "beleza, força do motor e status", diz o engenheiro Marcus Romaro, especialista em riscos veiculares. A introdução do conceito de segurança na indústria automotiva só começou em meados da década de 60, com a pressão do americano Ralph Nader, ativista e defensor dos direitos do consumidor, depois que a Volvo de Nils Bohlin conseguiu a patente do cinto de três pontos.

COMPENSAÇÃO DE RISCO- TOLERÂNCIA NATURAL PARA O RISCO
O problema, na contramão de tudo o que se escreveu até aqui nestas páginas: o sentimento de maior segurança nos tenta a ser mais imprudentes. Não há estatística precisa, mas o cinto que salva vidas também as tira, porque os motoristas acham que podem correr mais. Chama-se a essa postura, amplamente investigada pela psicologia, de compensação de risco. "Antes de estourarmos o champanhe, merecido, pela existência do cinto de três pontos, devemos considerar que alguns motoristas provocaram desastres justamente porque usavam esse dispositivo de proteção", escreve William Ecenbarger na revista Smithsonian. Segundo ele, os seres humanos têm tolerância natural para o risco. Some-se a isso uma espetacular inovação, realmente protetora, e o resultado pode ser péssimo.

O fenômeno não se restringe as ruas e estradas -- está presente em todo lugar. Estudos sugerem que trabalhadores que usam cinto de apoio para as costas tendem a levantar cargas mais pesadas e que crianças que usam equipamento esportivo de proteção no futebol se arriscam em entradas mais duras.

Fonte: Revista Veja Especial – 27/11/2011

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posted by ACCA@4:19 PM